Renata Camargo
O projeto ficha limpa, aprovado na noite de ontem (19), vai para a sanção presidencial com brechas que podem enfraquecer o espírito da lei. Uma emenda de redação apresentada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) e acatada pelo relator, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), abre margem a interpretações contraditórias da futura legislação.
A emenda – que substitui a expressão “tenham sido [condenados]” por “que forem condenados” – permite a tese de que pessoas que já estão com processo em curso hoje e já foram condenadas em segunda instância não sejam atingidas pela lei. Ou seja, abre a possibilidade de interpretar que as regras de inelegibilidade do ficha limpa só valerão para delitos que venham a ser cometidos após a sanção da lei.
“Evidentemente hábeis advogados sustentarão essa tese nos tribunais e tudo passará por uma situação que antes não se punha. Vai haver uma grande polêmica sobre isso. Poderá haver aqueles que sustentam que não foi apenas uma mudança de redação, mas também de mérito, e isso trará grandes complicações”, afirma o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A polêmica sobre o alcance do projeto ficha limpa aprovado Senado preocupou os membros do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsável por recolher as assinaturas do projeto de lei de iniciativa popular. Para esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema, o MCCE fará uma entrevista coletiva, hoje, às 16h. Pela manhã, membros do movimento se reuniram com membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o senador Demóstenes Torres.
O MCCE não vê prejuízos ao projeto com a aprovação da emenda. Juristas ligados ao movimento consideram que houve apenas um aprimoramento de redação. O presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Mozart Valadares, também afirma que a emenda não muda a essência do ficha limpa. “A AMB concorda plenamento com o projeto que foi aprovado. O projeto é muito bom e atende aos anseios da sociedade”, disse Mozart, reforçando a posição de que não houve prejuízos à proposta.
Suspeitas
As brechas abertas pela emenda de Dornelles levantaram suspeitas de que a mudança tenha vindo para beneficiar casos de processos em andamento. Um dos beneficiários seria o deputado Paulo Maluf (PP-SP), do mesmo partido do senador e que responde a vários processos na Justiça. Dornelles nega qualquer benefício a colegas e afirma que a emenda é “exclusivamente de redação”.
“O que posso garantir que é uma emenda exclusivamente de redação, que deu a cinco letras de um dispositivo a mesma redação que outras oito letras do mesmo dispositivo. Em nada vai afetar o mérito do projeto, que é um projeto importante, que deve ser comemorado”, enfatizou Dornelles, visivelmente nervoso.
O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) defende que a mudança feita pelos senadores trouxe mais confusão jurídica ao levar outras duas questões à Justiça. Primeiro, a interpretação se a emenda é de redação ou de mérito – se for de mérito, deveria ter retornado à Câmara – e, segundo, se o projeto se aplicará ou não a processos anteriores à lei.
“Nós já tínhamos dois debates que seguramente iriam ao Supremo, que é o debate da presunção de inocência e o debate da aplicação da lei nas eleições deste ano. Com a modificação do Senado tem mais duas questões. A expressão ‘tenham sido’ permite a interpretação de condenações anteriores. A expressão ‘forem condenados’ induz a ideia de que são só as condenações que ocorrerem após a vigência da lei”, disse Dino.
Abrangência
Em defesa da mudança, o senador Demóstenes Torres afirma que a alteração foi feita justamente para evitar “contradições” que vieram da Câmara. O relator no Senado argumenta que foi adotada redação semelhante para todos os artigos do projeto, no intuito de evitar “confusão do julgador”. Segundo Demóstenes, a opção por padronizar os artigos com a expressão “que forem condenados” ao invés do “tenham sido” foi feita para ficar em consonância com a Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar 64/90).
“Não há confusão alguma de qualquer espécie. Quem já foi condenado e recorrer, os tribunais podem aplicar os novos prazos de inelegibilidade e podem os tribunais impedir que eles sejam candidatos nessa eleição. Não há dúvida nenhuma quanto à vigência da lei para o futuro e para os casos presentes. O projeto é bom e garante que quem está condenado e com processo em julgamento que esses processos continuarão correndo”, disse Demóstenes.
Segundo Demóstenes, o ficha limpa só não alcançará casos já julgados no passado. O parlamentar explica que a Constituição impede que uma lei retroaja para punir. Dessa forma, casos como do ex-governador da Paraíba Cássio Cunha Lima (PSDB), cassado por abuso de poder econômico, e do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, que renunciou ao mandato de senador para não ser cassado, estão fora do ficha limpa. Cunha Lima é pré-candidato do partido tucano ao Senado, enquanto Roriz deve disputar o governo do Distrito Federal.
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