Atendendo a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o ministro Edson Fachin incluiu nesta sexta-feira (2) o presidente Michel Temer (MDB) na investigação que apura pagamento de propinas da Odebrecht aos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência). Eliseu e Moreira, além do próprio Temer, são dois dos investigados do que o Ministério Público Federal (MPF) definiu como “quadrilhão do PMDB”. Os três são beneficiados com o foro privilegiado e só podem ser julgados pelo Supremo, que tem velocidade de julgamentos muito reduzida em relação à Justiça de primeira instância.
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Relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Fachin acatou entendimento de Raquel Dodge quanto ao dispositivo legal que impede investigação do presidente da República por atos cometidos antes da posse – o inquérito apura o pagamento de propinas por parte da Odebrecht, em 2014, como contrapartida pelo tratamento especial na Secretaria de Aviação Civil, que foi comandada pelos dois ministros entre 2013 e 2015. A investigação contra Padilha e Moreira Franco foi aberta no ano passado, após a divulgação das delações da Odebrecht. Em interpretação divergente daquela manifestada nesse mesmo caso por seu antecessor na PGR, Rodrigo Janot, Raquel entende que Temer pode, sim, ser investigado, mas só depois que deixar a Presidência da República poderá ser responsabilizado por crimes antes do exercício do mandato.
No despacho, Fachin fixou prazo de 60 dias para que a Polícia Federal conclua os trabalhos de apuração. A decisão promete desgastar ainda mais a gestão Temer durante boa parte do ano, pois há a possibilidade de alongamento das investigações caso Fachin aceite mais pedidos de prorrogação do inquérito. Pesa na agenda negativa contra o presidente outro inquérito ativo na Polícia Federal, também sobre pagamento de propina que Temer recebeu, segundo delatores, para beneficiar empresas com o Decreto dos Portos. que se esforça para manter o foco na pauta da segurança pública e da intervenção federal no Rio de Janeiro.
Procurado pela imprensa, o Palácio do Planalto preferiu não comentar a inclusão de Temer em mais esse inquérito.
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Tempo da lei
Na argumentação para que Temer fosse incluído como investigado, Raquel Dodge apontou o risco de que provas venham a se perder no transcurso do tempo, bem como testemunhas sejam descartadas por razões diversas. “Há inúmeros exemplos de situações indesejáveis que podem ser causadas pelo decurso do tempo, como o esquecimento dos fatos pelas testemunhas, o descarte de registros, a eliminação de filmagens, entre outros, a ocasionar, desnecessariamente, o que a doutrina denomina de ‘prova difícil'”, argumenta a procuradora-geral da República.
Fachin manifestou em seu despacho concordância com tal interpretação. Além disso, apontou o magistrado, a formalidade de instauração de inquérito não implica responsabilização do suspeito. “A imunidade temporária vertida no texto constitucional se alça a obstar a responsabilização do Presidente da República por atos estranhos ao exercícios das funções; mesmo nessa hipótese [a de atos estranhos ao exercício das funções] caberia proceder a investigação a fim de, por exemplo, evitar dissipação de provas, valendo aquela proteção constitucional apenas contra a responsabilização, e não em face da investigação criminal em si”, anotou Fachin.
“Carga estigmatizante”
No pedido de inclusão, Raquel Dodge citou a delação de Claudio Melo Filho, ex-executivo da Odebrecht, que afirmou ao Ministério Público que um jantar foi oferecido no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência da República, para negociar o repasse e a divisão de R$ 10 milhões pagos pela empreiteira como ajuda de campanha ao MDB, partido de Temer.
“A investigação penal, todavia, embora traga consigo elevada carga estigmatizante, é meio de coleta de provas que podem desaparecer, de vestígios que podem se extinguir com a ação do tempo, de ouvir testemunhas que podem falecer, de modo que a investigação destina-se a fazer a devida reconstrução dos fatos e a colecionar provas. A ausência da investigação pode dar ensejo a que as provas pereçam”, argumenta a procuradora-geral.
Raquel Dodge também citou, no relato sobre a destinação do dinheiro ilícito, a declaração do ex-diretor da Odebrecht segundo a qual “Eliseu Padilha seria encarregado de entabular tratativas com agentes privados e decentralizar as arrecadações financeiras da Odebrecht; que ele teria deixado claro que falava em nome do vice-presidente [àquela época, Michel Temer] e que utilizaria o peso político dele para obter êxito em suas solicitações”.
“Homem honrado”
No começo da semana, como o Planalto não se manifestou sobre o pedido de Raquel Dodge, coube ao ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, comentar a iniciativa da PGR em entrevista coletiva na última terça-feira (27), no Palácio do Planalto. Fiel escudeiro de Temer e de outros peemedebistas, como o ex-deputado preso Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Marun disse ter estranhado a consecução das apurações sobre fatos anteriores ao mandato de presidente da República, nos termos da legislação pertinente.
“Pelo que eu sei, neste momento, o presidente só pode ser efetivamente atingido por qualquer coisa acontecida no exercício do seu mandato”, declarou Marun, segundo a Agência Brasil, decretando a inocência de Temer – alvo de investigação suspensa por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça – e o classificando como um “homem honrado”.
“Se querem investigar, investiguem. Mais uma vez chegarão à conclusão de que nada efetivamente atinge a pessoa do presidente, que é um homem honrado, com um patrimônio conforme a renda auferida em décadas de trabalho”, acrescentou Marun.
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