Cláudio Versiani, de Nova York* |
Agosto, mês de cachorro louco, entrou setembro adentro. Pobre Bush, os fatos insistem em conspirar contra ele. O presidente que já é o recordista em férias presidenciais teve que encurtar sua temporada no Texas e voltar para Washington. O furacão Katrina que chegou em Nova Orleans na madrugada de segunda-feira foi o responsável pela interrupção da folga presidencial. Bush só se mexeu na quarta-feira, ele fez um pronunciamento ao vivo pela televisão. O New York Times, em seu principal editorial de quinta-feira, classificou o discurso como um dos piores já feitos pelo presidente durante toda sua vida. O título era “Esperando por um líder”. O resto do texto era só pau no Bush. Aliás, esse é um dos passatempos prediletos dos editorialistas do jornal, descer a lenha em George. A cidade agradece, se diverte e encontra um interlocutor que diz aquilo que estava engasgado na garganta de grande parte dos novaiorquinos.
Leia também Se em casa a situação não anda boa, lá pelo Iraque a coisa é ainda pior. Mais de mil mortos (iraquianos) num mesmo dia. E a guerra entre sunitas e xiitas e a população civil pagando com a vida. Viva a Operação Iraque Livre! Os sunitas controlam as áreas petrolíferas, os xiitas são maioria e querem o poder e uma teocracia nos moldes do Irã. O esboço da constituição do Iraque deixa as mulheres à parte. Viva a democracia iraquiana! Cindy Sheehan, agora a mãe de todos os protestos, prometendo acompanhar Bush por onde ele for – e ele só vai aos estados republicanos, para ficar bem longe dos protestos. Mas esses estados já não são tão vermelhos assim. Os protestos antiguerra pipocando aqui e ali, se espalhando por diferentes setores da sociedade. Bush só caindo nas pesquisas. É só noticia ruim, 70 soldados americanos mortos no mês de agosto na Guerra de Bush, que já custou mais do que os 14 anos de Guerra no Vietnã. A Guarda Nacional que deveria estar ajudando às vitimas do furacão, aonde anda? Está no Iraque contribuindo para a libertação do país e servindo de alvo para os insurgentes. Trinta e cinco por cento do contingente do estado de Lousiania estão no Iraque e 40% da Guarda do estado de Mississipi também estão pra lá de Bagdá. Alem de soldados, faltam equipamentos e helicópteros. Bush finalmente disse qual é um dos motivos (verdadeiros) da guerra. Segundo a agência AP, o presidente disse que se Zarqawi (braço direito de Osama no Iraque) e Bin Laden tomarem conta do Iraque, eles irão criar um centro de treinamento para novos ataques terroristas. Eles querem capturar os campos de petróleo para financiar suas ambições. Eles poderão recrutar novos terroristas reivindicando uma histórica vitória sobre os EUA e as forças da coalizão. “Não vamos descansar até a vitória.” Curiosamente, essa declaração não rendeu muita repercussão na imprensa. Não foi uma declaração, foi uma verdadeira confissão. Aqui Bush teve sorte, ninguém prestou muita atenção à fala do comandante-em-chefe. Os olhos da nação estão pregados na tragédia de Nova Orleans, nem os estados de Alabama e Mississipi ganharam destaque na mídia, são matérias secundárias. Afinal o que acontece na cidade de Nova Orleans é a transmissão ao vivo do drama dos americanos, que não abandonaram a cidade, mas que foram abandonados à sua própria sorte. A cidade de Nova Orleans tem ou tinha quase um terço de sua população vivendo na pobreza, dos quais 84% são negros. As imagens da destruição mostram que a grande maioria é pobre e negra, não há como não ver. E quem quiser ver, o NY Times e o Washington Post têm fotos impressionantes, http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/photo/special/7/index.html e http://nytimes.com/pages/national/nationalspecial/ . Bush aceitou a ajuda da União Européia, da ONU e da OTAN, mas fez que não ouviu as ofertas de Hugo Chávez e de Fidel Castro. Em 2004, o governo cubano transferiu de suas casas quase 2 milhões de pessoas antes que o furacão Ivan, categoria 5, chegasse à ilha. Vinte mil casas foram destruídas, mas ninguém morreu. A ONU declarou a operação modelo de prevenção. Chávez ofereceu uma montanha de ajuda, comida, remédios, médicos e até petróleo. Bush se fez de mouco. O presidente norte-americano visitou a região, disse que jamais esqueceria o que viu e que tudo aquilo era inaceitável. Abraçou alguns sobreviventes, mas saiu mal na foto. Choveram críticas de todos os lados, o New York Times classificou o presidente como o homem que está sempre chegando com um dia de atraso. O prefeito de Nova Orleans, Clarence Ray Nagin Jr., numa entrevista a uma rádio local na quinta-feira, reclamou da lentidão do governo federal e disse uma frase que no Brasil soaria familiar. “Levantem a bunda da cadeira e façam alguma coisa.” O cantor Kanye West, que foi capa da revista Time em agosto e chamado de “o artista mais inteligente da pop music”, disse que George Bush não liga para os negros. E desancou criticas ao presidente durante um concerto de ajuda às vitimas do Katrina, em NY e transmitido ao vivo para todo o país. Já a governadora da Louisiana, Kathleen Blanco, preferiu ameaçar os saqueadores. Ela disse que os soldados tinham ordens para atirar e para matar. Ela falou na quinta-feira, no domingo os primeiros cinco mortos apareceram. Foi a polícia de Nova Orleans quem trocou tiros com os chamados desordeiros. É muita incompetência, trapalhada atrás de trapalhada. Apesar dos alertas de que Nova Orleans era vulnerável a enchentes e furacões, o governo de George Bush resolveu cortar em mais de 40% as verbas para a prevenção de acidentes. Antes do ataque de 11 de setembro, a agência de gerenciamento de emergências, similar a nossa Defesa Civil, listou as três piores catástrofes que poderiam acontecer nos EUA: um terremoto em São Francisco, um ataque terrorista em Nova York e um furacão sobre Nova Orleans, relata o articulista Paul Krugman. A pior de todas seria um furacão em Nova Orleans. Deu no que deu. Em janeiro de 2005, o diretor da agência voltou da Ásia, onde viu de perto a devastação do Tsunami. Ele chegou obcecado com a cidade de Nova Orleans. Barreiras de retenção de águas deveriam ser construídas ou reforçadas. E muitos planos deveriam ser feitos. E por que a prevenção não deu certo? A resposta continua no Iraque, onde também está o dinheiro que deveria ser gasto na tal prevenção. Nem os policiais estão segurando a barra. Dois cometeram suicídio e mais de 200 ou desertaram ou desistiram da profissão. Vários estão no limite do estresse. Relatos dos repórteres dão conta que o mau cheiro se instalou em Nova Orleans, ainda há mortos para se recolher, ninguém sabe ao certo quantos são. O baixo astral se alastrou por todo o país. Pobre Bush, pobre de espírito. * Jornalista há 27 anos, foi editor de Fotografia do Correio Braziliense e repórter de Veja, Istoé e O Globo. Seu trabalho como fotógrafo já lhe rendeu vários prêmios nacionais e internacionais, como o Líbero Badaró, o Nikon Awards e o Abril de fotojornalismo. |
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