Ricardo Ramos |
O histórico de rebelião dos deputados petistas em relação às propostas do governo Lula vai além das assinaturas de apoio à CPI dos Correios, criada na semana passada, e pode ganhar um novo capítulo entre hoje e amanhã. Isso porque no fim da fila das cinco medidas provisórias (MPs) que trancam a pauta da Câmara estão as MPs 245/2005 e 246/2005, que prevêem o encerramento do bilionário processo de liquidação da Rede Ferroviária Federação S/A (RFFSA), privatizada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Parte da bancada petista na Casa já anunciou intenção de votar contra as duas MPs. As duas medidas devem sofrer forte resistência de deputados ligados à Frente Parlamentar de Defesa do Transporte Ferroviário (FPTF), que contam com o apoio do PSDB e a simpatia do presidente da Casa, Severino Cavalcanti (PP-PE). O potencial de fogo da frente, composta por 330 dos 513 deputados, não é nada desprezível e acende o sinal de alerta do Planalto para o risco de nova derrota em plenário. Leia também O governo alega que a extinção da Rede é necessária porque não compensa reestruturar uma empresa que já causou prejuízos de R$ 16,6 bilhões, desde 1999, e tem endividamento de outros R$ 13 bilhões, além de 38 mil ações judiciais pendentes (leia mais). Desde o início do mês, os líderes da frente têm viajado país afora a fim de angariar apoio de governadores e parlamentares para pressionar a Câmara a rejeitar as duas MPs. Já passaram por oito estados. “Estamos trabalhando para rejeitar essas medidas na íntegra”, afirma o petista Carlos Santana (RJ). “Pessoalmente, se o partido fechar questão e votar a favor da MP, votarei contra”, insurge o deputado, metalúrgico ferroviário da RFFSA. Os tucanos foram ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionar a urgência da medida provisória que extingue a RFFSA, cujo processo de privatização ocorreu entre 1996 e 1998. A liquidação ocorreu um ano mais tarde, ainda no governo FHC. “O tema merece uma discussão ampla por meio de um projeto de lei, e não por MP”, afirmou o presidente nacional do PSDB, o senador Eduardo Azeredo (MG). Como não ocorreu nenhum fato novo desde o processo de liquidação, argumenta a oposição, não haveria motivo para o governo, agora, extinguir a empresa por MP. A ação dos tucanos também pede a suspensão da MP, ainda em vigor, até que o STF decida sobre o seu mérito, após ouvir a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Procuradoria-Geral da República (PGR). Em audiência pública sobre a extinção da RFFSA na Câmara há cerca de um mês, o coordenador da frente parlamentar, deputado Jaime Martins (PL-MG), também fez o mesmo questionamento sobre a urgência da MP. Na ocasião, o inventariante da RFFSA, Edson Ronaldo do Nascimento, explicou que a urgência foi provocada pela “falta de recursos financeiros no curto prazo para honrar o passivo trabalhista”. A Rede alega não ter R$ 2 bilhões em caixa para honrar apenas as dívidas trabalhistas. O Congresso em Foco tentou, sem sucesso, ouvir Edson, mas a assessoria de imprensa do Ministério dos Transportes informou que o inventariante não falaria sobre a extinção da RFSSA. Passo natural Para o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Oliveira Passos, “o término do processo de liquidação da RFFSA é um passo natural, que o governo está disposto a dar, desde que incluiu a empresa no Programa Nacional de Desestatização”, em 1992. Após estudos de viabilidade feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o programa preparou a privatização do setor, ocorrida quatro anos mais tarde. Há dois meses, Severino Cavalcanti declarou, durante realização de um fórum para tratar da revitalização do setor ferroviário, apoio aos funcionários da empresa em liquidação. “Temos que fazer com que o presidente da República se conscientize de que um país com a dimensão do Brasil não pode ficar sem ferrovia”, afirmou o presidente da Câmara. “Querem destruir o patrimônio ferroviário da nossa pátria”, disse Severino. O presidente da Câmara ficou de intermediar um encontro entre os parlamentares da frente em defesa do setor ferroviário e o presidente da República. A proposta, contudo, não foi adiante. “Lula nunca discutiu esse assunto conosco”, critica Carlos Santana, ao revelar que há quase um ano tenta marcar uma audiência com o presidente para discutir a política nacional do governo para o setor. Aliado do governo, o relator da MP 246, deputado Inaldo Leitão (PL-PB), afirma não acreditar na possibilidade de a medida ser rejeitada pelo plenário da Câmara. “Até o momento não vi nenhuma reação contrária à MP no colégio de líderes”, garante Inaldo. Antes mesmo da votação da MP, o Ministério dos Transportes já criou uma comissão para realizar o levantamento dos ativos da Rede. Com a medida, o governo assumiu um passivo potencial na Justiça – entre dívidas trabalhistas, cíveis, previdenciárias e outras – estimado em R$ 6,9 bilhões. Para lidar com o enorme passivo, o governo criou um fundo, vinculado ao Ministério da Fazenda, que terá como objetivo fazer o pagamento das participações de acionistas minoritários, das despesas decorrentes de ações do pessoal ativo e da liberação da penhora de bens. Ele tem R$ 3,7 bilhões em caixa. A outra medida provisória, a MP 245/05, abre crédito suplementar de R$ 393 milhões para que o governo realize o processo de extinção da RFFSA. Segundo o Ministério dos Transportes, o patrimônio da RFFSA está avaliado em R$ 21,5 bilhões. Contudo, cerca de 90%, ou R$ 19,1 bilhões, estão em posse dos arrendatários. Isso inviabilizaria a sua alienação. O governo acredita que a insegurança jurídica causada pelo estado de insolvência da RFFSA contribui para afugentar novos investimentos privados no setor (leia mais).
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