A voz é doce. O rosto bonito e os cabelos louros podem passar uma impressão de fragilidade. Não se engane. Alessandra Queiroga é uma das mais ativas promotoras do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Segundo ela mesma, uma pessoa “intolerante com a corrupção pública”.
Ex-coordenadora do Núcleo de Combate às Organizações Criminosas, foi ela, juntamente com seu colega, Wilton Queiroz, quem primeiro falou com o ex-secretário de Assuntos Institucionais do governo do Distrito Federal Durval Barbosa sobre a possibilidade de ele negociar uma delação premiada, que levou à instauração da Operação Caixa de Pandora e depois à prisão e renúncia do ex-governador José Roberto Arruda.
Desde que a operação foi deflagrada, em novembro do ano passado, Alessandra mergulhou. Não fez qualquer comentário público nem revelou qualquer detalhe do trabalho que inseriu Brasília na sua maior crise política exatamente no momento em que comemorava seu aniversário de 50 anos. Alessandra acompanhou a tudo calada. Até esta entrevista ao Congresso em Foco.
Na entrevista, cuja íntegra será publicada em capítulos hoje e amanhã (com a inclusão de trechos em áudio), Alessandra revela detalhes da negociação feita com Durval Barbosa. Como chegou até ele. O que o levou a colaborar. Detalha, inclusive, a situação constrangedora em que ficou, ao se ver obrigada a manter segredo da operação até mesmo de seu superior, o procurador do Distrito Federal e Territórios, Leonardo Bandarra, acusado por Durval de envolvimento com o esquema.
Nesta primeira parte da entrevista, ela explica como os esquemas de corrupção se entranharam na estrutura do Distrito Federal. De uma forma tal que se torna impossível se desvendar tudo o que existe a partir apenas das estruturas políticas, jurídicas e administrativas de Brasília. Por isso, com a autoridade de quem investiga há mais de dez anos a corrupção no Distrito Federal, Alessandra defende com convicção a decretação da intervenção federal, que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal. “Seria um marco histórico”, diz ela. “Foi se permitindo uma situação na capital federal que corrompe a nossa alma”.
Leia abaixo a primeira parte da entrevista:
Congresso em Foco – Por que a senhora julga que é fundamental que haja a intervenção federal no Distrito Federal?
Alessandra Queiroga – Estou há 16 anos trabalhando em investigação de corrupção no Distrito Federal, e nunca vi as coisas melhorarem. Pelo contrário. Os esquemas só vão recrudescendo. Há diversas instituições que estão precisando de uma atenção especial, de uma mexida. E isso não vai acontecer se não houver uma auditoria, um pente fino, feita por órgãos isentos da União para poder realmente desvendar, revelar toda essa podridão que há aqui, nos contratos e em grande parte das instituições no Distrito Federal.
A sua convicção é de que não há possibilidade de uma solução vinda do meio político, como se vem tentando? Todo esse meio político de Brasília estaria contaminado?
Acredito que esses esquemas já estão muito arraigados no DF. Já são históricos. Os personagens são sempre os mesmos. Eu entrei em 1994. Vi investigações anteriores, de 1992 ou antes, já com os mesmos personagens e os mesmos esquemas. Em algumas áreas sensíveis, isso é tão evidente… Por exemplo, o último concurso para o Instituto de Criminalística do Distrito Federal foi em 1993/1994. O quadro era de 200 e poucos peritos. Hoje, o quadro é exatamente o mesmo. Enquanto o Instituto Nacional de Criminalística cresceu dez vezes, a nossa polícia é a mesma. Ano que vem, vão se aposentar 120 peritos. Nós vamos ficar somente com 80 peritos. Isso é um exemplo de que não há qualquer interesse aqui em aparelhar os órgãos de segurança pública, que não há interesse em se melhorar as condições de investigação. Assim, as coisas só vão ficando piores. Acredito que a intervenção seria um marco. Não apenas um marco histórico, mas para fazer um desnudamento de tudo o que está aí.
Parte substancial do orçamento do Distrito Federal é já da União. E, em tese, já pode ser fiscalizado pela Controladoria-Geral da União e outros órgãos de fiscalização federal. O que eles não podem fazer hoje que poderiam fazer no caso de uma intervenção?
Órgãos como a CGU e o Tribunal de Contas da União só têm poder de fiscalização dos gastos que efetivamente foram feitos com dinheiro federal. O Distrito Federal há muitos anos usa a sistemática de usar o dinheiro que vem da União para pagar folha de salário. Pagam-se os agentes de segurança, os agentes de saúde etc. Realmente, são serviços caros, que têm que ser prestados. Mas desonera completamente o orçamento do Distrito Federal para aplicar nesses contratos questionados. Então a União não alcança essa verba exclusiva do Distrito Federal. Com isso, não podem fazer uma auditoria aprofundada e bem feita.
Ouça trecho da entrevista:
Voltando à questão política, nós tivemos agora a eleição indireta que escolheu Rogério Rosso governador. Com a participação dos deputados distritais envolvidos. Que escolheu para o cargo alguém totalmente vinculado aos dois governos anteriores – Roriz e Arruda. A CPI não avança em nada. Mas, apesar disso, a impressão que fica é que a ideia da intervenção está arrefecendo…
A gente vê uma campanha intensa contra a intervenção. Eu acho que quem está contra a intervenção, é porque tem receio. Receio de que as contas relacionadas às obras públicas sejam analisadas. Receio de que as contas de publicidade sejam analisadas. É muito difícil, sem a ajuda da imprensa, sensibilizar o Supremo Tribunal Federal. O Supremo Tribunal Federal é um tribunal conservador, é da natureza dele ser conservador. Mas eu acho que está na hora de o STF assumir esse papel de mudança, seguindo na linha até agora irretocável que a Justiça vem tendo nesse caso. Acho que a União deve isso para o Distrito Federal. Brasília está fazendo 50 anos agora e sempre teve problemas. Foi se permitindo uma situação na capital federal que corrompe a nossa alma. As pessoas estão indignadas nas ruas. Seria um exemplo. A corrupção não é exclusividade do DF, mas tudo aqui é exponencial. Tudo é maior. O orçamento é enorme. O desvio é enorme. Pessoas ficando riquíssimas. E vai a um hospital na cidade satélite? Era uma questão de ser exemplo, de se mostrar como se faz uma limpa, uma oportunidade de o Judiciário ter uma postura ativa, quando falta em outros poderes essa lisura e isenção para fazer as coisas. Acho que o Supremo tem uma oportunidade histórica de mudar o rumo dessa prosa, de mudar as coisas neste país.
Ouça novo trecho da entrevista:
Ainda hoje:
Promotora revela como Durval começou a colaborar com o Ministério Público
E confira amanhã:
Esquema de Durval começou no governo Roriz
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