Sylvio Costa
Poucos minutos de conversa com o governador do Maranhão, o engenheiro civil José Reinaldo Tavares (PSB), 67 anos, deixam claro que temas nacionais como o escândalo do mensalão ou eleição presidencial não estão entre suas preocupações maiores. Ele se dedica obstinadamente a uma batalha em tese paroquial: impedir que o cargo que hoje ocupa caia nas mãos dos adversários. O que torna curiosa sua cruzada é o fato de ela envolver o destino de um dos grupos mais longevos e influentes da política brasileira – aquele que gravita em torno do ex-presidente José Sarney.
Atualmente exercendo seu segundo mandato de senador pelo PMDB do Amapá, Sarney comanda há mais de quatro décadas uma das mais notórias oligarquias tupiniquins. Foi ele quem lançou José Reinaldo na vida pública. O governador foi seu ministro – dos Transportes, entre 1986 e 1990 – e vice-governador do Maranhão durante os dois períodos em que a filha do ex-presidente, a senadora Roseana Sarney (PFL-MA), governou o estado. Em 2004, José Reinaldo rompeu com ambos e se tornou o principal adversário da família.
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Agora, derrotar os Sarney é sua principal bandeira. Para tanto, costura a articulação que, segundo ele, levará ao maior revés que o grupo Sarney já sofreu. O objetivo é evitar que Roseana volte a se eleger governadora neste ano. Na tentativa de deter a senadora, que lidera com folga as pesquisas de intenções de votos ao governo maranhense, José Reinaldo tenta, em primeiro lugar, garantir a realização de segundo turno.
Por isso, apóia a candidatura de Jackson Lago (PDT), ex-prefeito de São Luís, ao mesmo tempo em que convenceu o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, outro antigo amigo da família Sarney, a se lançar candidato ao governo maranhense pelo PSB. “Roseana vai perder, não tenha dúvida. Está evidente que a dominação da família é extremamente nociva”, afirma José Reinaldo.
Segundo ele, o controle que a família exerce sobre a mídia – local e mesmo nacional – impede que os brasileiros tomem conhecimento dos aspectos nefastos da ação do grupo Sarney, sobretudo no Maranhão. Além de atribuir à família a responsabilidade pelas precárias condições econômico-sociais do estado, um dos mais pobres do país, o governador desfia um rosário de acusações, dirigidas sobretudo a Roseana, com quem diz ter rompido com o objetivo de ter autonomia para governar. As acusações à senadora e ao seu legado administrativo incluem desde manobras para obstruir o envio de recursos ao estado até denúncias de corrupção.
Em razão das declarações de José Reinaldo, o Congresso em Foco procurou Roseana para lhe oferecer a possibilidade de contraditá-las na mesma edição em que seria publicada a entrevista com o governador, realizada em Brasília na semana passada. A senadora optou por não se manifestar. “Não entro em polêmica com esse senhor”, reagiu, por meio de sua assessoria de imprensa.
Congresso em Foco – Eu queria entender esse rompimento com a família Sarney. O senhor começou na política ligado ao ex-presidente. Como é que foi essa história?
JOSÉ REINALDO TAVARES – A história é a seguinte. A Roseana é diferente do Sarney. É uma pessoa que foi muito cedo para a política e, quando fui eleito, ela tentou comandar o meu governo. No governo dela, tinham sido extintas várias secretarias importantes para o estado, como a Secretaria da Agricultura, que no Maranhão é a coisa mais importante que há, porque metade da população está na área rural, é muito pobre e vive da agricultura familiar. Ela extinguiu a secretaria, acabou com todos os órgãos de assistência técnica, e a pobreza foi acentuada. Quando eu recebi o estado, chamei o Ipea para verificar a situação real, e o Maranhão era o estado de menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e de menor renda per capita do Brasil. Havia 83 municípios maranhenses dentre os 100 mais pobres do Brasil. Só tínhamos ginásio em 58 dos 217 municípios. E eu botei, logo, em dois anos, em todos os
Mas o senhor havia sido vice-governador no governo da Roseana? Nessa época, o senhor estava inclusive no PFL, não é?
Sim, na época, no PFL. Mas ela não aceitava as coisas que eu dizia. O Jorge (Murad, marido da senadora) era uma figura onipresente lá. Ela fez uma reforma administrativa, criou uma secretaria, deu para o marido e ele, praticamente, representava todo o governo, pois arrecadava, planejava, pagava… era um negócio que não existe em lugar nenhum. E ela ficou, basicamente, sem fazer nada. Quando entrei, mudei tudo isso, e a Roseana queria mandar. Aí, como não deixei, eu pensava de outra maneira, ela começou a jogar com os meios de comunicação para acabar comigo, com a minha mulher, com todos, enfim.
O senhor se elegeu em 2002. Por que o rompimento aconteceu bem depois, só no segundo ano do governo?
Em
Quais são os títulos?
Diário da Manhã e Veja Agora.
São jornais de linha popular?
Linha de imprensa marrom mesmo, não é nem popular. Então, eles entraram pra valer em cima de mim. Ela deixou o estado endividado. Eu pago de dívida, por ano, o equivalente a todo o pagamento da folha da educação do estado.
Quanto é isso?
600 milhões, em financiamento interno e externo: 60% da dívida do estado foi feita no governo da Roseana. Ela pegou US$ 650 milhões.
Ela foi governadora durante oito anos, não foi?
Sim, sete anos e pouco.
E o senhor foi vice-governador nos dois mandatos…
Sim, nos dois mandatos. Mas eu não apitava nada.
E o senhor não tem um problema para explicar isso?
Nenhum.
O senhor tinha sido ministro antes, no governo Sarney?
Tinha.
Pois é… não é difícil explicar como é que foi esse afastamento?
Não, todo o povo do Maranhão entende. O Sarney brigou com todos os governadores. Só que o Sarney era mais esperto, pois brigava no final do mandato e o camarada ficava sem reação. A Roseana, muito intempestiva, brigou logo, forçou a briga. E aí eu tive tempo de reagir. Hoje, toda a população maranhense sabe a razão e me apóia. E as coisas estão muito diferentes.
As pesquisas mostram esse apoio? O senhor tem números recentes?
Mostram. O Ibope mostrou em torno de 50% da aprovação. O Lula esteve lá em Imperatriz, com 18 mil pessoas, e eu fui ovacionado. O prefeito, que é ligado a ela, levou uma vaia de 40 minutos. Ele falou no nome do João Alberto (senador peemedebista, ligado aos Sarney), no nome do Sarney, e o pessoal gritava de lá: “Governador, tire essa família daqui!”
A briga do senhor é com a Roseana, não com o Sarney?
Se eu brigo com a filha, brigo com o pai, não é? A briga começou com a Roseana. Depois o Sarney tomou as dores, e eu sabia que isso iria acontecer: briga com os filhos…
O ponto fundamental da divergência foi o desejo de autonomia?
Não tenha dúvida, foi aí que começaram as brigas. E foram várias! E insultos também. Passaram a me insultar, e ela achou que eu não agüentava. Ela dizia que eu não agüentaria um mês de pancada. Então cometeu esse erro de brigar comigo e obteve o resultado direitinho!
O senhor acha que ela perde a eleição?
Ah, ela vai perder, não tenha dúvida. Está evidente que a dominação da família é extremamente nociva. O Maranhão não tem motivo algum para ser o estado com o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país. O Maranhão não tem semi-árido, não tem nada. É um estado como a Bahia, que é hoje o quarto ou quinto estado do Brasil (na verdade, pelos dados mais recentes do IBGE, a Bahia é a sexta economia estadual do Brasil), e o Maranhão é o último (lanterna nos indicadores sociais, o Maranhão é o 18º PIB estadual do país, à frente de três estados do Norte e cinco da região Norte). Ninguém se conforma com isso.
E o senhor conseguiu mudar essa situação?
Olha, já mudou muita coisa. Por exemplo, tínhamos apenas 35% das famílias com água. Eu, com recursos próprios, estou colocando água em todas as casas nos cem municípios mais pobres do estado. A universidade está em todo o interior do estado. Na qualidade da educação, os indicadores mostram que em português e matemática estamos quase igual ao resto do Brasil. Éramos muito aquém do país. Com relação ao crédito fundiário, hoje somos o segundo do Nordeste. Em crédito fundiário do Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar), somos o primeiro.
Em volume de recursos de crédito?
É, e também houve mais assentamento. Distribuímos mais de 400 mil hectares lá. Quando assumi, o Maranhão tinha o último IDH do país, Coloquei no plano de governo que eu ia deixar no final deste ano com e vamos atingir tranqüilamente, estamos quase lá. A renda per capita do Maranhão aumentou R$ 600. Dos 83 municípios iniciais, saíram 12 da relação dos mais pobres do país, e por aí vai… Eu passei por uma crise danada porque ela deixou o estado endividado. Vendeu todo o patrimônio do estado, vendeu as centrais elétricas, a companhia telefônica, tudo. E recebi o estado com uma dívida gigantesca. Quando chegou 2004, nós quase quebramos. A perseguição era total. A família não deixava ir nenhum ministro lá. Ministério nenhum nos liberava algo. O Lula nunca havia ido lá. Ele foi, no início de seu governo, em Balsas, e agora (em fevereiro de 2006) é que esteve em Imperatriz, mas passou esse tempo todo sem que fosse ao Maranhão.
O Lula comprou a briga do Sarney?
O Sarney, como presidente do Senado, ex-presidente da República, ficou muito próximo ao Lula, não é? E ele fazia um bloqueio total em relação ao Maranhão.
Essa situação persiste?
Hoje, as coisas estão diferentes porque há vários ministros no governo que já sabem que essa situação contada por ele (José Sarney) não é verdadeira. O próprio Lula esteve lá e viu o que ele não deixava, a força política do nosso grupo. Ele viu. Hoje, temos recebido vários ministros. Foi o Rosseto (Miguel Rosseto, ministro da Reforma Agrária), foi o Patrus (Ananias, ministro do Desenvolvimento Social), foi muita gente…
Havia esperança na implantação de um grande pólo siderúrgico no Maranhão. Por que ele não saiu? Houve algum tipo de boicote de pessoas ligadas ao Sarney?
Eles bloquearam tudo. Colocaram na cabeça da Vale do Rio Doce que não havia ambiente político para receber uma siderúrgica dessas, naquele momento. E a Vale chegou a segurar um pouco, mas como havia vários investidores externos envolvidos, as coisas continuaram a andar. Seguraram um terreno através do SPU. Eles colocaram lá para dirigir o Serviço de Patrimônio da União um preposto deles, e ele segurou o terreno. Não deixava… foi uma luta. Tive que denunciar isso ao Lula. Aí finalmente saiu. Então, houve atrasos, atrasos e atrasos. A siderúrgica não saiu por causa da valorização do real frente ao dólar, que encareceu o empreendimento tremendamente, como todos os empreendimentos de exportação no Brasil. Estamos vendo o Furlan (Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento) já desesperado. Está chegando ao ponto em que se começa a prejudicar o Brasil…
Então o fundamental foram esses problemas macroeconômicos…
Não, durante um certo tempo, foi o bloqueio imposto pela família. Depois, teve o problema econômico. Mas, hoje, a situação é outra. O Furlan está ajudando, a Dilma (Roussef, ministra-chefe da Casa Civil) está ajudando… A Dilma colocou o pólo entre os projetos mais importantes e estratégicos para o Brasil. Dificilmente ele vai sair no meu período, até o final do ano, por causa da situação cambial. Mas vai sair.
Mas, no episódio da retomada do imóvel em que funciona a Fundação José Sarney, que a imprensa nacional noticiou, o senhor é que foi acusado de boicotar.
Mas aí não é boicote. O Sarney apropriou-se de um prédio público, tombado pelo patrimônio histórico. Isso, na lei, não pode ser doado para nenhuma entidade privada.
Isso aconteceu quando?
No governo do João Alberto, esse senador… isso foi em 99. O João Alberto passou uma escritura, doando o prédio – a maior ilegalidade do mundo! O Ministério Público Federal entrou com uma ação, que está rolando até hoje e não é julgada.
Não deveria ser o Ministério Público Estadual, já que o terreno é estadual?
Mas o prédio é tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e contraria uma lei federal, segundo a qual um prédio tombado não pode ser doado. Veja, não foi um ato meu. O Sarney esconde as coisas todas do país, ele coloca o que quer. Ele foi presidente, tem credibilidade, bota o que quer. A primeira pessoa a pedir o prédio de volta foi a Roseana, no ano de 2000. Por que ela fez isso? Porque, quando viu o Ministério Público entrar com uma ação, quis dar uma de boa moça. Fez uma lei, mandou um projeto para ser aprovado, só que ela não retomou o imóvel, deixou com o pai. Só teve a iniciativa para depois dizer: “Eu pedi”. Veja bem a ilegalidade: é filha dele! Em
E então em
Deu 30 dias para entregar o prédio. Não falava em desocupação. Aí, baixei um decreto dizendo que os bens da Fundação José Sarney poderiam, se fosse do desejo do proprietário, continuar no mesmo local em que estavam. Apenas a gestão do prédio era passada ao governo do estado. E ali nós íamos fazer, porque é uma região muito pobre, uma biblioteca virtual, interligada a todas as grandes bibliotecas do mundo, para os estudantes. E também íamos fazer o Museu do Padre Antônio Vieira e recuperar a capela. Ele (Sarney) escondeu esse fato e conseguiu com que o Congresso mandasse uma ação para o Supremo (Tribunal Federal), dizendo que ia perder o acervo todo, que era um ex-presidente que estava sendo desalojado, despejado, e conseguiu uma liminar dada pelo ministro Marco Aurélio. Fui lá, e o Marco Aurélio disse que deu, mas ainda quer discutir o assunto. Foi uma liminar individual, de um ministro. Isso deve ir para o plenário do Supremo.
A decisão dele foi no sentido de…
De sustar os efeitos da lei da Assembléia. Isso continuou, mas a repercussão desse fato é uma das coisas de maior apoio que eu tenho lá no Maranhão, porque o Sarney usa aquilo como símbolo de poder. Veja você, um prédio magnífico daquele, e o Sarney lá, dono do prédio, levando o pessoal para visitar. Ele é o símbolo do poder sobre o estado, e a população reagiu firmemente. Ele teve um desgaste fantástico em relação a isso. Foram as duas coisas que desgastaram muito o Sarney, mostrando muito a face dele e a de seu grupo. A outra foi o contrato com o Banco Mundial…
Como foi isso?
O governo fez um contrato com o Banco Mundial, e ele fez de tudo para não aprovar, desde 2004. O Banco Mundial havia dado 18 meses para aprovarmos dentro do Senado… um empréstimo de US$ 30 milhões, mais US$ 10 milhões de contrapartida do estado. E eles seguraram. Mandavam senador pedir vista, fazer emenda. Um processo que só cabe sim ou não. O contrato é de terceiros, o governo brasileiro e o Banco Mundial. Então vai existir emenda para melhorar as condições de pagamento? Isso não existe! Um financiamento destinado ao combate da pobreza. E só foi aprovado no final do ano passado, em novembro, depois de fazermos uma grande passeata com todos os sindicatos rurais, mais de 18 mil pessoas nas ruas de São Luís. Dois dias depois, vieram 200 dessas lideranças para cá e aí os senadores de todo o país se rebelaram. O Sarney dizia: “Olha, aprovaram, mas esse dinheiro não sai. O estado tem pendências e não sei mais o quê…” Nós ficamos calados, conversamos com o Banco Mundial e com o governo brasileiro. Então o Lula viu e me disse: “Reinaldo, pode ter a certeza de que ninguém vai atrapalhar os nossos projetos”. Conseguimos aprovar e, dentro de pouco tempo, assinamos o contrato. No dia 20, vamos fazer uma reunião de agradecimento aos sindicatos, às associações de lavradores que foram para a rua e dia 25 vamos começar a implantar o projeto, nos locais mais pobres do Maranhão. Esses dois fatos na história do Sarney mostram que eles não são essa a força que falam. O negócio no Maranhão é que todos têm medo, porque os empregos não saem para ninguém e eles têm uma máquina de destruir, que é a televisão, além de presença forte nos outros poderes todos. Mas não têm a força que procuram mostrar, e esse episódio os abalou muito. Teve um senador que pediu vista, eu liguei e o convidei para almoçar no mesmo dia. E falei: “Senador, o que o senhor tem contra o Maranhão? O estado está por baixo da pobreza! Por que o senhor fez isso?” Ele disse que um senador do Maranhão veio dizer que tem uma pendência no Tribunal de Contas que precisava ajeitar, não sei o quê…
Os três senadores do Maranhão foram contra a aprovação?
O João Alberto e a Roseana, sim. O Lobão (Edson Lobão, PFL) não foi contra. No começo, ele não ajudou, mas também não atrapalhou. No final, ele acabou sendo relator e relatou a favor. E assim ele se mexeu para ajudar.
O senhor fala na sua força política. Que força é essa?
Na bancada da Câmara, estamos em nove a nove, o mesmo número de deputados para cada grupo. Mas lá no estado, temos a maioria, fizemos o presidente da Assembléia. Temos o apoio do PP, do PT, do PDT, do PSDB, do PPS, do PL… Ganhamos a eleição na Assembléia por
Mas na imprensa de lá, o senhor leva de goleada?
Uh, eu levo pancada que não é brincadeira! O Sarney não deixa o Brasil ver o que ele escreve sobre mim. Para você ler o jornal dele na internet, tem que pagar. Ele posa de grande magistrado, homem sem ódio, perseguido. E vá ver o jornal dele: insulta que não é brincadeira! O Jorge Murad é articulista, assina artigo. É baixo nível mesmo. Estou com uma penca de ações em cima deles, contra os jornais e contra as pessoas, redatores, chefes de redações, os donos…
Para o senhor, essa briga significa dois ou quatro anos sem mandato. Isso é pela vontade de dar o troco, é sede de vingança?
Não, não é propriamente sede de vingança. Olha, ninguém se conforma! Nenhum maranhense se conforma com o que eles fizeram com o Maranhão, não tem jeito. O Maranhão não pode continuar assim e as causas são políticas. Se você pegar o Olsen (Örjan Olsen, do Instituto Indicator de Pesquisa), ele possui um mapinha mostrando que as regiões mais pobres do Maranhão são as regiões onde o grupo Sarney é mais votado. É um problema de dominação…
Mas isso também acontece com o Lula, seu candidato a presidente, que é mais forte nas regiões mais pobres do país.
Sim, mas veja o que ele está fazendo! Lá no Maranhão, é diferente. Não existe nada, é pobreza total, é a maior pobreza de todos os estados do Nordeste. A Roseana, em sete anos e meio de mandato, fez dois colégios. Não é possível dizer que aquilo não foi proposital. O que acontece? Se esse pessoal é analfabeto… você vê no mapa. Nos grandes municípios, eles perdem sempre. Nos médios, a coisa é mais equilibrada. Nos pequenos, onde está concentrada a maior pobreza, analfabetismo e tal, esse pessoal se informa pela televisão. E qual é a televisão que está no Maranhão inteiro? Quais são as rádios que estão no Maranhão inteiro? Propriedades dele! Então botam a Roseana, fotogênica, dançando bumba-meu-boi, não sei o que…
A ex-mulher do senhor, Alexandra Tavares, disse à Folha que tinha um dossiê contra a família Sarney. Que dossiê é esse?
O que pode ser que ela tenha são as denúncias que o estado fez ao Ministério Público sobre o governo da Roseana…
Por exemplo…
A história do Paulo Ramos Aranha, que é uma estrada inexistente: US$ 33 milhões foram pagos como tendo sido obras de exercícios anteriores, e o Lobão, que era o governador anterior, diz que não deixou dívida nenhuma. Mas foram pagos US$ 33 milhões, e isso foi capa da Veja. A outra foi sobre um projeto de irrigação no qual foram gastos 70 e tantos milhões de reais, mas o projeto não existe, não funciona, não tem nada. E um outro foi sobre a Lagoa da Jansen, que é uma coisa muito bonita feita por ela (Roseana). Porém, era um projeto de saneamento ambiental, e a lagoa fede e dá mau cheiro. Ela fez a urbanização, mas não fez um sistema de esgoto, não fez nada. Gastou quase R$ 150 milhões e está pago o esgoto e mais não sei o quê e nada foi feito. Isso tudo foi denunciado ao Ministério Público. O negocio da Mostra do Brasil 2000. Era uma mostra gratuita, ela lançou o projeto, dizendo que naquilo o governo não iria gastar um tostão, que podia chamar os empresários. E, no final, pagou R$ 4 milhões ao Edemar (Cid Ferreira, ex-dono do Banco Santos) para levar ao Maranhão a mesma mostra que tinha sido exibida em São Paulo e outras cidades. A mesma não. Foi uma mostra parcial, muita coisa ficou fora. Essas coisas não andam, nem chegam aqui.
Quem segura, o Ministério Público Federal ou o Estadual?
Não andam em nenhum dos dois.
Vamos mudar um pouco de assunto. Como o senhor acha que o PSB deve se posicionar nas eleições presidenciais?
O PSB, sem dúvida, vai continuar com o Lula. Mas, como tem o problema da cláusula de barreira, que vai ser um desafio muito grande para o partido, prioritário, o PSB não deve se engajar em nenhuma candidatura. Deve ter liberdade para fazer alianças nos estados para vencer a cláusula de barreira elegendo uma boa bancada de deputados federais. Se fizer uma coligação nacional com o Lula, ele se amarra, não é? Em todos os estados, isso seria mortal para o PSB. A tendência é que não tenha candidato nenhum.
E o Ciro (Gomes, ministro da Integração)?
O Ciro vai ser candidato a deputado federal. O irmão dele parece que vai ser candidato a governador do Ceará.
O senhor vai apoiar o Lula?
Pessoalmente, vou apoiar o Lula e o Vidigal deve ser o palanque do Lula no Maranhão. E o Jackson Lago, que vai sair candidato com o apoio do PSDB, deve ser o palanque do Alckmin.
O ministro Vidigal já se filiou ao PSDB?
Vai se filiar no dia 30.
E o que o Jackson acha da candidatura dele?
Ele não queria. Ele tem uma concepção de que os partidos deveriam fazer um plebiscito e ter um candidato comum contra a Roseana. Mas esse é um lance que corre risco. Se tivermos um contra um, pode dar tudo, não é? Pode dar a vitória dele, pode dar derrota. E eu não vou perder essa eleição, eu não quero perder. Então eu acho que o plebiscito não deve ser uma coisa pessoal, uma pessoa contra a outra. Ele deve ser um ato da sociedade, que não quer mais essa dominação da família, contra a maior representante da oligarquia, que é a Roseane. Então, essas forças vão ter condições de se exprimir e disputar uma eleição contra ela.
Mas, que eu saiba, o ministro Vidigal não rompeu com a família Sarney.
Nem vai romper, mas o que vai acontecer é que vão romper com ele, do mesmo jeito que aconteceu comigo. Eu também não rompi, e eles romperam comigo.
O PT não vai ter candidato próprio?
Não, lá não. Eles vão nos apoiar. Vão apoiar um dos dois candidatos. Sabe como é o PT, é complicado para decidir. Mas eles estão lá, decidindo.
Com o apoio do PT nacional?
A princípio, não. Inclusive eles não deixaram, no tempo em que o Sarney era muito forte, que o PT, que havia decidido apoiar, fizesse parte do meu governo. O José Dirceu, o Genoino, o pessoal não deixou. Agora, é outra coisa, eles vão ficar conosco, seja com qual for o candidato (após a entrevista, Vidigal anunciou, na última sexta, que sairá candidato a governador tendo como vice a deputada federal petista Teresinha Fernandes). E tem a questão do Amapá também. O Capiberibe (João Capiberibe, ex-governador do Amapá, pelo PSB) me convidou, estive lá e fiz um comício. Agora ele está me convidando para voltar, quer que eu faça uma palestra mostrando o que aconteceu com os 40 anos de Sarney no Maranhão.
Mas no Amapá a situação é diferente, não? Lá o Sarney não continua muito forte?
Não. Lá, na última eleição para o Senado, o Sarney ganhou porque o candidato a senador do outro lado, que estava disparado, foi substituído.
Mas ele foi, proporcionalmente, um dos senadores mais votados do país.
Mas se você estudar o que foi aquela eleição, vai ver que ele estava perdendo na pesquisa. Depois, não sei o que houve, mas a pessoa que estava na frente foi substituída. Aí entrou um candidato sem expressão para disputar com ele. Ele passou na frente e ganhou a eleição. Agora, ele vai ter que lutar lá pela reeleição. A situação não é boa para ele.
O Capiberibe pode ser candidato depois de ter perdido o mandato de senador? Ele manteve os direitos políticos?
Pode. Aquela cassação é uma coisa absurda. Ele foi cassado porque tinha comprado dois votos a R$ 28 reais e à prestação. Tanto que o Capiberibe até diz: “Olha, devo ter uma enorme credibilidade, pois é o primeiro voto vendido à prestação”. Ele vai ser candidato ao governo do estado e vai lançar um candidato para o Senado. O Sarney vai ter muita dificuldade. Não se tem notícia do crescimento dessa frente (contra os Sarney). As pessoas dizem: “Será que é isso mesmo? Tem expressão?” Mas está aumentando, embora seja complicado… a imprensa nacional é complicada. Eu consegui fazer um artigo no Estado de S. Paulo e ele fez um editorial sobre o meu artigo. Foi a única vez que o Sarney, realmente, levou uma pancada forte. Aí, o Estado de S. Paulo repercutiu.
O que o Lula fala sobre esse conflito com o Sarney?
O Lula é amigo do Sarney. O Sarney praticou alguns gestos durante a vida do Lula e ele ficou grato. O Lula é uma pessoa que dá valor a gestos. O Lula não vai hostilizar o Sarney, mas está vendo a realidade.
Ele vai ter dois palanques no Maranhão, um dos Sarney e outro do senhor?
Ele só não vai ter o do PDT. Eu tenho a impressão que ele não vai ao Maranhão durante a campanha eleitoral, não. Porque todo mundo vai votar nele. Ele vai entrar num turbilhão: tem que ir para um, tem que ir para outro. Ele não precisa ir, porque todos vão votar nele. Na eleição de 2002, ele não foi.
Mas em 2002 não havia esse conflito.
Não, mas tinha um outro lado, que era o do Jackson. O Jackson ia votar nele, e ele acabou ganhando sem precisar ir. E o Jackson foi candidato contra mim. Teve 42% dos votos. Agora, a mulher dele é secretária (do governo do estado) e o partido dele faz parte do grupo que apóia o Lula.
Como o senhor vê essa questão do mensalão, do valerioduto?
Esse é um problema que atinge qualquer político, não é? Isso é um desastre para o país, mas é uma coisa que está aparecendo. Se o Congresso tentar ocultar, vai ser péssimo para a política, isso aí é um desgaste total.
(Um assessor interrompe a conversa, e afirma: “Ele acabou com o mensalão da TV Globo”. José Reinaldo corrige: “Da Globo não, da TV Mirante”).
Como foi isso?
Tinha uma verba, desde o tempo da Roseana, que eu cortei: R$ 700 mil por mês.
Verba de publicidade?
É, de publicidade. Devia ser, não é?
É ou não é de publicidade? Tinha veiculação publicitária ou não?
Era para veiculação publicitária. E aí, depois que cortei e eles entraram numa briga violenta comigo, nem campanha de utilidade pública eles aceitavam. Passaram a não aceitar mais publicidade do governo do estado.
E o senhor entrou na Justiça?
Entrei, a Globo interferiu, mandou veicular e nós veiculamos algumas campanhas de utilidade pública. Eles sempre dizem que não tem espaço na grade de programação, que não tem horário. Quando o Lula esteve lá, só apareceu a apresentadora falando para a minha imagem não ir ao ar. Eles tentam sufocar mesmo. Batem e não deixam nem o cara se defender. Eles me ameaçaram de morte, ameaçaram minhas filhas, tivemos que tirá-las de lá.
As suas filhas não moram no Maranhão?
Não. Tentaram, primeiramente, fazer impeachment, depois um processo de não sei o quê. Fizeram de tudo, o tempo todo. Depois tentaram negociar. Se eu saísse, eu e minha mulher na época (Alexandra), para sermos candidatos, eles não interfeririam, uma série de coisas assim.
No seu relato, o senhor quase não fala da sua ex-mulher, que apareceu muito na imprensa nacional como a pessoa mais forte do seu governo e a grande razão do rompimento com o grupo Sarney.
Eles que colocaram isso para dizer que era ela quem havia fomentado isso, que era a melhor maneira de explicar a situação.
O senhor se separou dela quando?
No final de 2005.
Mas a separação no plano político não ocorreu, não é? Ou ela desistiu da política?
Não, ela nunca foi política, ela não gosta da política. Eles tinham pavor dela. Se ela fosse candidata, iria fazer um estrago, mas ela não admitia nem discutir essa questão.
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