César Borges * |
Em 2003, após uma bela campanha nacional e um esforço especial do Senado, que iniciou todo o debate, o país ganhou o Estatuto do Desarmamento, uma novidade para o Terceiro Mundo e uma iniciativa avançada mesmo para os países desenvolvidos. O Estatuto do Desarmamento, só para qualificá-lo, instituiu penas rigorosas para o porte ilegal de arma, tipificou o contrabando, valorizou a participação da sociedade e colocou o Brasil no ápice da defesa da vida. Depois de toda aquela importante vitória, o clima que o país vive hoje é de preocupação. O Estatuto do Desarmamento corre grande perigo de ser desmoralizado, porque ele está sendo notoriamente desafiado pelo lobby das armas. O risco mais evidente está na realização ou não do referendo aprovado pelo Estatuto para ocorrer em outubro deste ano, definindo a continuidade do comércio de armas no país. Acontece que o decreto legislativo convocando o referendo, depois de aprovado no Senado, chegou em junho do ano passado à Câmara dos Deputados e desde então dorme em gaveta da primeira comissão à qual chegou. Vemos agora se aproximando o mês de outubro sem perspectiva de ver este decreto aprovado. De um lado, temos um governo desarticulado na Câmara dos Deputados, incapaz de identificar prioridades e mobilizar sua bancada em favor das causas importantes para o país, como a do desarmamento. De outro, a possibilidade muito comentada de que o referendo tenha virado moeda de troca na disputa pela presidência daquela Casa. Infelizmente, o Estatuto do Desarmamento perde sua credibilidade também em outras frentes e, novamente, por débito do governo federal, que optou pelo desarmamento somente da população comum, deixando de implementar o Estatuto na sua inteireza. O que se esperava do governo eram ações de desarmamento nas cidades e nos locais de conflito agrário. Que usasse a inteligência militar para combater o contrabando de armas. Que colocasse blitz nas ruas. Nada disso aconteceu. As pessoas se perguntam, então: mas, somente nós vamos contribuir com o desarmamento? A negligência deste governo aparece até mesmo no triste espetáculo proporcionado por um juiz de Direito que assassinou um segurança de modo vil, perante as câmaras de um supermercado. Isto aconteceu porque a Polícia Federal expediu ofício, no final de dezembro do ano passado, recomendando a todos os delegados do país a dispensar magistrados e integrantes do Ministério Público dos testes psicológicos para aquisição de armas de fogo e do pagamento da taxa de R$ 300 para registro da arma. Em função disto, apresentarei um projeto de lei restringindo as excepcionalidades do Estatuto do Desarmamento e explicitando que todos os distinguidos com porte profissional deverão cumprir as exigências sujeitas ao cidadão comum, como o psicoteste periódico, por exemplo. Diante desse quadro de desalento e de omissões, já se detecta em pesquisas até um enfraquecimento no apoio popular pelo fim desse comércio de armas e, talvez, até na adesão à proposta de desarmamento e da cultura da paz. A luz vermelha se acendeu para todos os que querem a plena execução do nosso estatuto. Portanto, há tarefa para todos, mas sobretudo para o governo federal, de modo que nossa sociedade não enfrente um retrocesso nesta questão. * César Borges (PFL-BA) é senador e foi relator do Estatuto do Desarmamento no Senado.
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