A crise hídrica que está assolando o Distrito Federal já havia sido anunciada por entidades e especialistas. Existem apenas quatro responsáveis: o setor produtivo, o governo, você e eu. No jogo da omissão, o governo responsabiliza a população por gastar muita água e a população atribui à culpa ao governo pela ausência de infraestrutura. Afinal de contas, o que gerou a crise hídrica, e como resolvê-la de forma permanente?
No último trimestre de 2017, choveu apenas 54% da média registrada historicamente no período, mas nem por isso seria prudente culpar a natureza pela crise. A falta de ciclos periódicos de chuva está relacionada ao desmatamento, às construções irregulares e ao consumo desenfreado de água. Três fatores que todo brasiliense reconhece como corriqueiros.
O Cerrado é o berço de importantes bacias hidrográficas, suas águas abastecem três grandes aquíferos e sua vegetação é responsável pela proteção dos lençóis freáticos. A substituição da vegetação nativa por monocultura atinge diretamente o abastecimento de água nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. O cerrado nativo tem mais de 50% de seu território desmatado para a agricultura irrigada e a pecuária, sendo que apenas 3% é área de proteção integral. Diferentemente da floresta amazônica, o cerrado não é considerado patrimônio nacional por uma omissão do texto constitucional, e tal proteção possibilitaria a criação de leis para regular o uso do bioma com a finalidade de reduzir o desmatamento e estabelecer áreas estratégicas de proteção ambiental.
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A preservação estratégica pode ser, inclusive, uma fonte de receitas, como é o caso do Programa Produtores de Água da Agência Nacional das Águas (ANA), que visa estimular a política de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) voltados para a proteção hídrica, além do apoio técnico e financeiro aos projetos que visem à redução da erosão e do assoreamento.
No ambiente urbano, a grande quantidade de ocupações irregulares, estimulada pela falta de política habitacional do governo distrital, assim como a grilagem, devastam as nascentes. Um levantamento da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) de 2014 mostrou que no Lago Sul e no Lago Norte existiam 1.574 hectares ocupados irregularmente. Foi identificada a expansão das comunidades carentes, sendo que Cidade Estrutural, Pôr do Sol e Sol Nascente já ocupavam 1.500 hectares no período. O crescimento desordenado impede que a água retorne ao solo, prejudicando as zonas de recarga. Infelizmente a especulação imobiliária, a lentidão para a regularização e a criação de áreas de habitação por parte do governo impedem que cheguemos a uma solução para o problema.
A população também colaborou diretamente para crise hídrica com o alto consumo de água. Em 2013, o SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamentos) do Ministério das Cidades informou que o Distrito Federal se tornou a quinta unidade federativa do Brasil que mais gasta água, tendo consumo diário médio de 189,9 litros por habitante. E acredite se quiser: a responsabilidade é principalmente dos ricos. Os moradores dos Lagos Sul e Norte consomem cerca de 700 litros de água por dia e os moradores das Asas Sul e Norte 400 litros por dia, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a utilização de 100 litros diários por habitante.
A água não pode ser utilizada apenas como mais um dos privilégios da classe alta do Distrito Federal. Os recursos naturais não seguem a lógica financeira da nossa sociedade, por isso é tão importante a educação ambiental para todas as classes sociais. Segundo a Lei nº 9.795, de 27 de abril 1999, a educação ambiental deveria estar presente em toda a rede de ensino de base. Criar políticas públicas para viabilizar a aplicação da lei pode ajudar a nossa sociedade a construir uma relação mais harmônica com o meio ambiente.
Sem isenção de responsabilidade, a CAESB é uma das maiores responsáveis pelo desperdício de água no DF. São cerca de 30% de água perdidos no próprio sistema por falta de manutenção da infraestrutura. Além disso, o atraso de obras estratégicas como Corumbá IV impactou diretamente o equilíbrio do sistema de captação.
As 12 novas obras da CAESB, iniciadas em 2017, no pós-crise, combinadas com a tarifa especial e demais medidas, conseguiram reduzir 12% do consumo de água no DF, o que é significativo, porém insuficiente. Precisamos de um governo que não invista em obras emergenciais, mas priorize soluções permanentes, e também de uma legislação rígida capaz de atrelar o desenvolvimento econômico à responsabilidade ambiental. Por fim, a preservação de um recurso natural é uma questão de consciência. Você e eu precisamos mudar nossa relação com o meio-ambiente, ou então nosso presente futuro será insustentável.
* Thaynara Melo tem 25 anos e é formada em biblioteconomia na UnB. Liderança Regional do Movimento Acredito. Bolsista do Programa Renova BR. Liderança RAPS 2018. Preside a Teia Solidária.
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