À semelhança do presidente licenciado do PTB, Roberto Jefferson (RJ), o correligionário Arnaldo Faria de Sá (SP) responde sempre partindo para o ataque nessa entrevista exclusiva ao Congresso em Foco. “Já está atrasada (a solicitação de prisão de Valério). Isso deveria ter sido feita há mais tempo para impedir a queima de papéis e documentos importantes para a apuração”, critica, logo na primeira pergunta, a demora que calcula em “no mínimo 15 dias” para pedir a prisão do empresário acusado de ser o operador do mensalão.
Depois, o advogado Faria de Sá volta à carga para o trabalho que a comissão faz, sempre a reboque dos furos da imprensa. “O trabalho da CPI é assim mesmo”, acredita. “Mas a opinião pública não está consciente disso ainda”, avalia. “Na hora em que ela acordar para a realidade que nós (parlamentares) já conhecemos, e quem vai fazer isso é a imprensa, o governo cai”, dispara Faria de Sá, para quem Lula “pode não ter sujado as mãos, mas conhece as mãos que estão sujas”.
Além de desconfiar do presidente, o deputado do PTB coloca no mesmo balaio o PT. “Logicamente que eu nunca acreditei nessa gente”, afirma. Segundo ele, o PT tinha um projeto megalomaníaco de eleger 200 deputados em 2006 – e não precisar das alianças com os aliados PTB, PL e PP. Enquanto se preparava para o que ele chama de “chavismo congressual”, o partido do presidente valeu-se de práticas escusas. “No governo Lula, em uma reforma mais dura que a anterior, em apenas um ano foi aprovada (a reforma da Previdência). Eu não entendia nada. Hoje eu entendo”, revela.
Faria de Sá afirma que o PTB não quis receber o mensalão porque escravizaria o partido. “O mensalão pode, aparentemente, ser um algo a mais na questão financeira, mas escraviza. Aqueles que estão metidos no mensalão, além de estarem comprometidos moralmente, estão escravizados”, sustenta ele. O discurso de Faria de Sá é o mesmo de Jefferson quando o escândalo surgiu, em junho, e possivelmente desmentido por um saque de um motorista do ex-presidente do partido José Carlos Martinez em uma das agências de Valério.
Para o deputado, o foco das investigações é, uma vez descoberto os operadores, saber quem financiaria esse esquema e dele se beneficiaria indiretamente. “Vai faltar a outra ponta, que é a dos alimentadores”, constata. “Porque o alimentador não é só o governo não. Essa aí é a verdadeira Parceria Público-Privada, iniciada pelo governo Lula e que precisa ser desvendada”, constata ele, em seu quinto mandato e em sua quarta legenda.
“Já está atrasada (a solicitação de prisão de Valério). Isso deveria ter sido feita há mais tempo para impedir a queima de papéis e documentos importantes para a apuração”
Congresso em Foco – Hoje (ontem) a CPI dos Correios aprovou a solicitação que a Procuradoria-Geral da República peça a prisão preventiva do empresário Marcos Valério. Por que é necessário prendê-lo agora?
Arnaldo Faria de Sá – Já está atrasada (a solicitação de prisão de Valério). Isso deveria ter sido feita há mais tempo para impedir a queima de papéis e documentos importantes para a apuração. Eu acho que estamos decidindo com atraso de no mínimo 15 dias essa decisão que já deveria ter sido tomada.
“Alguém pode tentar eliminar o Marcos Valério, que é uma prova ambulante e que está perambulando por aí. É uma
forma de garantir que ninguém corte a língua dele”
Quais elementos justificariam a prisão de Marcos Valério?
A apreensão, pela Polícia Federal e também pela Polícia Estadual de Minas Gerais, de documentos da DNA queimados, e a própria gravação de um telefonema em que o contador das empresas de Marcos Valério fala com um ex-policial, seu irmão, dizendo que tinha que dar um sumiço nos papéis provam que há aquilo que a gente chama de queima de arquivo. Além disso, alguém pode tentar eliminar o Marcos Valério, que é uma prova ambulante e que está perambulando por aí. É uma forma de garantir que ninguém corte a língua dele.
“Na hora em que a opinião pública acordar para a
realidade que nós (parlamentares) já conhecemos,
e quem vai fazer isso é a imprensa, o governo cai”
O senhor considera que as investigações em curso na CPI dos Correios estão a reboque da imprensa?
O trabalho da CPI é assim mesmo. Se não tiver a repercussão da imprensa, a imprensa como força motriz dessa movimentação toda, fazendo o intercâmbio entre a sociedade e o Congresso, você não resolve. Até porque nós, do Congresso, temos claro que o governo está envolvido até a cabeça em todos os problemas. Mas a opinião pública não está consciente disso ainda. Na hora em que ela (a opinião pública) acordar para a realidade que nós (parlamentares) já conhecemos, e quem vai fazer isso é a imprensa, o governo cai.
Os documentos que já estão em poder da CPI comprovam o envolvimento do governo nos escândalos de corrupção?
As pessoas que armaram o esquema são pessoas do convívio e do conhecimento do presidente da República. Nenhum deles faria isso sem que o presidente tivesse, pelo menos, admitido que podiam fazer. Ele pode não ter sujado as mãos, mas conhece as mãos que estão sujas.
Então, o presidente Lula já sabia do esquema antes mesmo de o governador de Goiás, Marconi Perillo, ou o deputado Roberto Jefferson lhe reportarem?
Lógico. Ele já sabia, por mais de uma fonte, de que o esquema estava sendo armado. Na verdade, esse é um projeto de interesse do partido do governo, que tinha uma projeção de, no ano de 2006, eleger cerca de 200 deputados para não mais precisar da chamada “base aliada” para ter maioria congressual. Eles queriam partir para fazer o “chavismo congressual”.
“Ele (José Dirceu) era o primeiro-ministro, o elo entre o partido e o governo. Logicamente, o partido fez essas burradas todas. Mas, na verdade, era um projeto megalomaníaco que poderia dar certo, se não fosse (…)Roberto Jefferson”
E o ex-ministro-chefe da Casa Civil, o deputado José Dirceu (PT-SP), fez parte dessa negociata? Há como dizer que ele está entre os nomes que armaram e operaram o esquema?
Ele era o primeiro-ministro, o elo entre o partido e o governo. Logicamente, o partido fez essas burradas todas. Mas, na verdade, era um projeto megalomaníaco que poderia dar certo, se não fosse abatido em pleno vôo pela denúncia pelo Roberto Jefferson. Até então, ninguém conhecia o carequinha. A partir da denúncia dele é que se tomou conhecimento de Marcos Valério, como também da própria agência do Banco Rural no Brasília Shopping. Só a partir daí tornou-se público aquele que, sem dúvida nenhuma, é o maior dos escândalos.
E a CPI vai investigar o José Dirceu?
A tropa de choque do PT na CPI impediu, a todo custo, a quebra do sigilo bancário de José Dirceu e companhia.
E como os outros partidos têm lidado com essa crise?
Eu acho que, tirando o PT, que tem uma verdadeira tropa de choque, todos que estão na CPI esqueceram seus partidos. Estamos envolvidos numa cruzada de passar a limpo tudo e nos prepararmos para um outro Congresso, porque esse Congresso e esse governo já acabaram.
Ao contrário do caminho que segue os outros partidos, o PT ainda mantém uma blindagem?
Blindagem na lama, mas estão se esforçando para isso.
O PTB ainda é aliado? E os petebistas, como se sentem com toda essa situação? Traídos?
Logicamente que eu nunca acreditei nessa gente. Mesmo quando o partido fazia parte, da base aliada, eu sempre discordei. Na época da reforma da Previdência (final de 2003), eu pedi licença ao partido por discordar, porque a previdência social era uma bandeira histórica minha. Inclusive, a reforma da Previdência no governo FHC levou quatro anos para ser aprovada. No governo Lula, em uma reforma mais dura que a anterior, em apenas um ano foi aprovada. Eu não entendia nada. Hoje eu entendo.
Foi o mensalão?
Mensalão, compra de votos e outras coisas mais.
Algum parlamentar já relatou ter recebido uma proposta de governistas para votar em troca de mesadas?
No início deste ano, o (deputado) Roberto Jefferson (ex-presidente do PTB) discutiu com a bancada, quando estava acertando o tamanho das bancadas para definir a participação nas comissões, pouquinho antes da eleição da presidência da Câmara. É quando a bancada de um partido “x” vai para isso e a bancada do partido “y” vai para aquilo. O Roberto alertou: se a bancada sofrer ataques de mensalão, eu vou tomar providências. A bancada toda concordou com ele.
Por que o PTB não quis receber o dinheiro, como supostamente fizeram o PP e o PL?
O mensalão pode, aparentemente, ser um algo a mais na questão financeira, mas escraviza. Aqueles que estão metidos no mensalão, além de estarem comprometidos moralmente, estão escravizados.
Algum parlamentar já levantou, informalmente, indícios sobre a existência do mensalão?
Havia um disse-que-disse, mas não tinha materialização. Na verdade, essas denúncias sem provas – entre aspas –, que o Roberto Jefferson fez do mensalão, do carequinha, do Banco Rural, acabaram se tornando provas que se vestiram ao longo do tempo.
Era um esquema minucioso, difícil de ser descoberto, não fossem as denúncias?
É uma história meio sem pé nem cabeça, né? Inicialmente, o que me parece é que ali [(o esquema de caixa dois do PT) era sobra da campanha presidencial de 2002, só que com um incremento de arrecadação já com a vitória. E aí, eles precisam esquentar o dinheiro. O primeiro contrato do BMG é um contrato claramente de esquentar sobra de campanha. Coube ao Marcos Valério pagar apenas a operação financeira. Aquela primeira parcela, de R$ 350 mil, na verdade não é a primeira parcela, mas sim a parcela única do custo financeiro.
“O PT não precisa de dinheiro. Eles apenas esquentaram a sobra de campanha e para preparar uma grande bancada
em 2006. Queriam preparar terreno. É um negócio bem engendrado. Estranho, maluco, mas bem engendrado”
E o partido precisava daqueles recursos no caixa? Estava com muitas dívidas?
O PT teve, a partir de 2003, um aumento muito grande de recursos, com o preenchimento dos cargos comissionados – e todos vão pagar dízimos –, e mais o fundo partidário, que aumenta profundamente. Então, o PT não precisa de dinheiro. Eles apenas esquentaram a sobra de campanha e para preparar uma grande bancada em 2006. Queriam preparar terreno. É um negócio bem engendrado. Estranho, maluco, mas bem engendrado.
E como fica o PT nas próximas eleições? O partido está desestruturado para enfrentar as urnas já no ano que vem?
Foi inteiro por água a baixo. Desmontou e aquela que era a principal bandeira do PT, a ética e a moral, que acusava a tudo e a todos. Agora vem pedindo cautela: “calma, não pode fazer isso, não pode acusar o presidente, não pode atingir este ou aquele parlamentar”. Mas está todo mundo aí, enrolado.
E o PTB, por onde rumaria? Vai aderir ao bloco de oposição?
Acho que todos os partidos saem chamuscados nesse episódio. Não tem partido que sai mais ou menos. Todos vão sair atingidos, sem dúvida nenhuma, a eleição de 2006 é uma eleição de nomes e não de partidos.
“Vai faltar a outra ponta, que é a dos alimentadores. Porque o alimentador não é só o governo não. Essa aí é a verdadeira Parceria Público-Privada, iniciada pelo governo Lula e que precisa ser desvendada”
Qual é o foco da CPI dos Correios para a próxima semana?
Os operadores do mensalão: a Simone Vasconcelos (funcionária de uma das empresas de Valério) e o David (Rodrigues de Alves, policial civil de Minas Gerais). Eles vão trazer uma ponta, que é a dos operadores. Vai faltar a outra ponta, que é a dos alimentadores. Porque o alimentador não é só o governo não. Essa aí é a verdadeira Parceria Público-Privada, iniciada pelo governo Lula e que precisa ser desvendada.
E quanto aos documentos que chegaram à CPI na última quarta-feira? Os integrantes se disseram frustrados com as informações. O senhor esperava alguma revelação bombástica?
Eu não fiquei frustrado porque eu não tinha essa falsa expectativa. Eu acho que as pessoas venderam um tonel de pólvora que acabou virando um traque. E, na verdade, entre o Supremo e a comissão tem um tempo aí que está mal explicado. Os documentos deveriam ter vindo direto do Supremo para a CPI. Estou achando que sumiu alguma coisa aí nesse caminho. Tem alguém vendendo proteção aí. Proteção e salvação.
E quem seria? O próprio STF?
Acho que houve um tempo muito grande em que isso foi para cá, foi para lá, ficou no vem, não vem, precisa autorização da justiça estadual, vai para a Polícia Federal, vai para o Supremo, para a procuradoria. Eu acho que houve muitas mãos envolvidas nessa que era para ser a operação “mãos limpas”. Eu não acho que era um barril de pólvora, mas também não posso aceitar que seja só um traque.
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