Osiris Lopes Filho*
A experiência democrática que vive o país apresenta contrastes gritantes. No direito penal, foram criadas novas espécies de crimes, voltadas para a lavagem de dinheiro obtido criminosamente, bem como os referentes à atividade ilegal de agentes públicos, os chamados crimes do “colarinho branco”.
A Polícia Federal tem sido eficiente na repressão e investigação desses crimes, numa intensidade que a coloca diariamente nas manchetes da mídia, na sua ação visando a dar eficácia à punibilidade dos criminosos.
Alguns deputados apresentaram projetos objetivando “esquentar” recursos depositados no exterior, por brasileiros, objeto, pelo menos, do crime de sonegação de tributos. O relator desses projetos, o deputado Aelton Freitas (PR-MG), apresentou requerimento, aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação, da Câmara dos Deputados, para realização de seminário referente ao “repatriamento de capitais”, denominação elegante para possibilitar que recursos monetários decorrentes de atividades criminosas possam retornar ao país, sob o manto protetor de tratamento tributário e criminal favorável e benigno.
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Genericamente diz-se que se trata de concessão de anistia tributária, para que voltem ao território brasileiro, com incidência do imposto de renda mitigada, e sem aplicação da legislação penal, recursos enviados ilegalmente para terceiros países, e lá aplicados.
O temário do seminário foi amplo e detalhado. Cobriu adequadamente a matéria. Lá compareci representando a Ordem dos Advogados do Brasil/Nacional, que, com outras entidades da sociedade civil, confederações patronais e operárias, e associações da magistratura e do Ministério Público, foram convidadas para expor suas óticas sobre a matéria.
Para minha surpresa, alguns representantes das confederações patronais manifestaram-se favoravelmente ao que genericamente se chamou de anistia tributária. É que tais recursos aplicados no exterior, por brasileiros, pessoas naturais e jurídicas, que decorreram de sonegação tributária, afetam os preços praticados por seus autores no mercado, ocasionando concorrência desleal. É no mínimo estranho que representantes dessas entidades defendam posições que prejudicaram seus associados. Trata-se de questão que pode ser creditada ao surrealismo que caracteriza nosso país.
Os representantes das entidades com compromisso institucional com a ordem jurídica criticaram o mérito desses projetos, aos quais os autores atribuem a característica de capitalizar as nossas empresas, atraindo capital que atualmente beneficia outras economias.
Esses perdões tributários, impropriamente designados como anistia tributária, eis que ela só abrange as penalidades, não alcançando, tecnicamente, o imposto devido, são altamente negativos perante os milhões de contribuintes, que, com sacrifício, pagam os tributos devidos. Elas constituem uma certidão oficial de imbecilidade, passada pelo governo, ao contribuinte leal e que paga corretamente o tributo devido.
A sua aprovação tem o efeito de induzir a evasão e a sonegação, estimuladas pela certeza de que algum dia, no futuro, o governo edite nova lei de idênticas características.
Em realidade, os efeitos dessas “anistias” não criam benefícios gerais, mas constituem prêmio à criminalidade impune, concedido por governo fraco e carente de moralidade, afrontando a Constituição, que no seu art. 37, determina que a administração pública “obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Essa “anistia” é inconstitucional, pois ofende diretamente a moralidade e a impessoalidade inerentes à administração pública. E mais ainda, pois vulnera a isonomia, princípio constitucional basilar, ao estabelecer discriminação benéfica, em matéria que não encontra suporte na Constituição. Deve ser repelida.
Artigo publicado em 19/05/2008. Última atualização em 12/08/2008.
*Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.
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