Dono de uma prosa caracterizada por traços de sentimentos intensos como revolta, perplexidade e esperança, o escritor Ferréz retrata como poucos o universo dos habitantes das periferias, de onde, aliás, se recusa a sair. Autor de títulos como Fortaleza da Desilusão e Manual Prático do Ódio, Ferréz denunciou esta semana, em seu blog, uma "onda de matança" deflagrada por policiais nas regiões mais pobres de São Paulo em reação aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Em entrevista à repórter Bia Barbosa, do site Carta Maior, o escritor acusa a polícia de executar inocentes e de não revelar a identidade dos mortos para esconder uma carnificina. "Estão escondendo os corpos porque é tudo execução, com tiro na cabeça. Hoje os policiais estão desfilando aqui na rua com touca ninja e camisa Le Coq, que é um grupo de extermínio da polícia."
De acordo com boletim divulgado pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, 152 pessoas morreram na onda de violência que atingiu o estado na última semana. Desses, 107 foram mortos pela polícia em supostos confrontos com facções criminosas.
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"As pessoas que estão morrendo agora não são culpadas. Me revoltei por isso. Por que é assim, matou e enterrou? A vida do cara é isso? Espera aí! O cara foi assassinado e isso não vai ser investigado porque ele é pobre? A polícia científica esteve no lugar em que os meninos morreram e começaram a perguntar pras pessoas se eles eram "nóia". Ou seja, estavam procurando alguma razão pra justificar depois as mortes. Este é o único país em que o morto é culpado", critica Ferréz, ao relatar o assassinato de quatro jovens pobres que ele conhecia.
Filho de um motorista e de uma empregada doméstica, Reginaldo Ferreira da Silva adotou o nome literário em homenagem a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (Ferre), e a Zumbi dos Palmares (Z). Nascido no bairro do Capão Redondo, uma das regiões mais violentas de São Paulo, Ferréz encontrou nos livros, logo aos sete anos de idade, o caminho que fez dele exceção na terra dos excluídos. Mesmo com uma carreira de sucesso, ele não deixa a periferia.
Veja a seguir trechos da entrevista do escritor ao site Carta Maior:
Os inocentes pagam pelos culpados
"O estranho disso tudo é que não foi a população que declarou guerra à polícia militar. Foi o PCC. E quem está pagando é a população. A polícia recebe coação há tempos dos bandidos; ela criou este estado. E agora está guerreando com isso, porque solta as pessoas com alto grau de periculosidade. E quem paga é o povo, porque o cara do PCC não fica moscando na rua de bobeira. Aí a polícia pega o popular, confunde com outra coisa, e ripa o pessoal da favela. Tinha que ter mandado coletivo em Brasília, porque lá já foi provado que as pessoas são criminosas. Mas é mais fácil entrar na casa da população e bater num pobre do que olhar no olho de um ladrão, porque eles tremem quando isso acontece."
O morto é o culpado
"A polícia tem vontade de fazer alguma coisa e acaba fazendo com as pessoas, por despreparo dos policiais. As pessoas que estão morrendo agora não são culpadas. Me revoltei por isso. Por que é assim, matou e enterrou? A vida do cara é isso? Espera aí! O cara foi assassinado e isso não vai ser investigado porque ele é pobre? A polícia científica esteve no lugar em que os meninos morreram e começaram a perguntar pras pessoas se eles eram "nóia". Ou seja, estavam procurando alguma razão pra justificar depois as mortes. Este é o único país em que o morto é culpado. Você morre e ninguém investiga."
Execução sumária
"Estão escondendo os corpos porque é tudo execução, com tiro na cabeça. Hoje os policiais estão desfilando aqui na rua com touca ninja e camisa Le Coq, que é um grupo de extermínio da polícia."
Excessos da polícia na periferia
"Estão pegando qualquer um que tenha ficha. Se tiver passagem, apanha. Tenho um amigo que foi solto há dois anos, estava trabalhando, sossegado. A polícia pegou a ficha dele e veio atrás. No sábado, ele foi às Casas Bahia pagar uma conta e, quando voltou, a polícia o seguiu, o pegou, levou e bateu muito nele. Deu choque, bateu com pedaço de pau. Ele estava com outro amigo."
Falência do Estado
"Acho que o Estado está fazendo corda pra se enforcar. A elite já é suicida há muito tempo e agora o Estado está sendo. Quando você reprime uma criança no primeiro dia, ela sorri pra você. No segundo, já faz uma cara de desconfiada. No terceiro, ela te olha de cara feia. Tenho um amigo que diz que diz que quando você prende um cachorro e todo dia o chuta um pouco, quando você o solta ele te morde, e não te faz carinho. O sistema carcerário é a mesma coisa."
Luta de classes
"Em um estado onde uma pessoa tem milhões e a outra não tem o que comer no dia, esses mundos acabam se encontrando um dia. E é claro que vão se encontrar, porque é a gente que limpa a casa deles, que cuida da segurança deles, que dirige o carro deles. Não tem como um cara carregar uma carroça o dia inteiro e ver um Audi ali do lado, com um cara no ar condicionado confortável, e dar tchauzinho. As pessoas vão tomando ódio, porque querem que o seu filho também tenha respeito e educação, querem que o posto de saúde funcione, que os policiais não entrem na sua casa. Não é brincadeira. O dia em que a população estiver conscientizada, não vai ter como conter isso. Vai chegar uma hora que o povo vai gritar."
A culpa é do outro
"Todo cara da elite retrata a elite como se fosse o outro. A elite sempre é o cara que tem mais do que eu. Eu tenho pouca terra, tenho pouca Mitsubishi, pouco Chrysler. Mas elite é o outro, que tem iate. A elite não se enxerga como elite. Ninguém é culpado…"
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