Protelado ao longo de uma década, o processo de enxugamento da legislação federal começa a ganhar corpo no Congresso. Um novo grupo de trabalho, recém-instalado na Câmara, tem a missão de promover a consolidação das leis que estão incoerentes com a atual realidade constitucional brasileira.
Mais de 180 mil normas fazem parte do atual aparato legal federal, de acordo com o último levantamento feito pela Presidência da Republica. Segundo a pesquisa, muitas dessas regras “perderam o objeto”, ao longo dos anos, ou seja, tratam de questões há muito abandonadas, mas que não foram formalmente excluídas da legislação nacional.
Um exemplo dessa incoerência é a lei que exige, para a obtenção de registro profissional de químico, a apresentação de fotografia de frente e de “cabeça descoberta”. A norma foi criada em 1943, quando o uso do chapéu era um hábito entre os homens. Outro exemplo é o artigo 4º da Lei 6932/81, que regulamenta a atuação do médico residente. A regra foi modificada sete vezes desde que foi instituída, havendo atualmente três redações em vigor.
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O enxugamento legislativo está previsto em lei complementar de 2001. Ela prevê, entre outras coisas, a integração de todas as normas pertinentes a determinada matéria num único diploma legal sem que seja alterado o conteúdo da lei.
Apesar da discussão sobre o assunto se estender há dez anos na Casa, o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que está à frente do grupo instalado no último dia 9, assegura que as atividades terão resultado em curto prazo. Ele é autor do projeto de lei que reúne o teor de 206 artigos referentes à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). As normas trabalhistas serão as primeiras a serem analisadas pelos parlamentares.
Para o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Filho, a consolidação servirá como um mapa para todas as novas profissões surgidas nos últimos anos. “O trabalhador terá um único manual para encontrar seus direitos e deveres”. Além disso, acrescentou, “vai possibilitar uma visão geral tanto da ocupação quanto do nível de remuneração dos profissionais para que se crie um salário mínimo para cada categoria”.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, também vê como necessária a consolidação. “Acho louvável a iniciativa, num país que produz leis até para fazer chover e para determinar onde passarinho põe ovo”.
Outros temas
Além das leis trabalhistas, outros 19 temas serão discutidos pelo grupo. “Se esses temas forem aprovados, os deputados deverão classificar e enquadrar as 175.429 normas legais editadas entre 1989 e 2007 nesses ‘códigos’, explica Vaccarezza.
Já o deputado Antonio Palocci (PT-SP), que também faz parte do grupo de trabalho, acredita que a consolidação das leis pode trazer benefícios econômicos para o país. “A simplificação reduz o custo das empresas e do Estado”, considera. O mesmo raciocínio tem Paulo Maluf (PP-SP), que também participa do grupo. “Hoje temos que ter nas empresas um corpo de pessoas que trabalhem exclusivamente para interpretar leis”, reclama o ex-prefeito, que também é empresário.
Além da discussão sobre a consolidação das leis, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), já sinaliza com a criação de um novo grupo de trabalho para tratar de tema análogo. “A Constituição vai fazer 20 anos, em 2008, mas ela não foi sequer regulamentada. Precisamos de outro grupo para fazer essa regularização”, afirma.
Próximos passos
Após o recebimento dos projetos que deverão ser analisados pelos integrantes do grupo, será aberto um prazo de 30 dias para o recebimento de sugestões. Nessa etapa, o cidadão poderá participar diretamente, enviando sua proposta, registrada em cartório para o endereço: Câmara dos Deputados, Anexo II, Ala A, Sala 153, Praça dos Três Poderes, Caixa Postal 70.160-900, Brasília- DF.
Depois da análise das sugestões, os projetos serão encaminhados para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Se aprovado, segue para o Plenário da Câmara e em seguida para o Senado, onde terá a mesma tramitação, sendo encaminhado posteriormente à sanção.
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