Rodolfo Torres
Está para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara uma proposta de emenda constitucional (PEC) que reacende a discussão sobre a exploração da energia nuclear e o papel de intervenção do Estado na economia do país.
A proposta prevê o fim do monopólio do governo na construção e na operação de reatores nucleares que produzam energia elétrica, abrindo o mercado para empresas com pelo menos 70% de capital nacional.
A iniciativa já enfrenta resistência de parlamentares e entidades ligadas ao meio ambiente e da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobrás responsável pela construção e operação das usinas nucleares do país, que estão localizadas em Angra dos Reis, litoral do Rio de Janeiro.
Autor da PEC 122/07, o deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR) argumenta que, se as empresas privadas não entrarem no ramo, em poucos anos o Brasil será vítima de um “apagão energético”, tendo em vista que o consumo de energia elétrica no Brasil é crescente e que mais de 90% da energia produzida no país provêm de usinas hidrelétricas (que dependem das chuvas).
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Hoje as usinas Angra 1 e Angra 2, já concluídas, são responsáveis por apenas 3,5% da energia produzida no país. Kaefer defende que é preciso retomar as obras da usina de Angra 3, paralisadas há quase duas décadas. “Essa estagnação representa aos cofres públicos R$ 20 milhões anuais em gastos com manutenção, dinheiro jogado fora e sem perspectiva de retorno”, afirma.
O processo mais comum de obtenção de energia elétrica, a partir da energia nuclear, é a fissão (quebra) do núcleo de um átomo, geralmente do elemento químico urânio, que libera uma grande quantidade de energia. As usinas nucleares detêm a estrutura para o controle e o armazenamento dessa energia liberada.
Estado regulador
Kaefer reclama que o governo “não tem recursos” para aplicar na área da energia nuclear. Para o parlamentar, o Estado deve concentrar suas aplicações em áreas como saúde, educação e segurança.
Entretanto, o congressista faz uma ressalva. “Uma coisa é permitir que a iniciativa privada participe. Mas o controle do material nuclear sempre terá de ser feito pelo Estado”, avalia. O deputado propõe que um órgão independente se dedique exclusivamente à atividade de regulação do setor. A preocupação se deve ao fato de que países ou grupos internacionais possam utilizar o urânio para a fabricação de armas nucleares.
O parlamentar avalia que a produção de energia nuclear é segura, uma vez que o volume do chamado “lixo nuclear” é pequeno e será armazenado em locais adequados. Os resíduos da atividade nuclear necessitam ficar isolados e armazenados em recipientes especiais por muitos anos. Dependendo da radioatividade do elemento, o armazenamento pode se entender por milhares de anos.
De acordo com Kaefer, atualmente, o nível de segurança das instalações especializadas em receber o lixo nuclear é muito grande nos países desenvolvidos. “Se vier uma bomba atômica, não explode o depósito”, afirmou, citando o caso dos Estados Unidos.
Outro deputado que endossa a participação da iniciativa privada no setor nuclear é José Carlos Aleluia (DEM-BA), que é engenheiro elétrico e especialista em questões energéticas. “O Brasil não pode continuar com o monopólio. Enquanto a exploração estiver nas mãos do Estado, não faremos nada eficiente”, ressaltou o vice-líder do DEM.
Mineradoras
A PEC que permite a exploração do urânio interessa diretamente às empresas mineradoras (como a Vale, por exemplo), uma vez que abre mercado para mais essa atividade. O engenheiro Rafael Schechtman, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), avalia a proposta como “positiva”, ressaltando que é necessário “se cercar de garantias” em relação ao destino apropriado do material nuclear.
Segundo Schechtman, o Brasil é o sexto maior produtor de urânio do mundo, apesar de as reservas brasileiras desse material serem as mesmas há 20 anos. “Não adianta ficar com o urânio embaixo do solo e não fazer nada”, afirmou, acrescentando que apenas 30% do território do país foi explorado para esse fim. “É muito urânio”, resumiu.
O engenheiro classificou como “perigo controlado” a utilização da energia nuclear ao ser questionado sobre os riscos da exploração dessa alternativa. Ele lembrou do elemento químico mercúrio, que, altamente tóxico, está presente nas baterias dos telefones celulares, mas seu destino não é controlado.
Schechtman destacou que o simples fato de alguém jogar uma bateria de telefone celular em um rio, um “perigo descontrolado”, pode fazer com que o mercúrio entre na cadeia alimentar, contaminando o homem.
De acordo com a Comissão Nacional de Energia Nuclear, em 2003, existiam um total de 2.386 instalações radioativas ou nucleares no país, operando cerca de 50 mil fontes radioativas.
Próximos passos
Até ser convertida em lei, a proposição ainda terá de seguir um longo caminho no Legislativo. O relator da proposta na CCJ, Bruno Araújo (PSDB-PE), pretende concluir seu parecer já na próxima semana, segundo sua assessoria. O tucano tende a recomendar a aprovação do texto.
Caso seja aceita pela CCJ, que analisa somente sua constitucionalidade e juridicidade, a PEC será submetida à avaliação de uma comissão especial, a ser criada exclusivamente para analisar seu mérito. Só então, estará pronta para ser votada em plenário. Qualquer mudança na Constituição precisa do apoio de três quintos (308 deputados e 49 senadores) dos integrantes da Câmara e do Senado.
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