Antonio Vital |
Esta semana o Senado retoma a votação do projeto de Lei de Biossegurança, que libera definitivamente o plantio e comercialização de produtos transgênicos no país e, ao mesmo tempo, permite pesquisas científicas com células-tronco extraídas de embriões. As células-tronco são células progenitoras – que ainda não sofreram diferenciação e que podem gerar qualquer tipo de célula no corpo. São encontradas em embriões e em alguns tecidos adultos. Cientistas afirmam que as pesquisas com células-tronco extraídas de embriões humanos podem levar à cura de várias doenças, como os males de Parkinson e Alzheimer, bem como a tratamentos para cérebros inabilitados e para lesões espinhais. Podem também ser úteis para a cura de doenças que levam à cegueira. Leia também Depois de muita discussão e de ter sido aprovada pelos deputados, a Lei de Biossegurança que será votada no plenário do Senado mantém a possibilidade do uso de estoques congelados de embriões resultantes de fertilização in vitro em pesquisas. A Igreja é radicalmente contra a medida e conta com forte apoio no Congresso. Se o Senado modificar a proposta aprovada pelos deputados – como tende a fazer -, o projeto volta para a Câmara. A bancada religiosa já conseguiu derrubar a permissão de uso de células-tronco embrionárias obtidas por clonagem. O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Geraldo Majella Agnello, é contra o uso de células-tronco de embriões em pesquisas e defende a retirada da questão do projeto. Ele quer que o caso seja examinado separadamente. A posição dele se mantém firme, mesmo diante de críticas. Ele conta, por exemplo, ter recebido um e-mail agressivo de uma pessoa que disse que vai morrer e que o acusou de impossibilitar o avanço da ciência. "É uma falsa esperança. Isso até vai contra a própria população. Fica numa expectativa, numa promessa de cura, sendo que não existe. Ainda que empreguem as células-tronco de embriões humanos", justifica o religioso, que duvida da eficácia a curto prazo das pesquisas. Sobre a pessoa que o atacou, via e-mail, dom Geraldo é franco: "Ele vai morrer", disse. O presidente da CNBB também criticou o projeto que permite a união civil de homossexuais e defendeu punição severa para políticos acusados de corrupção. Congresso em Foco – A Igreja já se posicionou contra a aprovação do projeto que permite pesquisas com células-tronco de embriões. Existe alguma possibilidade de a Igreja vir a apoiar o projeto se houver condicionantes como embriões descartados ou congelados há muito tempo? Dom Geraldo Majella Agnello – O projeto de biossegurança é extremamente importante, mas ele é constituído de dois temas: os transgênicos e os embriões. Os transgênicos não deveriam estar ali. O senhor acha que deveria haver dois projetos distintos? Exato. Para se dar a importância exata que cada um tem. Não ficaria interessante aprovar um e desaprovar outro ou negar os dois. Supondo que o Congresso separe os temas e deixe a questão dos embriões em outro projeto, como a Igreja vai se posicionar sobre o assunto? Nesse caso das células-tronco, se são usados embriões humanos nós não podemos aceitar. "Nesse caso das células-tronco, se são usados Nem mesmo embriões descartados por clínicas que fazem fecundação artificial ou que estão congelados há muito tempo? Nem nesse caso. Nós acreditamos que a vida humana começa justamente no embrião. A partir de sua concepção, o ser humano é ser humano e, portanto, sujeito de atenções, respeito e direitos que ele passa a possuir. E esse direito é que não pode ser supresso. Os críticos desse posicionamento da Igreja argumentam que proibir as pesquisas com esse tipo de material atrasaria descobertas que poderiam ajudar muitas pessoas doentes. Estou considerando só do ponto de vista ético. Não estou discutindo a necessidade de a ciência continuar a progredir. E ela não chegou ainda a um termo na sua pesquisa. Só estou dizendo que não se pode usar um embrião humano que vai ser sacrificado em benefício de outro. Mesmo os descartados? De qualquer jeito. É embrião humano, é pessoa humana. É pessoa humana desde o memento da fecundação. Nós defendemos o direito à vida desde a sua concepção até o seu fim nesse mundo. Esse projeto, depois de ser aprovado no Senado, vai para a Câmara dos deputados. A CNBB já faz algum trabalho de convencimento junto aos deputados? Nós temos feito pronunciamentos escritos. Eu mesmo escrevi artigos que saíram nos jornais. Nós temos mandado correspondências. Nossa posição é muito clara. Nós não podemos concordar com esse projeto. E o pior de tudo é que se faz uma discussão tão rápida de um argumento que está ainda no início. Eu tenho lido nos jornais cientistas no mundo dizendo que ainda vai levar muito tempo (para as pesquisas serem concluídas), ao menos 20 anos. Então, é preciso não ter pressa para legislar. Em segundo lugar, dando expectativa para um número grande de pessoas que se encontram naquela condição, que poderiam ser submetidas a um tratamento com uso de células-tronco. Essas pessoas ficam ansiosas. Eu até recebi, ainda ontem, um e-mail de uma pessoa doente que estava se revoltando contra a minha posição, querendo nos desautorizar. "Porque vocês têm que se pronunciar sobre isso?". Nós não queremos que não haja tratamento. Mas essa é uma pessoa que está dizendo "eu estou morrendo". E vai morrer antes que possa (haver cura), mesmo que seja com células de embriões humanos. Não vai atingir essa pessoa. "Eu recebi um e-mail de uma pessoa doente que estava O que a Igreja poderia dizer para consolar uma pessoa que está nessa situação? Eu escrevi uma carta em que não reprovo seu modo, que foi bastante duro para comigo, como se eu estivesse tirando um remédio dele, dizendo que é uma coisa que ainda está em estudo, em pesquisa. Vai demorar muito. Não coloquei que, do jeito que ele conta que está, ele não vai suportar até daqui a dez anos ou vinte anos. Imagino que deve haver reações desse tipo de vários lugares. Sim, mas é uma falsa esperança. Isso até vai contra a própria população. Fica numa expectativa, numa promessa de cura, sendo que não existe. Ainda que empreguem as células-tronco de embriões humanos. Por outro lado, também já se tem dito que não são as únicas células-tronco que se pode obter do corpo humano boas para serem empregadas. Existe por exemplo o cordão umbilical, parece que o pâncreas, se não me engano. E nós não temos nada contra isso. Só não mate. "É uma falsa esperança. Isso até vai contra a própria população. Fica numa expectativa, numa promessa de Nem os descartados? Nem os descartados. É um erro. Nós não concordamos com esse armazenamento de embriões humanos. A Igreja tem muita influência nas decisões do Congresso. Tem gente que considera isso uma intromissão nas decisões do Estado. O que o senhor acha disso? Nós não interferimos como se tratasse de interesses nossos, particulares, interesses próprios da nossa entidade, das nossas dioceses, ou pessoais. Nisso, a CNBB não vai tomar partido nunca. Mas ela, aquilo que toca a razão, portanto toca a ética, só nesses casos. Quando se trata da corrupção eleitoral, nós também contribuímos para uma lei dessa natureza, que não possam ser aprovados aqueles candidatos que tenham usado da corrupção para obter votos. Isso é uma questão ética, doa a quem doer. Então, porque nós somos cristãos, somos católicos, nós não podemos falar nada? Não podemos estar de acordo com alguém que roubou, que comprou a consciência do outro. "Então, porque nós somos cristãos, somos católicos, nós não podemos falar nada? Não podemos estar de acordo com alguém que roubou, que comprou a consciência do outro" Mas o que a Igreja vai fazer se essa lei que autoriza as pesquisas com células-tronco de embriões for aprovada? Nós não temos nem polícia, nem tribunais para condenar. Nós não temos nenhum meio coercitivo. Nós estamos apelando para a consciência das pessoas. Não é que nós lavamos as mãos. Cada um usa sua opção de escolher entre o bem e o mal. Escolheu o mal porque, (se) matou, é crime. A Igreja já demonstrou o seu poder no Congresso em várias ocasiões, como no caso do projeto que permitia a união civil dos homossexuais. Dizer que a união de dois homens é uma união de família e equiparar isso à união do homem e da mulher é absurdo. Não vai de acordo com a razão. Porquê da união do homem e da mulher? A perpetuação da espécie. Nunca se vai conseguir que um homem com outro homem ou a mulher com outra mulher vão fazer o mesmo, perpetuar a espécie através da sua união. Não chame a isso de união. "Dizer que a união de dois homens é uma união de família e equiparar isso à união do homem e da mulher é absurdo" Mesmo que seja apenas para efeitos civis, de divisão de patrimônio, herança? Se se coloca nesse sentido, que agora vai ter direito de adotar, é claro que nós não estamos de acordo com isso porque supõe um pai e a mãe. A Igreja fez um trabalho grande de conscientização dos eleitores contra a venda de votos e a corrupção eleitoral. O senhor acha que a situação do país, nesse aspecto, está melhorando? Nós temos notícia da cassação de pessoas de cargos executivos e de cargos legislativos, deputados, senadores, vereadores, que foram cassados porque foi comprovado que eles usaram a corrupção eleitoral. Isto já é um bom resultado e já é um não incentivo para que outros se apresentem. É uma lei que deve ser aperfeiçoada para melhor, não para pior, como se tentou fazer no Senado e nós agimos. "É uma lei (contra corrupção eleitoral) que deve ser aperfeiçoada para melhor, não para pior, como se Que lei foi essa? A 9.840, contra a corrupção eleitoral. Houve uma tentativa de modificação e nós fizemos uma carta aos senadores. Foi retirado pelo próprio autor. Uma ala da Igreja tem participação direta na criação de movimentos sociais e até do próprio PT. Como essa ala se relaciona hoje com o governo Lula? Certo que também a criação do PT foi favorecida, no tempo da ditadura militar, pela própria Igreja, que acobertou aqueles que estavam querendo fundar o partido, mas não interferiu. "A criação do PT foi favorecida, no tempo da ditadura militar, pela própria Igreja, que acobertou aqueles que estavam querendo fundar o partido, mas não interferiu" Mas essa ala da Igreja ainda está com o PT? Tem aqueles que continuam e aqueles que deixaram definitivamente. A CNBB também já se pronunciou contra a candidatura de padres, mas existem vários candidatos a prefeito que são padres. Porque a Igreja é contra e o que pode acontecer com esses padres que optam pela política? A Igreja é contra porque, você se candidatar, você assume um partido. Partido é parte e a missão da Igreja é criar comunhão, não divisão. E certamente um que se apresenta para a obtenção de votos através de um partido, ele vai ter apoio e vai ter também condenações dos outros. E ele, sendo um pastor de almas, ele vai ter, dentro da própria paróquia, no seu meio, na sua comunidade, vai ter motivo de divisão. E se ele for eleito, ele se afasta da Igreja? Se afasta desde o momento em que se candidatou. Mas em geral continuam usando o nome de padre. Sim, mas ele é padre até no inferno. Mas ele é afastado, não pode assumir funções de pároco, de operador. Provavelmente serão eleitos muitos candidatos que respondem a ações judiciais, inclusive por corrupção. O senhor acha que deveria ser permitido que candidatos que respondem a processos ou têm condenações assumam cargos eletivos? Eu acho que, realmente, aqueles que estão sendo processados, que se esperasse o pronunciamento do tribunal. E que isso fosse um motivo para impedir sua candidatura. Antes mesmo da condenação definitiva? Antes mesmo da condenação. Quer dizer: se tem processo, que se espere a posição da justiça? Isso diminuiria muito o número de candidatos, não? Diminuiria. Só na Bahia tem uns seis ou sete que estão sendo processados e não sei por que não foram cassados. Processados judicialmente como sendo mandantes de crimes. "Só na Bahia tem uns seis ou sete (candidatos) que estão sendo processados e não sei por que não foram cassados. Processados judicialmente como sendo mandantes de crimes" Aqui em Brasília, o presidente da Câmara Legislativa, que seria o governador em caso de afastamento do governador e da vice, está sendo acusado de exploração sexual de menores. O que o senhor acha de um caso desse tipo? Ele não pode ser, não deve ser. Candidato ou governador? Qualquer cargo público. "Ele (o presidente da Câmara Legislativa do DF, acusado de exploração sexual de menores) não pode ser, não deve ser (ocupante de)… qualquer cargo público" Deveria esperar uma decisão judicial? Esperar uma decisão judicial. Que perspectiva o senhor tem para 2006? Ainda é cedo. Nós não temos nem dois anos passados da eleição para presidente e governador. Mas existem alas do PT que defendem posições progressistas, são favoráveis ao aborto, ao casamento de homossexuais. Um exemplo é a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. O senhor acha que essas alas do PT tendem a ficar mais conservadoras no poder? Nós estamos num tempo de transformações muito rápidas. É difícil prever o futuro. Do ponto de vista de atuação da Igreja, agora, numa hora de eleição para 2006, ela vai dizer aos que são católicos que eles devem agir, se forem autenticamente católicos, aceitar o evangelho. Se o evangelho é contra o divórcio, contra o aborto, então pense duas vezes antes de dar o seu voto. |
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