Em suas primeiras respostas na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Raquel Dodge, indicada à Procuradoria-Geral da República, enfatizou como diretriz para seu mandato “que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei”. Segundo ela, a frase resume sua visão sobre o papel da Justiça que é ao mesmo tempo combater as ameaças ao Estado de Direito e ampliar o acesso da população ao Judiciário.
O relator da indicação, senador Roberto Rocha (PSB-MA), abriu a sabatina desta quarta-feira (12) com uma série de perguntas que resumem os temas mais polêmicos relacionados ao papel do procurador-geral da República. As questões foram extraídas de várias fontes, entre elas o Portal e-cidadania – serviço do Senado que permite a participação da sociedade no processo legislativo, como os questionamentos em audiências públicas.
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Em resposta ao relator, a procuradora reiterou em diversos momentos a necessidade de respeito ao devido processo legal. Ressaltou a importância de instrumentos como a colaboração premiada para o combate à corrupção, mas ressalvou que abusos devem ser coibidos pelo Poder Judiciário. Raquel Dodge manifestou simpatia pela ideia de uma lei contra o abuso de autoridade e disse que operações como a Lava Jato devem ser mantidas “até que a corrupção ceda espaço à gestão honesta dos recursos públicos”.
Os tópicos abaixo resumem os principais pontos das respostas de Raquel Dodge.
Sobre prioridades institucionais e administrativas: “As perguntas atingem o âmago de várias preocupações do Senado e da sociedade. Eu as resumi numa diretriz da qual procurarei derivar toda a minha atuação: a de que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei.”
PublicidadeSobre o instituto da colaboração premiada, em combinação com as prisões preventivas: “O instituto da colaboração premiada já existia em leis anteriores à Lei 12.850. Eu mesma tive a oportunidade de usá-lo. A novidade é a extensão com que o Congresso o regulamentou, estabelecendo requisitos, vedações, condições para o bom emprego, como o sigilo até que a linha de investigação esteja concluída; vedações para que não seja empregada em favor de líderes de organizações. E é nesse limite que devemos usar esse instrumento.”
Sobre possíveis mudanças no curso da Lava Jato: “A Lava Jato e todas as outras [operações] a ela associadas ou dela derivadas mostraram que, com a legislação que temos, é possível entregar prestação jurisdicional com resultados e de forma célere. É preciso manter esta atuação e esta pauta até que a corrupção ceda espaço à gestão honesta dos recursos públicos. Manteremos esse trabalho, aumentando, se necessário, as equipes que já o vêm desenvolvendo. O MP e a polícia vão colher a prova, considerar válida, fundamentar a atuação com base na coerência entre as provas e a colaboração. A condução dos trabalhos será com base na lei, de forma serena.”
Sobre a prisão após a condenação em segunda instância: “A prisão em segundo grau, determinada recentemente pelo STF, vem em socorro da efetividade da aplicação da lei. Eu mesma já a requeri. Mas o mais importante é fazer a entrega da prestação jurisdicional celeremente. Obter o trânsito em julgado.”
Sobre o foro privilegiado: “O foro especial por prerrogativa de função está em debate neste Congresso, no STF. Encontra de minha parte muita simpatia a ideia de que todos os brasileiros sejam submetidos ao mesmo tipo de jurisdição. Esse juízo é melhor feito no Congresso.”
Sobre o projeto de lei de abuso de autoridade: “O projeto vem em socorro da ideia de que no regime democrático freios e controles são necessários. Ninguém está imune a excessos. Vejo a importância de se aprovar uma lei que controle o abuso de autoridade.”
Sobre o momento de controle dos termos e dos efeitos das colaborações premiadas: “Esses dois aspectos já estão [contemplados] na Lei 12.850. Esse tipo de crime é praticado sob formas dissimuladas e é muito difícil conseguir a prova. Por essa razão um instituto excepcional como a colaboração premiada foi acolhido por esta Casa como auxiliar. No entanto, os efeitos desse termo devem ser sempre levados ao conhecimento do Judiciário. É a garantia do devido processo legal. A lei, como sabem todos, estabelece requisitos de validade, vedações e dá amplos poderes para o MP oferecer ao colaborador alguns prêmios em troca da prova que desvende organização criminosa. Nada disso escapa ao crivo do Judiciário, vez que a Constituição estabelece o princípio da inafastabilidade da jurisdição.”
Sobre limites nos termos de colaboração premiada: “O Congresso Nacional deu ao Ministério Público uma grande latitude, mas essa latitude deve estar sempre em proporção com a colaboração: aquele que colabora mais ganha uma vantagem maior. O MP está autorizado a não oferecer a denúncia, ou a prometer o perdão judicial, diminuir o tamanho da pena ou oferecer melhor regime prisional.”
Sobre a validade da gravação de áudio por investigados: “O Supremo tem uma jurisprudência de mais de duas décadas, de que a gravação é válida como instrumento de autodefesa. E é nesses limites que conduzirei, pautarei a atuação no que diz respeito à competência originária do procurador-geral da República.”
Sobre projeto de resolução apresentado por ela em 2016, limitando a 10% a cessão de procuradores de outras unidades para forças-tarefas: “Esse projeto de resolução atendeu a reclamos antigos de procuradores da República, que têm muitos dos colegas afastados por um tempo longo. É um projeto de gestão interna. Apresentei ao Conselho Superior [do Ministério Público Federal], órgão coletivo da nossa instituição. O projeto recebeu o voto de sete dos dez membros desse conselho, aprovando esse percentual de desoneração, [para] que apenas 10% dessa força de trabalho possa ser liberada pelo Conselho Superior para trabalhar em outra área da instituição. Ou seja, 120 procuradores – além dos 73 procuradores da República que não precisam dessa licença – possam, por exemplo, ajudar o gabinete do procurador-geral. É um número superior aos atuais 40. A ideia é apenas de gestão.”
Sobre o risco de um “estado policial”. “É um grande compromisso que o MP tem, desde 1988, de agir sempre pautado com base na prova colhida de forma idônea. É preciso que zelemos sempre para que esses princípios, muito caros ao Estado de Direito, sejam sempre observados. Não é incomum que um órgão do MP peça absolvição em juízo, que aponte a certa altura da ação penal que a prova é inválida. Se há excessos, é o que deve ser sempre controlado, e o principal órgão de controle é o Poder Judiciário.”
Sobre possível revisão de ações penais ou arquivamento de inquéritos em curso: “Esse é um exercício do cotidiano. Sempre estamos examinando a consistência do que temos à frente. O MPF, quando atua perante o STJ ou o STF, atua em causas oriundas da Justiça estadual. Nessa fase, não atua apenas em ações federais.”
Sobre ter ficado em segundo lugar na lista tríplice dos procuradores: “Sou defensora ardorosa dessa lista. Ela funciona como um bom anteparo em relação à escolha do procurador-geral da República, [que] contará com a legitimação dos membros da instituição. Qualquer um dos três que conste da lista passou pelo rigoroso critério dos procuradores da República. Nestes 30 dias, os oito postulantes do cargo participaram de debates nacionais, locais. Todos os três estavam legitimados para essa escolha. Fiquei muito honrada em receber essa indicação.”
Sobre a decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello, devolvendo o mandato ao senador Aécio Neves: “Ambas as posições [no STF] são respeitáveis. Nesse caso, me parece que a decisão do ministro Marco Aurélio é muito acertada e deve ser por nós estudada para formar jurisprudência.”
Sobre o desafio de lidar com a criminalidade: “Em geral, nos países considerados mais avançados, o MP se dedica apenas à função criminal. São sociedades com capacidade de auto-organização. Aqui, percebeu-se que o país precisava de uma instituição que zelasse pelo interesse público.”
Sobre a Emenda Constitucional 73, que previu a criação de quatro novos tribunais federais: “Conta com a minha simpatia a ideia da instalação escalonada desses tribunais como forma de garantir acesso dessa população à Justiça.”
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