Lúcio Lambranho e Edson Sardinha
Dois seguranças da filha do presidente Lula, Lurian Cordeiro Lula da Silva, fizeram compras em um camelódromo no bairro de Campinas, município de São José (SC), na Grande Florianópolis. Os pagamentos foram feitos por meio dos cartões corporativos da Secretaria de Administração da Presidência da República registrados em nome de Jadir José Duarte e João Roberto Fernandes Jr.
Na primeira compra, feita em 30 de junho de 2005, foram gastos R$ 200 numa empresa registrada como Valmir Carlos da Silva ME, de acordo com o Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU). O segundo pagamento, no valor de R$ 40, foi efetuado em 28 de setembro de 2007 na empresa Maria Aparecida Amandio EPP.
As duas lojas funcionam num tradicional shopping popular conhecido como Camelão de Campinas. A compra de R$ 200, paga com o cartão de Jadir José, ocorreu nos boxes 145 e 146, ocupados por uma loja de material esportivo, a Lamar Esportes.
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A segunda compra, feita por João Roberto, pode ter sido feita em duas lojas que dividem três boxes, todas registradas sob o mesmo nome. No box 125 funciona uma loja de suprimento de informática. Porém, a empresa também ocupa os boxes 91 e 92, onde são vendidos artigos femininos e bijuterias, num estabelecimento chamado Pimenta Doce.
O Congresso em Foco localizou as duas empresas nos registros do Sistema Integrado de Informações sobre Operações Interestaduais com Mercadorias e Serviços (Sintegra).
Vendedores das duas lojas confirmaram à reportagem que as compras foram mesmo feitas no camelódromo. Segundo eles, Lurian acompanhou os seguranças nas duas ocasiões. Pedindo para não serem identificados, dois funcionários afirmaram que as compras eram para a filha do presidente. De acordo com eles, Lurian já foi vista outras vezes no local, acompanhada por seguranças. "É ela mesma. Já a vi outras vezes. Não sabia que o cartão era do governo", disse um dos vendedores ao Congresso em Foco.
Conexão
Para os parlamentares da oposição ouvidos pela reportagem, os gastos no shopping popular de São José reforçam a necessidade de instalação de uma CPI no Congresso e sinalizam, pela primeira vez, que os cartões podem ter sido usados em benefício pessoal da filha do presidente da República.
“Isso confunde o que é de interesse público e o que é de interesse privado”, afirmou o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), que classificou como grave a declaração dada pelos vendedores ao site. Segundo ele, a afirmativa aponta para a confirmação de uma velha suspeita. “É a primeira vez que se estabelece essa conexão. Até então havia uma suspeita de que os cartões pudessem estar sendo usados em benefício próprio. Vamos ver se esses vendedores vão continuar sustentando o que disseram”, declarou.
Na avaliação do deputado paranaense, que foi sub-relator da CPI dos Correios, apesar de envolver valores modestos em comparação com o escândalo do mensalão, o caso dos cartões corporativos pode trazer mais prejuízos ao governo por ser compreendido mais facilmente pela sociedade.
“Pelo volume de dinheiro nesse caso da Lurian, não podemos dizer que é dinheiro público jogado pelo ralo. Mas é de fácil entendimento: seguranças da filha do presidente usam cartão corporativo num camelódromo pra fazer compras na presença dela. É muito grave”, considerou.
O senador Alvaro Dias (PDSB-PR) acredita que as novas revelações tornam inevitável o início das investigações pelo Congresso. "O governo diz defender a CPI, mas não quer divulgar informações sobre os cartões da Presidência da República alegando que elas são sigilosas. O que poderia ser de segurança nacional comprado em um camelódromo na periferia de Florianópolis?", questionou Dias.
"A presença da Lurian sustenta a tese de que o cartão usado por seguranças atende às necessidades da filha do presidente. Isso não é honesto e exige CPI", acrescentou o senador do PSDB. Alvaro Dias apresentou, ainda em 2006, um pedido de acesso aos gastos considerados sigilosos com os cartões corporativos. A proposta já foi aprovada pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), segundo o senador do Paraná, e deve ser discutida pela Mesa Diretora do Senado no início da próxima semana. "A Mesa do Senado precisa tomar providências judiciais para ter acesso a esses documentos ditos sigilosos", defendeu o tucano.
CPI das ONGs e Okamotto
Como mostrou o Congresso em Foco no final de outubro (leia mais), a CPI das ONGs sofreu uma tentativa de blindagem nos bastidores em função da atuação de Lurian na Rede 13, uma entidade sem fins lucrativos criada ainda em 2003 para arrecadar dinheiro para o Programa Fome Zero.
A proteção faria parte de um entendimento entre governistas e oposicionistas na comissão de inquérito do Senado. Em troca da não investigação da Rede 13, os oposicionistas condicionaram a garantia de que a ONG Alfabetização Solidária (Alfasol), fundada pela mulher do ex-presidente Fernando Henrique, Ruth Cardoso, ficasse fora das investigações.
Também no início do governo Lula, Lurian teve seu nome citado em denúncias envolvendo o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto. Ele confirmou que pagou em dinheiro dívidas do presidente da República e de Lurian. Okamotto foi alvo da CPI dos Bingos, mas a comissão não avançou na investigação porque o presidente do Sebrae conseguiu impedir, no Supremo Tribunal Federal (STF), a quebra de seus sigilos bancários e fiscal.
"Calor dos fatos"
Entre os governistas, a revelação sobre os gastos dos seguranças da filha do presidente foi recebida com cautela. O líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO), destacou que apenas os servidores têm acesso ao cartão corporativo e que, por isso, apenas eles devem ser punidos. "O cartão deve ter sido usado por um servidor. Tem que ver a responsabilidade de cada um", afirmou o líder. Raupp preferiu não comentar o envolvimento direto de Lurian com os gastos. "Não podemos analisar isso no calor dos fatos", argumentou.
"Não sei qual é a tarefa dos seguranças. Se for só prevenção, não há justificativa para ter cartão. Se ele tiver outras finalidades, aí pode ser justificável", avalia o senador Delc&iac
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