Fábio Góis
Depois de dizer que o presidente Lula exerce “autoritarismo popular”, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso destacou em artigo o papel de líderes do ABC do paulista na retomada da democracia e das eleições diretas, nos anos 80, mas sem citar o nome do principal líder sindicalista da época – o próprio Lula. Intitulado “Hora de união”, o texto publicado na edição de hoje (domingo, 4) do jornal O Globo aponta Ulysses Guimarães, Franco Montoro e Tancredo Neves como os homens a quem coube “a condução do processo”.
O artigo discorre sobre a aliança de políticos de Minas Gerais e São Paulo alinhados à democracia – em movimento que, segundo Fernando Henrique, “salvou-nos do autoritarismo do passado”, com participação decisiva dos três líderes políticos. O tucano recorre então a uma entrevista veiculada pela revista Veja para situar a ocasião em que tal aliança ficou evidente e seria determinante para a derrota das “forças autoritárias”.
“Roberto Gusmão, chefe da Casa Civil do governo Montoro [1983-1987], havia declarado nas páginas amarelas da Veja que São Paulo se uniria a Tancredo Neves para a conquista da Presidência. Ulysses fez questão de ouvir a decisão da voz do governador de São Paulo. Acompanhei-o ao Palácio dos Bandeirantes em um encontro com o governador […]. Montoro poderia pretender legitimamente a candidatura à Presidência: ganhara as eleições diretas em São Paulo com votação consagradora”, escreveu FHC, para quem “o momento histórico” se sobrepunha aos “méritos e ambições de cada um”. “A visão de futuro e o interesse nacional contavam mais do que as biografias. Tiveram grandeza.”
“Houve hesitação sobre o que fazer. Fiz um discurso no Senado trocando o lema Diretas Já por Mudanças Já, com a convicção de que poderíamos derrotar os donos do poder. Foi difícil para Ulysses Guimarães tragar a dose e aceitar as eleições indiretas, ele que fora o anticandidato em 1974 e cujo nome se identificava com as eleições diretas”, registra FHC, referindo-se à escolha presidencial por meio do Colégio Eleitoral, em que os parlamentares tomaram o lugar do povo nas urnas e elegeram Tancredo Neves em 1985, substituído depois de sua morte pelo vice José Sarney (PMDB).
Segundo o ex-presidente, Ulysses, que fora “o opositor indiscutido das oposições democráticas”, encontrou dificuldades em “granjear votos” pelas eleições diretas. “Na época, presidente do MDB de São Paulo e muito próximo a Ulysses Guimarães, disse-lhe com muito pesar, pela enorme admiração e respeito que nutria por ele, que a vez seria de outro”, diz outro trecho do artigo, que mais adiante faz críticas ao oportunismo partidário e à burocracia de capitalismo que, segundo o autor, têm caracterizado o governo Lula.
“Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e influência de um partido. Tudo sob uma liderança habilidosa que ajeita interesses contraditórios e camufla a reorganização política que se está esboçando”, critica FHC, para quem o PT “se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo”.
Na conclusão do texto, FHC vislumbra o triunfo da candidatura tucana à Presidência sugerindo um vice que, ao menos publicamente, vem negando a hipótese de compor chapa com o governador de São Paulo, José Serra. “José Serra e Aécio Neves estiveram ao lado dos que permitiram derrotar o regime autoritário. Cabe-lhes agora conduzir-nos para uma vitória que nos dê esperança de dias melhores. Tenho certeza de que não nos decepcionarão”, arremata o tucano.
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