Renaro Cardozo
Enquanto 5.466 candidatos disputam ferozmente uma cadeira na Câmara, 22 atuais deputados federais abdicaram do direito de concorrer a mais quatro anos de mandato (veja a lista completa). Na tentativa de compreender as razões dessas desistências, o Congresso em Foco ouviu parlamentares, assessores, e constatou: na maioria dos casos, os deputados que não se candidataram curvaram-se a razões que podem ser identificadas como de "pragmatismo eleitoral". Seja por concluírem que não teriam votos para garantir a reeleição, seja para cederem a vez a outro integrante da família ou do mesmo grupo político.
Entre os desistentes, há quatro políticos que sofreram o desgaste de ver seus nomes envolvidos no escândalo do mensalão: José Janene (PP-PR), Wanderval Santos (PL-SP), Romel Anízio (PP-MG) e Roberto Brant (PFL-MG).
Já a deputada Suely Campos (PP-RR) apoiará à candidatura à Câmara do seu marido, o ex-governador Neudo Campos. Preso em novembro de 2003 pela Polícia Federal sob a acusação de participar do desvio de recursos da folha salarial do estado, ele terá, se eleito, imunidade parlamentar. Ou seja, só poderá ser processado e julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
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No Senado, apenas três dos 27 senadores em fim de mandato não se inscreveram como candidatos. Um deles é Roberto Saturnino (PT-RJ). Conhecido por sua discrição, o senador evita falar em público sobre suas motivações. Mas pessoas próximas a Saturnino entregam que a decisão decorre em parte de problemas de saúde, mas, sobretudo, da decepção do parlamentar com os rumos tomados por seu partido, tanto no plano nacional quanto em seu estado.
Com relação aos outros dois, Valmir Amaral (PTB-DF) e Jorge Bornhausen (PFL-SC), prevaleceu mais uma vez o pragmatismo. Amaral, que assumiu o mandato na condição de suplente do senador cassado Luiz Estevão, simplesmente não teria votos para disputar a eleição com chances reais de vitória. Bornhausen, presidente nacional do PFL, abriu mão da candidatura em favor do favorito na disputa para o Senado em Santa Catarina, o ex-prefeito de Lages João Raimundo Colombo.
O desencanto com a política
Saturnino não é, dentre os desistentes, o único desencantado com a política. Sentimentos semelhantes estão por trás da decisão dos deputados Xico Graziano (PSDB-SP) e Moreira Franco (PMDB-RJ) de não disputarem a reeleição.
Ex-governador do Rio, ex-prefeito de Niterói e deputado federal por três mandatos, Moreira, 61 anos, enviou ao Congresso em Foco documento esclarecendo os motivos pelos quais optou por dizer adeus às disputas eleitorais. O primeiro deles é "a constatação de que a Câmara, afundada no descrédito e na inoperância, mesmo renovada, não terá condições de liderar o processo de reforma política e moral que o país reclama".
"O segundo", prossegue, "foi o desencanto com o meu partido, o PMDB, por assumir a posição de não lançar candidatura própria à Presidência da República e nem apoiar oficialmente nenhum candidato, para negociar em nome da ‘governabilidade’ sustentação parlamentar com o presidente escolhido nas urnas".
"Não me encanta o prestígio do mandato", diz Moreira Franco. "Eu já tive experiências de continuar a luta sem exercer cargos eletivos e os resultados foram positivos". Sociólogo, com pós-graduação pela Sorbonne (Paris), ele agora pretende retornar ao meio acadêmico, talvez voltando a dar aulas ou se dedicando a pesquisas.
Xico Graziano, 53 anos, agrônomo e professor universitário que chegou a presidir o Incra no governo FHC e hoje exerce o segundo mandato de deputado federal, enviou carta ao PSDB para explicar as razões que o levaram a abdicar da luta pela reeleição.
No documento, afirma que o atual momento político "não tem sido estimulante para a atividade parlamentar". "O mensalão comandado pela quadrilha instalada no Planalto arrasou a imagem da Câmara dos Deputados. Por sua vez, esta não soube dar respostas à altura da cobrança popular", pensa ele.
Graziano, defensor do voto distrital misto (que permite a eleição individual de representantes parlamentares de cidades ou regiões), também critica o sistema eleitoral. No seu entender, ele "não fortalece os partidos políticos nem promove a boa prática partidária". Segundo o deputado, o voto proporcional em vigor (no qual são eleitos não os candidatos individualmente mais votados, e sim os representantes dos partidos com maior soma de votos) cria um "mercado de votos" que transforma companheiros de partido em adversários políticos.
O deputado não pretende, contudo, afastar-se totalmente da política. Planeja dedicar-se exclusivamente à formação doutrinária de jovens e à formulação das propostas para o PSDB.
Tudo em família
O deputado Anivaldo Vale (PSDB-PA) conta que também se frustrou, mas com seu próprio partido. Desejava candidatar-se a um cargo majoritário (senador ou vice-governador), mas os tucanos paraenses lhe negaram legenda para concorrer.
Aborrecido, adotou uma decisão salomônica. Desistiu de enfrentar a campanha para a reeleição e lançou o filho, Lúcio Dutra Vale (PSDB), para a Câmara dos Deputados. "Depois de três mandatos, não há como abandonar a política", justificou o parlamentar ao Congresso em Foco.
Outro deputado, Jair de Oliveira (PMDB-ES), admite que ancorava seu plano de reeleição na frustrada candidatura presidencial do ex-governador do Rio Anthony Garotinho. Como o PMDB deixou Garotinho a ver navios, Jair arquivou a idéia.
Líder da igreja Tabernáculo Evangélico de Jesus, no Espírito Santo, Jair é de fato próximo da família Garotinho. Inspeção do Tribunal de Contas do Rio descobriu que a governadora Rosinha Garotinho patrocinou com recursos do estado um programa de TV mantido pela igreja do deputado.
A decisão de Jair também teve motivações pragmáticas. Segundo políticos capixabas, embora o deputado tenha considerável poder de mobilização eleitoral, dificilmente estaria entre os eleitos sem o apoio do ex-governador fluminense.
A luta pela sobrevivência
A Câmara tem 513 deputados. Desse total, 96% disputarão as eleições de 1º de outubro: 450 parlamentares (88%) como candidatos à reeleição e 41 como postulantes a outros cargos eletivos. São 13 concorrentes ao Senado, 11 a governos estaduais, oito a deputado estadual, cinco a vice-governador e quatro a suplente de senador.
Um dos candidatos a suplente é o presidente nacional do PPS, Roberto Freire (PE). Advogado e procurador aposentado do Incra, Freire está no quinto mandato de deputado federal. Também foi senador durante oito anos. Ao todo, está perto de completar 28 anos de vida parlamentar no Congresso. Nestas eleições, chegou a se lançar candidato à Presidência da República. Depois, desistiu; anunciou apoio a Alckmin (PSDB); e se tornou o primeiro-suplente na chapa do ex-governador Jarbas Vasconcellos (PMDB), favorito na batalha pelo Senado em Pernambuco.
Enquanto uns lutam para sobreviver na arena política, outros não querem nem ouvir falar em eleição. O deputado Roberto Brant (PFL-MG), ex-ministro da Previdência de Fernando Henrique, é um exemplo. Sentindo-se injustiçado pelas acusações que o associaram às operações irregulares de financiamento eleitoral comandadas a partir de Minas pelo empresário Marcos Valério Fernandes, ele viu a proposta de cassação do seu mandato ser aprovada pelo Conselho de Ética e rejeitada pelo Plenário da Câmara (onde a proposta, que precisava de no mínimo 257 votos para ser aprovada, recebeu 156).
A acusação contra Brant foi levantada depois que um dos coordenadores da campanha dele à prefeitura de Belo Horizonte em 2004, Nestor Francisco de Oliveira, sacou R$ 102,8 mil de uma conta bancária da empresa SMP&B, de Marcos Valério. O deputado disse à época que o dinheiro era uma doação da siderúrgica Usiminas e que a SMP&B apenas repassou a verba. Segundo ele, os recursos não foram utilizados em campanha eleitoral, mas em um programa televisivo do PFL antes da campanha.
Roberto Brant, na ocasião, falou que não aceitaria passar pelo "vexame" de uma cassação, mas prometeu abandonar a vida pública logo depois. Não só está cumprindo a promessa como agora se recusa até mesmo a dar entrevistas sobre sua decisão.
Os números no Senado
No Senado, onde o mandato é de oito anos, apenas um terço da Casa (27 dos 81 senadores) se encontra em final de mandato. Mas chega a 38 (47%) o total de candidatos nas eleições de 2006.
Ali, o número de candidatos à reeleição é igual ao de concorrentes a governos estaduais: 13. Outros dois senadores disputam a Presidência da República – Heloísa Helena (Psol-AL) e Cristovam Buarque (PDT-DF) – e dois são candidatos a vice-presidente: Jefferson Peres (PDT-AM), na chapa de Cristovam; e José Jorge (PFL-PE), como companheiro de chapa do tucano Geraldo Alckmin.
Há ainda três candidatos a vice-governador, três a deputado federal e dois a deputado estadual: Juvêncio da Fonseca (PSDB-MS) e Luiz Pontes (PSDB-CE).
Do trio de senadores que não buscarão a reeleição, o mais antigo na Casa é Jorge Bornhausen, 68 anos. Ex-ministro, governador biônico (nomeado pelo regime militar) de Santa Catarina entre 1979 e 1982, ele exerce o cargo ininterruptamente desde 1991. Nem de longe, contudo, passa pela cabeça do senador abandonar a política.
Conhecido por suas declarações polêmicas, como a promessa de "acabar com essa raça por pelo menos 30 anos" (referindo-se aos petistas) ou a recente insinuação de que o PT estaria envolvido nos atentados do PCC em São Paulo, Bornhausen – principal coordenador nacional das campanhas eleitorais do PFL – deverá ser um dos líderes da oposição em caso de vitória de Lula. Ou, na hipótese de Alckmin vencer, um dos políticos mais influentes em um eventual governo tucano.
Outro deputado que não se candidatou é Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), 61 anos. Prestes a completar seu terceiro mandato de deputado federal, atualmente ele está licenciado e atuando na secretaria municipal de São Paulo, de onde não pretende sair até o final desta gestão. Aloysio já foi vice-governador de São Paulo (1991-1994), ministro de Fernando Henrique (da Secretaria Geral da Presidência da República e da Justiça), e é um dos mais próximos colaboradores do ex-prefeito José Serra, líder absoluto das pesquisas de intenção de voto para o governo paulista.
Mais um deputado desiste das eleições.
Clique aqui para ver a lista completa dos parlamentares que não se candidataram.
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