A Polícia Federal (PF) virou a Geni da Operação Navalha. Ao vazar para a imprensa informações e documentos relativos ao envolvimento de autoridades, empresários, lobistas e outras pessoas no escândalo capitaneado pela construtora Gautama, atraiu a fúria de duas legiões. A primeira, formada pelas dezenas de políticos e personalidades direta ou indiretamente atingidos pelas investigações. A segunda, pelos que temem – injustamente ou não – ser no futuro alcançados pelo furor de ações policiais de combate à corrupção.
No Congresso, parlamentares da oposição e do governo são tomados por um sentimento comum: a PF está indo longe demais. Ontem (quinta, 24), após ouvir reclamações dos líderes da base governista, o presidente Lula deu razão às críticas, condenando os vazamentos e determinando ao ministro da Justiça, Tarso Genro, que apure e reprima os excessos da instituição que se encontra sob as suas ordens. Simultaneamente, juízes e advogados atacavam sem dó nem piedade o trabalho da Polícia Federal.
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“Canalhice”, “Estado policial” e “métodos fascistas” foram algumas das expressões usadas para se referir à atuação da PF. A senha para a ofensiva contra os policiais federais foi a reação do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, ao aparecimento de um homônimo entre os citados nas investigações da Operação Navalha. O ministro, que havia determinado a libertação de cinco presos da operação, encarou como tentativa de intimidação a notícia de que um Gilmar Mendes estaria enrolado no enredo que liga a Gautama a gabinetes privilegiados do governo federal, do Congresso e de vários governos estaduais e municipais.
O Congresso em Foco é contrário a qualquer tipo de arbitrariedade que coloque em risco o Estado democrático de direito. Mas sente-se na obrigação de apontar aos seus leitores três pontos obscurecidos pela grita generalizada contra a Polícia Federal:
1) A Operação Navalha foi precedida de todos os procedimentos recomendáveis para ações do tipo. O trabalho, que envolveu ao todo mais de 400 policiais em diversos estados, é realizado em silêncio desde o ano passado. Todos os grampos telefônicos foram devidamente autorizados pela Justiça. O mesmo ocorreu com as 47 prisões feitas nos últimos dias 17 e 18. Não foi por acaso que o material colhido durante a apuração foi considerado convincente pelo Ministério Público Federal (que pediu as prisões preventivas) e pela ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (que atendeu a tais pedidos). São fortíssimas as evidências de que a Gautama contou com a proteção de autoridades de grosso calibre para receber ilegalmente recursos públicos – por meio de superfaturamentos, licitações viciadas, tráfico de influência e outros expedientes. E, ainda, de que esse é só o começo de uma história que envolve empreiteiras maiores e com mais capacidade de conduzir agentes públicos de acordo com os seus interesses.
2) No passado recente, a Polícia Federal arrombou portas de escritórios de advocacia em busca de provas, deixou inconclusas investigações fundamentais (como a do mensalão) e se prestou a lances de nítido conteúdo político. Dois exemplos: a famosa apreensão de dinheiro que selou a inviabilidade da candidatura a presidente da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, em 2002; e o vazamento, às vésperas das eleições de 2006, da foto com a grana apreendida pelos “aloprados” do dossiê forjado contra o à época candidato a governador de São Paulo, José Serra. Por mais que se tente afirmar o contrário, não há nada na Operação Navalha que soe parecido. Ela atinge igualmente governo e oposição, Executivo e Legislativo, partidos grandes (como PMDB, DEM, PT e PSDB) e médios (como PDT e, muito provavelmente, PSB e PTB).
3) Com igual (ou maior) estardalhaço, a Polícia Federal deflagrou nos últimos anos diversas operações de impacto, envolvendo prisões em várias unidades da federação. Uma delas, a Operação Sanguessuga, lançou luz sobre as ligações de 84 parlamentares federais da legislatura 2003/2007 com uma máfia que fraudava a compra de ambulâncias com recursos da União. Em nenhum dos casos anteriores, a dimensão e o tom dos protestos contra a PF chegaram aos níveis agora vistos. Qual a regra do jogo? Vale tudo para deputados do baixo clero, mas não para presidente do Senado, ex-presidente da República, governadores e caciques políticos de patente federal (alguns dos quais, sócios de grupos de comunicação)?
De repente, a Polícia Federal, antes cantada em prosa e verso até mesmo por aquela parte da imprensa mais hostil ao governo Lula, tornou-se o alvo predileto de editorialistas de grandes jornais. Formadores de opinião se juntam às tropas de detratores da PF, ressaltando sempre a necessidade – que aqui não se põe em dúvida – de assegurar obediência aos direitos individuais previstos na Constituição e na lei.
Os críticos da Polícia Federal parecem não dar a mesma importância a outra questão absolutamente imperiosa: a necessidade de o Brasil enfrentar para valer a corrupção, pondo fim a práticas públicas e privadas que nos afasta da condição de nação civilizada e viável. Comissões ilegais, propinas, favorecimentos são aceitos como naturais, inevitáveis, como fatos da vida.
Reclamam os críticos que a PF vaza documentos protegidos sob o véu do “segredo de Justiça”. Nem ousam pensar em questionar por que deve haver sigilo para fatos que dizem respeito à destinação de recursos governamentais – ou seja, recursos da própria sociedade. Não perguntam até que ponto é legítimo sonegar à população informações sobre atos e decisões de homens públicos, sejam eles parlamentares, governadores, ministros ou prefeitos. Cobram autonomia absoluta para o Judiciário, mas não têm curiosidade em saber por que, por exemplo, o STF jamais condenou, em toda a sua história, um parlamentar acusado de cometer crimes.
Por tudo isso, este site manifesta apoio ao trabalho desenvolvido pela PF na Operação Navalha e expressa sua esperança de que ela encontre solidariedade das demais instituições que podem contribuir para, no mínimo, reduzir os elevados níveis de corrupção existentes no país. Essa tarefa impõe responsabilidades gigantescas para o Poder Judiciário, o Ministério Público Federal, o Congresso Nacional, a Controladoria Geral da União, o Tribunal de Contas da União e a própria imprensa.
A espada da Justiça pode reparar eventuais erros da navalha, mas não conter o seu ímpeto restaurador. As cúpulas do Congresso passaram da hora de se deixarem penetrar pelos desejos de mudança insistentemente manifestados pelos brasileiros e brasileiras. A PF tem falhas, é verdade. Uma banda podre dela é suspeita, inclusive, de envolvimento com o próprio escândalo da Gautama. Mas é formada também por excelentes delegados, peritos e agentes, que reúnem preparo técnico e condições morais de fazer aquilo que o país deles espera.
Combater a roubalheira nada tem a ver com moralismo, udenismo ou outros chavões de um pensamento de esquerda carcomido pelo tempo. Tem a ver com trancar as portas da casa antes que os ladrões levem tudo. Ou fazemos isso logo ou não sobrará Brasil nenhum.
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