Na noite de segunda-feira (13), horas depois da diplomação do presidente eleito Lula, breves notas nos principais meios de comunicação noticiavam um confronto entre manifestantes bolsonaristas e autoridades locais em Brasília. No estacionamento da sede administrativa da Polícia Federal (PF), na Asa Norte, uma multidão vestida de verde e amarelo tentava invadir o prédio principal, em protesto contra a execução do mandado de prisão de um de seus líderes, o indígena e pastor evangélico autointitulado Cacique Sererê.
O confronto escalou, e as vias de acesso ao prédio, no centro da cidade, foram cortadas pela Polícia Militar. Pessoas que trabalhavam ao redor começaram a divulgar nas redes sociais seus registros dos terroristas destruindo carros e os tiros de borracha disparados pela polícia, questionando o que estava acontecendo. Leitores do Congresso em Foco enviavam a mesma pergunta, com preocupação. Um deles chegou a enviar uma foto da fumaça vista do Lago Norte, cidade vizinha do outro lado do Lago Paranoá. Era o momento de verificar a situação.
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No caminho até o centro da cidade, a violência já havia escalado para além dos arredores da sede da PF. Toda parte oeste do Eixo Monumental, que corta a cidade ao meio, estava fechada pela Polícia Militar. Desci do carro em um bloqueio próximo à Rodoviária, no meio de Brasília, e senti de imediato o cheiro de borracha queimada e a ardência da fumaça nos olhos. Um ônibus pegava fogo ali perto, e tentei me aproximar para fotografar. No meio do caminho, o veículo explodiu, então desisti e corri me abrigar no centro de atendimento a turistas ao lado para decidir o próximo passo.
Abrigado e informando os colegas sobre a situação, um vigilante veio até mim. “Isso é tudo por causa do índio?”, me perguntou. Respondi que sim, e logo em seguida ele levantou o tom. “Sério mesmo que o Xandão prendeu o índio na alta? Esse desgraçado vai levar agora”. Respondi que não fazia a menor ideia, e corri para perto de uma viatura de polícia, que observava os grupos de manifestantes com camisetas da seleção brasileira passeando ao redor. “Xandão”, para não deixar dúvidas, é o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
Seguindo a rua, outro grupo bem maior de policiais havia se concentrado ao redor de outro ônibus pegando fogo, tentando jogar água. Era o mesmo que, mais cedo, os manifestantes tentavam arremessar de cima do viaduto. Parado próximo a eles estava um terceiro ônibus, ainda com a parte externa intacta, mas com fogo na parte interna. Fui até o grupo e perguntei se os policiais teriam alguma estimativa de quantos veículos foram incendiados até então. Não faziam ideia.
O acesso até o Setor Militar Urbano, onde apoiadores do presidente Jair Bolsonaro estão acampados há mais de um mês, ficava mais a oeste dali, seguindo o Eixo Monumental adiante. Do ponto de encontro dos policiais, já era possível ver outros incêndios espalhados. Nas ruas ao redor, entre os hotéis, mais manifestantes corriam. Era possível ouvir de longe os estampidos das balas de borracha e diversas explosões.
A polícia tentava enviar mais viaturas adiante, mas os manifestantes já haviam obstruído a via. Caçambas de lixo incendiadas e peças arrancadas dos pontos de ônibus foram espalhadas pelo asfalto, impedindo a passagem dos veículos. O esquadrão anti-bombas passou primeiro pelo local, pedindo para esperar antes de qualquer um seguir adiante. Na calçada ao lado, manifestantes observavam o lento avanço das viaturas. No alto, perto da Torre de TV, cartão postal de Brasília, dois policiais disparavam bombas de efeito moral nos grupos de bolsonaristas ao redor.
Andei um pouco mais, e a presença da polícia ficou cada vez mais escassa. No estacionamento de um restaurante, próximo à delegacia de polícia civil, um carro pegava fogo. No estabelecimento, os funcionários se trancaram, e não deixavam ninguém entrar. Uma das janelas estava estilhaçada, assim como um dos postes de iluminação, que os manifestantes arrancaram do chão. “Esse Xandão cutucou um vespeiro que não vai conseguir controlar”, disse aos colegas um manifestante que passava próximo.
Pouco adiante, me aproximando da delegacia, um manifestante com camisa da seleção veio até mim e disse: “É melhor você se afastar porque o posto vai explodir”. Olhei adiante, e um carro pegava fogo dentro do posto de gasolina, na mesma rua da 5ª Delegacia de Polícia Civil. Não ousei me aproximar, fotografei de onde estava e fui procurar algum lugar seguro para decidir o próximo passo.
Enquanto mandava mensagens para a equipe, um fotógrafo passou correndo pela minha frente. Manifestantes gritavam mandando ele ir embora, todos com camisetas verdes e amarelas. Ele escapou, mas não demorou para que um deles apontasse para mim. “Ele ali, também é infiltrado. Para de filmar agora”, berrou. Um deles se aproximou, com duas pedras na mão. “Olha, aqui a gente não é PT, aqui a gente é organizado. Se tu quiser dormir tranquilo, é só parar de fotografar. Mas se filmar, vai ter problema com a gente”, ameaçou.
Fui até um policial que vigiava ali perto, e pedi instruções para ir embora dali em segurança. Caminhei escoltado até a área residencial, fora do alcance dos manifestantes. Ao chegar, recebi a notícia de que a delegacia próxima ao posto incendiado também foi atacada, e um policial foi ferido. Entrego este relato um dia depois. E até agora, nenhum dos envolvidos na noite de terrorismo foi preso.
Confira filmagens da noite de atentados em Brasília:
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