Ricardo Ramos
Longe de trazer revelações bombásticas, como em agosto, o publicitário Duda Mendonça volta à CPI dos Correios para fazer esta manhã, conforme exigia a oposição, o gran finale dos trabalhos da comissão. Duda, que deverá depor a portas fechadas e protegido por um habeas-corpus, tem muito a explicar sobre como recebia pelas campanhas eleitorais realizadas para o Partido dos Trabalhadores.
Em meio aos mais complexos questionamentos sobre suas intrincadas movimentações financeiras, o homem responsável pela construção da imagem vitoriosa do presidente Lula em 2002 terá de esclarecer de onde vieram os R$ 10,5 milhões que confessou ter recebido do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza no exterior. O certo é que, depois de ter posto Lula no centro da crise, Duda se viu no fogo cruzado das investigações enquanto o petista recuperou o fôlego.
O seu principal desafio será resgatar a boa impressão causada no primeiro depoimento à CPI. Ao comparecer espontaneamente à comissão, no depoimento de sua sócia, Zilmar Fernandes, o publicitário ganhou pontos com a oposição. Dizendo-se arrependido de ter aberto uma conta num paraíso fiscal – coisa que, segundo ele, nunca fizera na vida –, apenas para receber o que os petistas lhe deviam, o baiano convenceu toda a audiência naquele que foi apontado por muitos militantes como o dia mais trágico da história do PT.
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"Não quero ficar de santinho, hipócrita ou cínico. Ou recebia assim ou não recebia. Eu tinha contas a pagar. Ou recebia assim ou tomava o cano", declarou o publicitário, na época.
O desafio de Duda, desta vez, é recompor a pose de bom moço, vítima de uma emboscada, diante das revelações de que não tem apenas uma conta no exterior. Autoridades americanas já informaram à Polícia Federal, ao Ministério Público e a integrantes da CPI dos Correios que tiveram acesso à documentação sigilosa que o marqueteiro mantém, lá fora, uma dezena de contas e duas empresas offshore.
Uma teia de mistérios e cautelas cerca o depoimento, que será fechado. No entanto, depois da revelação de que haveria novas contas e novas empresas em nome do publicitário, o relator da comissão, Osmar Serraglio (PMDB-PR), chegou a questionar a necessidade da presença do próprio Duda na CPI.
"Fico até em dúvida se deveríamos ter marcado isso com todas as amarras que temos", afirmou o deputado.
Até a oposição – que, após o primeiro depoimento, chegou a cogitar a possibilidade de pedir o impeachment de Lula – já não apresenta o mesmo entusiasmo com o que ele possa vir a revelar. Sub-relator da comissão, o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) não alimenta grandes expectativas com o depoimento do conterrâneo.
"Será uma audiência extremamente improdutiva. Ele virá disposto a não falar nada. Nós não tivemos acesso aos números e os dados não foram analisados o suficiente", argumentou.
O início das dúvidas
A análise feita pelos integrantes da CPI nos dados da Dusseldorf, a offshore com sede nas Bahamas e conta bancária no BankBoston em Miami por meio da qual Duda recebeu o pagamento do PT, revelou valores diferentes entre o declarado pelo publicitário e o efetivamente encontrado na conta. Apareceram US$ 300 mil (cerca de R$ 600 mil) a mais nos extratos das 15 contas, de oito bancos diferentes, que abasteceram a Dusseldorf.
A Polícia já indiciou o publicitário por evasão de divisas e lavagem de dinheiro por ter feito remessas para a conta Dusseldorf, nos EUA, sem o devido registro do Banco Central e sem declarar os valores à Receita Federal.
“Existem discrepâncias em relação ao que ele falou na CPI”, disse o relator da CPI, Osmar Serraglio (PMDB-PR) após ter tido acesso aos extratos da conta enviados pelas autoridades americanas. “Não temos dúvida: Duda mentiu à CPI”, disse o deputado Eduardo Paes (RJ), relator-adjunto, no início do mês.
Embora vá falar à comissão reservadamente, o publicitário não quer correr riscos de sair preso. Na última segunda-feira, ele conseguiu um habeas-corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) para depor à CPI na condição de investigado e ter o direito de não produzir provas contra si.
Saia-justa
Muita coisa mudou desde o primeiro depoimento de Duda, em agosto. A CPI e as autoridades brasileiras e americanas já descobriram outras nove contas e duas empresas em nome do publicitário ou de pessoas ligadas a ele no exterior (veja quadro).
Além dessas contas, o marqueteiro de Lula terá de explicar à CPI algumas transações comerciais feitas no período. Veja uma relação de questionamentos preparada pelo Congresso em Foco a que Duda terá de responder.
O que Duda terá de explicar:
1) As relações da Dusseldorf: O publicitário disse em agosto à CPI que abriu a empresa Dusseldorf, off-shore com sede nas Bahamas e conta bancária no BankBoston em Miami, a pedido do empresário Marcos Valério e do ex-tesoureiro Delúbio Soares em março de 2003. Nela recebeu R$ 10,5 milhões (US$ 3,5 milhões no câmbio da época) relativos a dívidas de campanha do presidente Lula, do senador Aloizio Mercadante (SP) e dos candidatos petistas derrotados aos governos de São Paulo (José Genoino) e Rio de Janeiro (Benedita da Silva). “Essa conta (aberta em uma offshore nas Bahamas) foi aberta 100% para receber o dinheiro dele (Marcos Valério)”, disse Duda, à época.
Documentos das autoridades americanas remetidos ao Brasil indicam, no entanto, que a conta teria sido aberta em fevereiro de 2003, um mês antes do acerto entre Duda e Valério. A quebra de sigilo da Dusseldorf também revelou que havia depositado na conta US$ 300 mil (cerca de R$ 600 mil) a mais do que o declarado por Duda a CPI, ou seja, R$ 11,1 milhões (US$ 3,8 milhões).
2) O doleiro que pagou Duda: Posteriormente ao depoimento de Duda à CPI dos Correios, o empresário Marcos Valério foi à extinta CPI do Mensalão e disse que o publicitário mentiu. “Fui procurado pelo Delúbio, que me incumbiu de pagar o Duda, por meio da Zilmar. Fiz os pagamentos à pessoa que ela indicou, o consultor financeiro de nome Jader”, rebateu Valério à CPI do Mensalão.
O doleiro, segundo os advogados de Duda, era o mineiro Jader Kalid Antônio. Depois de ter negado inicialmente qualquer relação com o publicitário, Jader admitiu, em depoimento à Polícia Federal, ser o “procurador” da conta Kanton, uma das seis principais fontes dos recursos que abasteceram a Dusseldorf.
Jader, que não revelou à PF o dono da conta Kanton, disse que creditou US$ 131,8 mil na Dusseldorf, de Duda, a pedido de Cristiano Paz, um dos sócios de Valério. A remessa foi realizada no dia 16 de junho de 2003.
3) Fornecedores pagos com o dinheiro da Dusseldorf: O publicitário nunca informou nem à CPI nem à Polícia Federal quais fornecedores da campanha de 2002 foram pagos com os R$ 10,5 milhões que ele recebeu de Valério da Dusseldorf.
4) Por que transferiu R$ 4 milhões antes de depor: Em janeiro, a Folha de S.Paulo noticiou que Duda transferiu, dias antes de depor na CPI dos Correios, em agosto passado, R$ 4 milhões de sua conta no BankBoston para outras pessoas. Segundo o jornal, o publicitário repassou R$ 500 mil para um genro, R$ 2,5 milhões para a empresa de seus cinco filhos e R$ 1 milhão para a agência Duda Mendonça Associados.
O advogado do publicitário, Tales Castelo Branco, disse à Folha que a data da transação foi uma coincidência e que os valores devem-se a empréstimos “da vida privada” de Duda. “Se ele quisesse esconder, sacava o dinheiro e deixava em casa. Ele não ia fazer um empréstimo para o genro nem tirar dinheiro da pessoa física para emprestar para uma empresa dele. Ele não emprestou para a empresa do vizinho ou para terceiros”, declarou o advogado.
Parlamentares da CPI dos Correios acreditam, entretanto, que as transferências tenham sido motivadas pelo temor do publicitário de ter o dinheiro retido, caso fosse decretado um bloqueio judicial de seus bens.
5) Bilionária movimentação e contratos públicos: No final de janeiro, o sub-relator de Movimentações Financeiras da CPI dos Correios, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), revelou que, em sete contas de pessoa física e cinco de empresas, Duda movimentou R$ 1,3 bilhão entre os anos de 2000 e 2005. A espantosa movimentação financeira, contudo, não quer dizer que tenha havido irregularidades.
A maior parte dos recursos recebidos nas contas de Duda veio dos contratos dele com o governo Lula. Durante a crise, o publicitário perdeu a conta da Presidência da República, mas mantém o contrato com a Petrobras.
6) Depósito para vice-governador de Minas: Em fevereiro, reportagem de O Estado de S. Paulo revelou, com base nos dados da quebra de sigilo da CPI dos Correios, que uma das empresas do vice-governador de Minas, Clésio Soares de Andrade (PL), depositou R$ 200 mil na conta da CEP Comunicação e Estratégia Política, empresa de marketing político de Duda. Ao jornal, Clésio e Duda deram versões conflitantes para justificar as operações realizadas em 2003.
Os técnicos da CPI rastrearam até agora duas transferências. Ambas partiram da Pampulha Transportes Ltda, empresa de Clésio que opera linhas de ônibus em Belo Horizonte, capital administrada por Fernando Pimentel (PT). Por meio da mesma CEP, Duda produziu a campanha à reeleição de Pimentel em 2004.
Tales Castelo Branco, advogado de Duda, afirmou que os depósitos referiam-se a uma pesquisa de diagnóstico de natureza política prestada pela empresa de Duda ao vice-governador, mas não deu mais detalhes sobre o contrato. “Foram serviços para o Clésio como pessoa física, mas que ele pagou por essa empresa (Pampulha Transportes)”, garantiu.
Por sua vez, Clésio, que é presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), confirmou ter pagado Duda por uma pesquisa, mas as semelhanças entre as justificativas pararam por aí, observou o Estadão. “A empresa Pampulha Transportes pagou à empresa CEP Comunicação a importância de R$ 200 mil por serviços prestados de pesquisa e levantamento de informações de mercado, afirmou Clésio, por meio de nota. Esclareço ainda que tais serviços se deram em função do interesse da Pampulha Transportes em ingressar no setor de turismo.”
7) Novas contas: Por que, além da conta Dusseldorf, o publicitário tem outras nove contas no exterior. A que se destinavam essas contas?
8) Transações suspeitas: Ao longo das investigações, a CPI identificou várias transações financeiras suspeitas, noticiadas pela imprensa.
a) Payments: Segundo O Estado de S. Paulo, a Duda Mendonça & Associados Propaganda registrou 474 operações sob a rubrica payments entre agosto de 2003 e 2005. As transações somaram R$ 377 milhões. Não há informação nessas transações entre beneficiários e depositantes de dinheiro. Pelas características das operações, técnicos do Banco Central suspeitam que parte dessa quantia seja de remessas de dinheiro para o exterior, embora não descartem outra explicação para as transações.
b) Depósito para corretora: A quebra de sigilo da corretora Stockolos Avendis EB Empreendimentos, pertencente ao doleiro Lúcio Funaro, revelou uma transferência de R$ 19,7 mil para a conta pessoal de Duda no dia 12 de maio do ano passado. Essa transferência, até hoje, ainda não foi esclarecida. Funaro é suspeito de ter feito operações financeiras que teriam causado prejuízos a vários fundos de pensão, segundo a CPI.
c) Depósito para Delúbio: A quebra de sigilo das contas de Duda revelou que o publicitário repassou, em setembro de 2003, R$ 10 mil para o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. Duda e Delúbio disseram se tratar de um pagamento de Duda à aposta de que o prefeito José Serra nem chegaria ao segundo turno das eleições.
d) Campanhas com caixa dois: O publicitário é acusado de fazer campanhas com caixa dois não só para os petistas, mas para boa parte dos partidos.
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