Quase quatro horas de depoimentos e uma única resposta clara: “Não vou responder”. Foi dessa forma que o publicitário Duda Mendonça respondeu às dezenas de perguntas dos integrantes da CPI dos Correios, no último depoimento tomado antes da divulgação do relatório final dos trabalhos, no dia 21. Protegido por um habeas-corpus que lhe garantiu o direito ao silêncio, Duda frustrou o gran finale da comissão ao deixar dúvidas sobre como recebia pelas campanhas eleitorais realizadas pelo PT, inclusive a de Lula.
Longe do marqueteiro falante, que, em agosto passado à mesma CPI, confessou ter recebido R$ 10,5 milhões do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza no exterior do caixa dois petista, ele preferiu ficar calado. “Vou ter uma postura diferente de há sete meses, quando vim de espontânea vontade, abri meu coração e falei a verdade”, deu o tom, logo no início do depoimento.
Após o depoimento, Serraglio anunciou que no relatório final vai pedir o indiciamento do publicitário ao Ministério Público por crime de evasão de divisas. Estuda pedir também o indiciamento por obstrução de investigações. O segundo pedido de indiciamento, porém, dependerá de uma consulta ao departamento jurídico do Congresso para avaliar se Duda ultrapassou a proteção dada a ele pelo hábeas-corpus concedido pelo STF.
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“Tenho sido vítima de uma campanha difamatória. Tenho 30 anos de profissão, muitos dos senhores me conhecem”, afirmou. “Daquela vez desobedeci meus advogados, falei a verdade e fui a pessoa mais penalizada na CPI", disse Duda.
O publicitário permaneceu em silêncio na reunião reservada com os quatro parlamentares que tiveram acesso aos dados sigilosos de suas contas no exterior. Um acordo de cooperação das investigações, entre os integrantes da comissão e as autoridades americanas, impedem a CPI de divulgar informações sobre essas contas.
Sem emoção
Os deputados tentaram de tudo para fazer com que o outrora emotivo depoente abrisse o jogo. Duda, porém, manteve-se irredutível. Nos poucos momentos em que abriu a boca, adotou uma posição defensiva. “Eu já fui julgado”, respondeu ao deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), ao contar que tem sido vítima de um “linchamento político”.
O publicitário disse que falaria na hora certa. “Na ocasião certa falarei muito”, afirmou. Só respondeu a uma pergunta: acredita, sim, “em Deus”. E acha que vai ser absolvido pela justiça divina.
Grave precedente
A maioria dos integrantes da CPI externou sua frustração com a atitude de Duda. E criticaram-no duramente. Para o presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS), a atitude do publicitário abre um “grave precedente”. “O precedente é grave e poderia atingir os futuros trabalhos das comissões parlamentares de inquérito”, afirmou.
Delcídio ressaltou que, ao longo dos vários depoimentos prestados à CPI, jamais viu alguém ter “esse comportamento”. “Eu não presenciei em nenhuma das oitivas uma atitude tão dura e drástica como a de hoje.”
Professor universitário de Direito, Serraglio também criticou a chamada “subjetividade” do alcance do salvo conduto dado pelo Supremo. “(O único) quem sabe se o que o depoente falar vai incriminá-lo é ele mesmo”, observou o relator da comissão.
Falência do sistema
Pouco antes, o sub-relator de Movimentação Financeira, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), tentou ouvi-lo sobre os recursos mantidos por Duda no exterior e suspeitos repasses do publicitário para envolvidos no valerioduto (leia lista de perguntas sem respostas de Duda formuladas pelo Congresso em Foco). Fruet havia classificado como “falência do sistema de depoimentos” a estratégia de Duda. “Algo precisa impedir que isso aconteça”, advertiu.
“(Esse silêncio) é absolutamente compreensível sobre o aspecto criminal”, disse. “Nós encontramos todo o tipo de dificuldade (durante as investigações), mas a falência do sistema é absoluta”, observou Fruet, cujas perguntas ficaram todas sem respostas.
Obstrução das investigações
Até mesmo petistas criticaram duramente o publicitário. “No nosso modo de ver, equivale a obstrução da justiça. Existem muitas perguntas que servem para esclarecer o conjunto das perguntas da CPI (feitas no depoimento anterior e que, em tese, não estariam resguardadas pelo sigilo)”, disparou.
Mas a deputada Juíza Denise Frossard (PPS-RJ) afirmou que não caberia à comissão medir a “mentira do depoente”. “Não nos cabe medir a mentira”, disse. “É a lei que é assim e nós não somos juízes de direito, mas sim parlamentares”, completou Frossard. Segundo ela, a omissão pode aumentar a pena do publicitário na justiça, caso ele seja condenado.
Uma das poucas perguntas a que Duda respondeu foi a do deputado Carlos William (PTC-MG), que perguntou se ele acreditava em Deus. "Sim, deputado, eu acredito em Deus."
O que Duda não explicou
1) As relações da Dusseldorf: O publicitário disse em agosto à CPI que abriu a empresa Dusseldorf, off-shore com sede nas Bahamas e conta bancária no BankBoston em Miami, a pedido do empresário Marcos Valério e do ex-tesoureiro Delúbio Soares em março de 2003. Nela recebeu R$ 10,5 milhões (US$ 3,5 milhões no câmbio da época) relativos a dívidas de campanha do presidente Lula, do senador Aloizio Mercadante (SP) e dos candidatos petistas derrotados aos governos de São Paulo (José Genoino) e Rio de Janeiro (Benedita da Silva). “Essa conta (aberta em uma offshore nas Bahamas) foi aberta 100% para receber o dinheiro dele (Marcos Valério)”, disse Duda, à época.
Documentos das autoridades americanas remetidos ao Brasil indicam, no entanto, que a conta teria sido aberta em fevereiro de 2003, um mês antes do acerto entre Duda e Valério. A quebra de sigilo da Dusseldorf também revelou que havia depositado na conta US$ 300 mil (cerca de R$ 600 mil) a mais do que o declarado por Duda a CPI, ou seja, R$ 11,1 milhões (US$ 3,8 milhões).
2) O doleiro que pagou Duda: Posteriormente ao depoimento de Duda à CPI dos Correios, o empresário Marcos Valério foi à extinta CPI do Mensalão e disse que o publicitário mentiu. “Fui procurado pelo Delúbio, que me incumbiu de pagar o Duda, por meio da Zilmar. Fiz os pagamentos à pessoa que ela indicou, o consultor financeiro de nome Jader”, rebateu Valério à CPI do Mensalão.
O doleiro, segundo os advogados de Duda, era o mineiro Jader Kalid Antônio. Depois de ter negado inicialmente qualquer relação com o publicitário, Jader admitiu, em depoimento à Polícia Federal, ser o “procurador” da conta Kanton, uma das seis principais fontes dos recursos que abasteceram a Dusseldorf.
Jader, que não revelou à PF o dono da conta Kanton, disse que creditou US$ 131,8 mil na Dusseldorf, de Duda, a pedido de Cristiano Paz, um dos sócios de Valério. A remessa foi realizada no dia 16 de junho de 2003.
3) Fornecedores pagos com o dinheiro da Dusseldorf: O publicitário nunca informou nem à CPI nem à Polícia Federal quais fornecedores da campanha de 2002 foram pagos com os R$ 10,5 milhões que ele recebeu de Valério da Dusseldorf.
4) Por que transferiu R$ 4 milhões antes de depor: Em janeiro, a Folha de S.Paulo noticiou que Duda transferiu, dias antes de depor na CPI dos Correios, em agosto passado, R$ 4 milhões de sua conta no BankBoston para outras pessoas. Segundo o jornal, o publicitário repassou R$ 500 mil para um genro, R$ 2,5 milhões para a empresa de seus cinco filhos e R$ 1 milhão para a agência Duda Mendonça Associados.
O advogado do publicitário, Tales Castelo Branco, disse à Folha que a data da transação foi uma coincidência e que os valores devem-se a empréstimos “da vida privada” de Duda. “Se ele quisesse esconder, sacava o dinheiro e deixava em casa. Ele não ia fazer um empréstimo para o genro nem tirar dinheiro da pessoa física para emprestar para uma empresa dele. Ele não emprestou para a empresa do vizinho ou para terceiros”, declarou o advogado.
Parlamentares da CPI dos Correios acreditam, entretanto, que as transferências tenham sido motivadas pelo temor do publicitário de ter o dinheiro retido, caso fosse decretado um bloqueio judicial de seus bens.
5) Bilionária movimentação e contratos públicos: No final de janeiro, o sub-relator de Movimentações Financeiras da CPI dos Correios, deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), revelou que, em sete contas de pessoa física e cinco de empresas, Duda movimentou R$ 1,3 bilhão entre os anos de 2000 e 2005. A espantosa movimentação financeira, contudo, não quer dizer que tenha havido irregularidades.
A maior parte dos recursos recebidos nas contas de Duda veio dos contratos dele com o governo Lula. Durante a crise, o publicitário perdeu a conta da Presidência da República, mas mantém o contrato com a Petrobras.
6) Depósito para vice-governador de Minas: Em fevereiro, reportagem de O Estado de S. Paulo revelou, com base nos dados da quebra de sigilo da CPI dos Correios, que uma das empresas do vice-governador de Minas, Clésio Soares de Andrade (PL), depositou R$ 200 mil na conta da CEP Comunicação e Estratégia Política, empresa de marketing político de Duda. Ao jornal, Clésio e Duda deram versões conflitantes para justificar as operações realizadas em 2003.
Os técnicos da CPI rastrearam até agora duas transferências. Ambas partiram da Pampulha Transportes Ltda, empresa de Clésio que opera linhas de ônibus em Belo Horizonte, capital administrada por Fernando Pimentel (PT). Por meio da mesma CEP, Duda produziu a campanha à reeleição de Pimentel em 2004.
Tales Castelo Branco, advogado de Duda, afirmou que os depósitos referiam-se a uma pesquisa de diagnóstico de natureza política prestada pela empresa de Duda ao vice-governador, mas não deu mais detalhes sobre o contrato. “Foram serviços para o Clésio como pessoa física, mas que ele pagou por essa empresa (Pampulha Transportes)”, garantiu.
Por sua vez, Clésio, que é presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), confirmou ter pagado Duda por uma pesquisa, mas as semelhanças entre as justificativas pararam por aí, observou o Estadão. “A empresa Pampulha Transportes pagou à empresa CEP Comunicação a importância de R$ 200 mil por serviços prestados de pesquisa e levantamento de informações de mercado, afirmou Clésio, por meio de nota. Esclareço ainda que tais serviços se deram em função do interesse da Pampulha Transportes em ingressar no setor de turismo.”
7) Novas contas: Por que, além da conta Dusseldorf, o publicitário tem outras nove contas no exterior. A que se destinavam essas contas?
8) Transações suspeitas: Ao longo das investigações, a CPI identificou várias transações financeiras suspeitas, noticiadas pela imprensa.
a) Payments: Segundo O Estado de S. Paulo, a Duda Mendonça & Associados Propaganda registrou 474 operações sob a rubrica payments entre agosto de 2003 e 2005. As transações somaram R$ 377 milhões. Não há informação nessas transações entre beneficiários e depositantes de dinheiro. Pelas características das operações, técnicos do Banco Central suspeitam que parte dessa quantia seja de remessas de dinheiro para o exterior, embora não descartem outra explicação para as transações.
b) Depósito para corretora: A quebra de sigilo da corretora Stockolos Avendis EB Empreendimentos, pertencente ao doleiro Lúcio Funaro, revelou uma transferência de R$ 19,7 mil para a conta pessoal de Duda no dia 12 de maio do ano passado. Essa transferência, até hoje, ainda não foi esclarecida. Funaro é suspeito de ter feito operações financeiras que teriam causado prejuízos a vários fundos de pensão, segundo a CPI.
c) Depósito para Delúbio: A quebra de sigilo das contas de Duda revelou que o publicitário repassou, em setembro de 2003, R$ 10 mil para o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares. Duda e Delúbio disseram se tratar de um pagamento de Duda à aposta de que o prefeito José Serra nem chegaria ao segundo turno das eleições.
d) Campanhas com caixa dois: O publicitário é acusado de fazer campanhas com caixa dois não só para os petistas, mas para boa parte dos partidos.
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