Um mês antes do Natal, as passagens aéreas chegaram pelo correio. O roteiro era simples e até agradável. Sairia de Brasília às 20h40 com destino a Salvador. De lá, partiria para o Rio Grande do Norte e, no início da madrugada, hora local, o avião pousaria na capital potiguar. Liguei para uns amigos dizendo que sairia do aeroporto Augusto Severo nos primeiros minutos do dia 24 e que gostaria de ver o mar.
Mesmo que as praias urbanas de Natal sejam palco do turismo sexual mais asqueroso, onde estrangeiros dão as suas migalhas de euro e desfilam sorridentes com meninas pobres locais, o meu plano era de sentir o cheiro do mar junto com alguns bons amigos na madrugada da véspera do Natal.
No entanto, meus planos morreram. Assim como o de milhares de outros brasileiros, não cheguei ao meu destino na hora marcada. O martírio começou no aeroporto de Brasília, no dia 23, quando esperei três horas e meia para conseguir fazer o check-in. A poucos metros do guichê da companhia aérea, iniciou-se a sucessão de escândalos.
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Uma mulher entra em desespero e aos gritos afirma que tem que embarcar. “Eu estou sozinha aqui. Meu marido já embarcou. Eu estou há mais de cinco horas nessa fila. O que vocês estão fazendo é desumano.” E tremendo, ela sentou-se no chão para iniciar o luto de seu Natal.
A expressão dos passageiros é de pura desolação. Crianças de colo choram sem parar. Adultos choram discretamente. Alguns explodem e insultam os funcionários da companhia aérea, que também são vítimas da situação patética de ser brasileiro. Outros, enxugando as lágrimas, trocam as suas histórias tristes com os outros. E nesse escambo de misérias, as horas teimavam em não passar.
O cansaço era gritante. Um homem velava pelo sono de sua mulher, que usava uma mochila como travesseiro para dormir no chão da fila. Aquilo era um cenário de guerra. E lá estavam os derrotados a aguardar os seus vôos. Um rapaz insulta veementemente um funcionário da TAM, que não suporta e revida a agressão verbal. Ninguém era capaz de informar nada com precisão, por menor que fosse. E o vôo que me levaria a Salvador não tinha hora para sair de Brasília…
De repente, o embarque é imediato. Despeço-me de minha noiva e corro até o portão 4 do aeroporto internacional presidente Juscelino Kubitschek. Perto da meia-noite, o avião deixa Brasília. E a minha espera nem tinha começado.
Chego à Bahia a 1h da manhã, horário local. Aguardo seis horas no salão de embarque do aeroporto Deputado Luís Eduardo Magalhães para conseguir embarcar. Além do tradicional medo de voar, também temia não resistir ao cansaço e dormir por ali, perdendo dessa forma o vôo para a capital potiguar. Quase chegando ao meu destino, ouço o comandante do vôo 3304 informar aos passageiros que a temperatura em Natal está agradável (27°). Ele também pede desculpas pelos transtornos causados. “Em todos esses anos de profissão, nunca vi uma situação como essa. Desejo um feliz Natal para vocês. Porque o nosso não será bom”, informou a voz metálica que saia da cabine do avião.
Chego a Natal às 8h40 do dia 24 de dezembro. O cansaço e o desgosto com a situação fizeram com que o medo de avião diminuísse temporariamente. Porém, o abraço na mamãe, depois desse inferno, foi mais demorado. Não bebi com meus amigos, não senti o cheiro do mar na madrugada. E Natal continua fervendo. Em especial, para turistas estrangeiros…
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