Em todo o primeiro semestre deste ano, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) só fez dois pronunciamentos na tribuna do plenário. No primeiro, em 6 de fevereiro, apoiou realização de sessão temática para discutir a violência e a segurança pública no Brasil. No segundo, exatos quatro meses depois, em 6 de junho, solicitou ao governo Michel Temer (MDB) apoio das forças de segurança para combater o crime em Minas Gerais (MG). Parece um mero registro de participação em plenário, mas é mais do que isso. No caso do tucano, é uma das demonstrações de que o ex-presidenciável, antes protagonista da política nacional, passou a ocupar um patamar secundário no Congresso desde a revelação das gravações de conversas com Joesley Batista, dono da JBS, que transformaram o senador em réu no Supremo Tribunal Federal (STF). De lá para cá, Aécio só apresentou dois projetos (leia mais abaixo), outro sinal de enfraquecimento.
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Para efeito de comparação, só em 2014, ano em que travou a disputa contra a reeleição de Dilma Rousseff (PT), o senador mineiro fez 14 pronunciamentos na tribuna – situações que geralmente consomem minutos, mas que, a depender da natureza do discurso, podem chegar a uma, duas ou mais horas de fala. Naquele ano, fez todo tipo de discurso pela moralidade, defendeu a criação da CPI da Petrobras, exaltou os 20 anos do Plano Real e respondeu a provocações de adversários, principalmente petistas, com desenvoltura. Mas, nos últimos meses, o púlpito do Senado lhe tem servido mais como palco de defesa contra denúncias.
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Foram oito pronunciamentos de Aécio em 2017, quando veio a público a gravação em que pede R$ 2 milhões a Joesley – propina, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), que o denunciou por corrupção e obstrução de Justiça ao STF. Empréstimo, de acordo com a versão dele. Em 4 de abril do ano passado, uma sinalização de que uma tempestade estava a caminho: o discurso serviu para rebater reportagem de capa da revista Veja segundo a qual o tucano recebeu propina da Odebrecht, empreiteira-pivô do esquema de corrupção desvendado na Operação Lava Jato. Naquele dia, como o Congresso em Foco mostrou, Aécio ainda via manifestado em plenário, em 13 apartes, o apoio de que gozava nos tempos de presidenciável.
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Em 2015 e em 2016, sempre conforme registros oficiais do Senado, Aécio fez 25 e 26 pronunciamentos, respectivamente. Em 2016, ano que antecedeu a explosiva delação premiada de Joesley Batista – também denunciado por corrupção –, foram constantes as manifestações do tucano na tribuna para defender o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Naquele ano, o senador personificava em plenário o grupo que, derrotado nas urnas dois anos antes, ganhou força política diante da fragilidade da petista.
Dois projetos
Mas não foi só o poder de fala de Aécio que perdeu vigor desde a avalanche de denúncias que passaram a alvejar Aécio nos últimos anos. Primeiro integrante do PSDB réu na Lava Jato no STF, o tucano é alvo de nove inquéritos na Corte. Desde a mais contundente delas, a relativa à delação de Joesley, a produção legislativa do senador apresentou uma queda significativa: da participação nas principais discussões em plenário até a apresentação de proposições diversas – projetos de lei (PL), propostas de emenda à Constituição (PEC) etc.
Desde fevereiro de 2011, quando deu início ao mandato no Senado, Aécio apresentou 216 proposições, requerimentos e outros instrumentos legislativos, mas apenas 52 delas são PLs, PECs ou projetos de resolução. Dessas 52, apenas duas foram apresentadas pelo senador depois das revelações de Joesley Batista: o PL 223/2017, que altera o instituto da adoção; e o PL 56/2018, que dispõe sobre o direito de convivência da criança ou do adolescente com pais privados de liberdade ou sob medida socioeducativa.
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Nos primeiros anos de mandato, quando o tucano desempenhava seu papel de oposição a Dilma, a maioria das proposições apresentadas era de requerimentos para que ministros da petista, entre outras autoridades, dessem explicações por questões diversas ao Senado. Foram 163 os requerimentos de informação e esclarecimento, além de uns poucos que solicitavam, por exemplo, apenas a retirada de pauta de projetos ou emendas.
Aécio também era escolhido para relatar mais matérias antes do furacão Joesley. De 2011 até hoje, foram 57 relatorias de projeto, das quais apenas duas designadas depois da veiculação das gravações da JBS: uma para o PL 148/2007, que inclui municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene); e outra para o Ofício 62/2017, que formalizou a indicação de Sérgio Santos Rodrigues para o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
Duas visões
Nada de errado com a atual performance do senador, disse à reportagem o líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC). “Não tenho nenhuma queixa ou observação a fazer desse assunto, porque ele tem comparecido ao plenário, tem votado todas as matérias, participado de todas as reuniões de bancada. Tem mantido comigo diálogo frequente sobre assuntos dos projetos e demais matérias”, defendeu o tucano, acrescentando que não fará “julgamento” sobre a atual conduta do colega. “É uma questão de foro íntimo dele.”
Paulo Bauer afirmou ainda que o fato de Aécio ter deixado a presidência do PSDB e se afastado, ao menos por enquanto, da corrida eleitoral de fato o tiram do foco. Quanto às denúncias, o senador catarinense disse que isso é coisa do passado. “Isso é um assunto tão antigo, que já rendeu tanto. Acho que já nem tem mais relação com qualquer procedimento, qualquer forma de conduta dele. Aliás, o Joesley Batista já está sendo questionado na própria Justiça”, arrematou Bauer.
Líder da Minoria no Senado, Humberto Costa (PE) diz discordar e vê Aécio, de fato, fragilizado no cotidiano legislativo. “O mandato dele ficou muito tumultuado. Depois daquela história toda, de a maioria do Senado ter se colocado contra a prisão domiciliar, isso termina interferindo diretamente no mandato. Acho que ele ficou meio abalado”, ponderou o petista, para quem o próprio processo de defesa de Aécio também o tem consumido.
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“Há muitas questões envolvendo a defesa dele. Isso realmente deve tomar um tempo grande. Agora, se você olhar direitinho, ele também não tinha lá essas grandes atuações, porque era o presidente nacional do PSDB. Tinha mais compromissos com o partido do que aqui”, arrematou Humberto, ironizando ao ser informado sobre os dois discursos de Aécio em 2018. “Acredito que um deles tenha sido para se defender.”
Afastado da presidência do PSDB e, na primeira vez, do próprio mandato em 18 de maio de 2017, Aécio passou um longo período ausente das discussões do Senado e sequer tinha autorização para entrar no Congresso até 17 de outubro, quando seus pares definitivamente lhe devolveram o exercício do mandato. Nesse período de cinco meses, quando chegou a estar sob regime de recolhimento domiciliar noturno, o senador pôde usar a questão judicial para justificar faltas de 16 sessões de votação, deixando apenas uma delas sem explicação (cinco ausências totais e 44 presenças). Com a possibilidade regimental, o tucano ficou longe de figurar entre os mais faltosos de 2017, lista encabeçada por Jader Barbalho (MDB-PA).
Minas no retrovisor
Antes confortável nas dependências do Congresso, Aécio era visto como o herdeiro político do ex-governador de Minas e presidente eleito Tancredo Neves (1910-1985), seu avô. Por outro lado, mesmo na condição de uma das figuras máximas do PSDB e cortejado por partidos do mesmo espectro ideológico, como o DEM, o senador convivia com críticas de que não dava a atenção necessária, como parlamentar, a Minas Gerais, seu reduto eleitoral, e preferia estar no Rio de Janeiro, onde tem casa.
“O que pesa sobre Aécio é que ele abandonou Minas Gerais”, disse ao Congresso em Foco uma fonte de interlocução privilegiada no ninho tucano e do entorno de Aécio no Senado. Para essa fonte, o senador ainda está “tímido” em relação ao papel de protagonismo que chegou a exercer, mas ainda opera nos bastidores e mantém certa influência em setores do tucanato.
A fonte diz que os próceres do PSDB mineiro tendem a se afastar de Aécio na campanha eleitoral deste ano, em razão do eventual poder de contaminação das denúncias que pesam sobre ele. Como este site mostrou em 28 de maio, o senador não deverá disputar a reeleição e sequer deve participar do pleito deste ano, justamente em função de sua alta rejeição popular. A decisão tem duplo objetivo: evitar a constrangedora falta de apoio interno à sua candidatura e, externamente, não atrapalhar o desempenho dos pré-candidatos do PSDB à Presidência da República e ao governo de Minas, Geraldo Alckmin e Antonio Anastasia.
Ontem (terça, 26), o PSDB celebrou 30 anos de fundação com o constrangimento de ter que camuflar Aécio em ano eleitoral. Em reunião da executiva nacional em Brasília, a militância sentiu a falta não só do senador, mas também de nomes como Fernando Henrique Cardoso, um dos fundadores e presidente de honra do partido. Aécio não discursa no vídeo comemorativo (veja abaixo) lançado para a ocasião, e só em uma sequência acelerada de fotos pôde se fazer presente. Assim mesmo, bem mais novo e ao lado ao avô.
A reportagem tentou contato com Aécio, por telefone e e-mail, mas não obteve retorno até a conclusão desta matéria.
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