Marcus Vinicius de Azevedo Braga e Temístocles Murilo Oliveira Junior *
Certa feita, em um evento de gestão pública realizado anos atrás, determinado expositor bradou de forma efusiva a máxima “o controle cresceu mais do que a gestão” em um discurso contrário aos avanços das instituições que labutavam no combate e na prevenção da corrupção – e que revelava, na verdade, uma suposta oposição “paretiana” entre essas duas dimensões, na qual se uma cresce, a outra diminui.
Uma pseudo dicotomia, que faz tremer no túmulo os pais fundadores da Administração, como Fayol e Taylor, bem como os baluartes da Ciência Política, à feição de Montesquieu e Locke. Uma antítese infértil, que quer enxergar governos como empresas, como se estas não investissem na função controle. Visão que reduz a ideia da legitimidade do agir governamental, pois iguala o conceito de qualidade do gasto público à mera avaliação de metas unidimensionais e despreza a importância da integridade na ação pública, como um valor básico do republicanismo e da democracia, noções que vêm sendo construídas pela Humanidade há milênios.
Essa oposição continua pairando nas rodas de conversa sobre a vida pública, contaminadas por um pensamento de que seria melhor se o controle somente observasse os resultados e, ainda, que se poderia atingir as metas sem a adoção de mecanismos de controle adequados. Percepções de que sempre “mais controle” significaria “mais burocracia” e, consequentemente, “menos resultados”. Para outros, em posições diametralmente opostas, “mais gestão” seria “mais autonomia” e, por conseguinte, mais desvios ocorreriam.
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As modernas democracias da América Latina do Século XXI não podem prescindir desses dois gigantes temáticos, envoltos em novas denominações: a governança e a accountability. Palavras de uso seleto, de múltiplos significados, mas que combinadas retratam conceitos essenciais à materialização de uma sociedade justa, próspera e desenvolvida, com direitos sociais e com serviços públicos de qualidade, no contexto do ideal de democracia e republicanismo que alimentamos.
A governança, tão em voga, afina-se com a ideia de mobilização de recursos para o atingimento de resultados, com eficiência e eficácia. O Estado, cada vez mais complexo, cada vez mais presente, necessário à promoção do desenvolvimento, demanda se materializar em serviços de qualidade, que promovam o acesso à saúde, à educação, à regulação e a outros bens públicos que contribuam para o desenvolvimento, com inclusão. Resultado não é uma mágica que surge do acaso e sim fruto de ações que se inter-relacionam, e que são sujeitas a riscos, de toda ordem.
Accountability, sintetizada na eterna luta contra o abuso de poder diante dos excessos do Estado e as mazelas da condição humana, apresenta, na visão do argentino Guillermo O’Donnell, uma vertente horizontal, de órgãos empoderados que se controlam mutuamente; e uma dimensão vertical, da interação contínua da população com os governos, pelo voto ou pelo chamado controle social. Uma sinergia de dimensões que se fortalece nas atividades da chamada função controle, como as práticas de prestação de contas, promoção da transparência, auditoria governamental, ações de promoção da integridade, combate e prevenção da corrupção e o fortalecimento das respostas aos riscos. Uma pauta nova e pujante nas discussões da vida pública.
Dois irmãos temáticos. Dois gigantes. Não há gol sem a regra que proteja a rede de acordos. Não há estrutura que não se preste, na democracia, a produzir algo para a coletividade. O que é a corrupção, se não a quebra de acordos na busca de vantagens pessoais? O que são o desperdício e a ineficiência que não atitudes que prejudicam a materialização das políticas públicas?
Nesse sentido, importa perceber que tanto a governança quanto a accountability são vetores de aprimoramento da gestão pública, de um Estado mais eficiente e sustentável. Países desenvolvidos, aqueles que souberam levar suas burocracias a um patamar de excelência, valorizaram a gestão e seus princípios. Primaram pela boa governança, pela busca de resultados, mas não se descuidaram da accountability, dos mecanismos preventivos, em uma sinergia de controles e entregas, longe de um desenho burocratista ou gerencialista que divorcie os meios dos fins.
* Doutorandos em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Marcus Vinicius de Azevedo Braga e Temístocles Murilo Oliveira Junior são analistas de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União.
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