Documento obtido com exclusividade pelos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas revela o roteiro da fraude para a compra de ambulâncias pelas prefeituras com recursos de emendas parlamentares e comprova que a Planam articulava todo o esquema antes mesmo de a liberação dos recursos ser aprovada oficialmente pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS).
De acordo com a reportagem de Alessandra Mello, o primeiro passo era enviar um carta ao prefeito, após conversa por telefone, orientando sobre os procedimentos que deveriam ser adotados para viabilizar a aquisição da unidade móvel de saúde, entre eles o envio ao conselho municipal de saúde de um ofício informando que o município foi contemplado com uma ambulância.
“Para viabilizar a aquisição de uma unidade móvel de saúde, de autoria do deputado federal Cleuber Carneiro, no valor de R$ 90 mil, necessário se faz a adoção de alguns procedimentos”, diz um trecho do documento assinado pelo advogado mato-grossense Luiz Aires Cirineu, da Planam, e enviado para ao prefeito de Bonito de Minas, no norte de Minas, Aier Nonato de Souza Ferreira.
A então prefeitura comprou o veículo da Planam, em uma licitação montada, que contou com a participação de empresas fantasmas do Rio de Janeiro e da Bahia, uma ambulância superfaturada no valor de R$ 79.990. “O prefeito deverá enviar ofício ao conselho municipal da saúde informando que o município foi contemplado com uma unidade móvel de saúde, de autoria do deputado federal Cleuber Carneiro, no valor de R$ 90 mil, fazer constar no ofício o número da emenda e o seu valor, bem como a serventia da mesma aos munícipes, e no final pede (sic) para que o conselho autorize a compra”.
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“O conselho por sua vez se reunirá para apreciar o conteúdo do ofício e o responderá ao prefeito, aprovando a compra, é claro”, diz outro trecho do ofício, impresso em papel timbrado do escritório de advocacia de Cirineu, cujo nome aparecia no site da Planam, já retirado do ar, como representante da empresa para o Sudeste. A sede da Planam é em Cuiabá.
O documento também solicita dados para que a Planam faça o plano de trabalho, de responsabilidade exclusiva da prefeitura, e que precisa ser aprovado pelo FNS antes da assinatura do convênio. Entre as informações, pede o CPF do prefeito, o CNPJ da prefeitura, certidões do INSS, da Receita Federal, do FGTS e certidão negativa da dívida ativa.
O prefeito também é orientado a abrir uma conta bancária exclusiva para receber os recursos do convênio. Cirineu pede, ainda, que o prefeito junte todos os documentos necessários e os leve a Belo Horizonte para a o ato solene da assinatura do plano de trabalho, em “data a ser designada pelo deputado patrocinador da emenda”. O deputado Cleuber Carneiro nega qualquer tipo de ligação com a máfia das ambulâncias, disse que nunca ouviu falar de Cirineu e garante que nenhuma solenidade de assinatura foi realizada em seu gabinete. A reportagem não conseguiu localizar o ex-prefeito de Bonito de Minas para falar sobre a fraude.
A reportagem também mostra como funcionava o esquema no município mineiro de Piumhi. Além de custar bem acima do mercado, a ambulância está encostada no pátio da prefeitura, pois é totalmente imprópria para o transporte de pessoas, principalmente doentes. O veículo, uma caminhonete baú da marca Iveco, com duas macas, cinco cadeiras e um cilindro de oxigênio, custou aos cofres da prefeitura R$ 110.752. Ela chegou à cidade em maio de 2004, vinda diretamente de Cuiabá, para que o deputado Cabo Júlio pudesse entregá-la em uma solenidade oficial, mesmo sem estar pronta.
Nove dias depois retornou para Cuiabá para ter seus equipamentos internos alterados pela Planam. Todo o gasto com o deslocamento da ambulância foi por conta dos cofres do município. O carro foi levado pelo motorista Joel Alves Nogueira, que disse que na época não desconfiou de que pudesse haver fraude na compra do veículo.
Responsável por fazer a ponte entre o esquema de fraude e os parlamentares – autores das emendas que destinavam recursos do Orçamento da União para as prefeituras municipais comprarem as ambulâncias -, o advogado Luiz Aires Cirineu ia muitas vezes pessoalmente aos municípios para acompanhar o processo licitatório.
Em Piumhi, ele se apresentou como assessor do deputado federal Cabo Júlio (PMDB), um dos parlamentares investigados pela Polícia Federal por envolvimento com a máfia das ambulâncias, e autor da emenda que proporcionou a compra de um veículo pelo município. A logística de toda a fraude era articulada também por uma funcionária da Planam identificada como Stela.
A Polícia Federal suspeita que essa funcionária seja Maria Stela da Silva, uma das 47 pessoas presas em flagrante pela Operação Sanguessuga, e que consta da lista de indiciados pelo Ministério Público Federal do Mato Grosso. Atuando em nome de Cabo Júlio na cidade de Piumhi, Cirineu e Stela comandaram todo o esquema de fraude para a compra de uma ambulância superfaturada para o município.
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