Lúcio Lambranho
O dia 9 de dezembro foi de trabalho intenso para os integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Eles passaram sete horas reunidos fazendo uma exaustiva e reveladora leitura de 300 páginas de um relatório sobre atos de improbidade administrativa, fraudes em licitações, pagamentos indevidos para procuradores e promotores e desvio de dinheiro público no Ministério Público do Piauí. O corregedor-nacional do CNMP, conselheiro Sandro Neis, teve que determinar nada menos do que 186 providências para investigar casos apurados durante a inspeção feita por ele no Piauí, parte deles já revelados pela série de reportagens do Congresso em Foco iniciada em outubro de 2008.
Em entrevista ao site, o corregedor entende que o trabalho não será em vão. Cita casos de quem foi punido exemplarmente. “Assim como teve resultado toda a apuração no MP do Amazonas e que determinou sanções ao ex-procurador geral de Justiça neste ano”, comenta Neis. Ele lembra que, para 2010, novas inspeções devem acontecer em unidades do Ministério Público espalhadas pelo país.
Na Corregedoria Nacional do CNMP desde agosto deste ano, Neis chegou a ser vítima durante sua passagem pelo Piauí de uma espécie de “trote” aplicado pelos seus colegas promotores. Recebeu endereços de onde deveriam funcionar unidades do MP local, mas na visita aos locais o corregedor não encontrou nem sinal de promotores que deveriam defender os cidadãos no estado com o terceiro pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. Encontrou o caso de outro promotor que vivia na sua terra natal, Santa Catarina, mas que deveria dar expediente em uma promotoria do Piauí. Uma outra colega tentou apresentar comprovantes de residência, mas ficou constatado que ela morava no Ceará.
A descoberta de que havia uma chuva de desvios e mordomias no MP-PI não abalou a confiança de Neis, que entrou para o MP de Santa Catarina em 1992. Nesta entrevista ao Congresso em Foco, o corregedor se mantém otimista com a perspectiva de resultados semelhantes aos observados em julho deste ano contra integrantes do MP do Amazonas.
Naquela ocasião, por unanimidade, o CNMP decidiu aplicar ao promotor de Justiça Jonas Neto Camelo e ao procurador de Justiça e ex-procurador-geral de Justiça Vicente Augusto Cruz Oliveira, duas punições pesadas para os padrões da instituição. Camelo ganhou uma aposentadoria compulsória e Oliveira perdeu o cargo.
O caso faz lembrar o deputado Edmar Moreira (DEM-MG), que usou verba indenizatória da Câmara para pagar serviços de segurança privada em uma de suas empresas. Ambos os integrantes do MP amazonense compraram, por preço superfaturado, um imóvel situado em Apuí (AM), destinado à instalação de Promotoria de Justiça, que pertencia ao promotor de Justiça Jonas Neto Camelo.
Leia os principais trechos da entrevista.
Congresso em Foco – O senhor já tinha visto um rol de irregularidades tão grande como o que foi encontrado na sua inspeção e no processo do conselheiro Almino Afonso no Ministério Público do Piauí? Como o senhor classifica a situação neste órgão?
Sandro Neis – Nós temos uma situação constatada, especialmente através da inspeção, que nos gera preocupação. Tanto que todos os fatos foram apresentados publicamente sem nenhuma reserva e de forma transparente para que agora sejam instaurados os respectivos 186 procedimentos e sindicâncias.
O senhor não acha que a situação é grave demais no MP local, considerando-se que foram fornecidos dados errados para tentar confundir a sua inspeção, para que o procurador-geral de Justiça continue no cargo? Não seria o caso de pedir do afastamento do procurador-geral do MP-PI, Augusto Cézar Andrade?
O conselheiro Almino Afonso é que deve decidir sobre isso no seu voto e que pode chegar ao extremo de pedir o afastamento do procurador-geral de Justiça. Tecnicamente isso é possível. Não posso é adiantar meu voto, mas tudo será apurado, pode acreditar.
Além das irregularidades graves encontradas pelo CNMP o que também chama atenção é a penúria que vive o MP-PI na questão de estrutura de funcionamento do órgão. É possível solucionar esse problema?
A falta de estrutura é gritante. Isso ficou bem retratado no meu relatório, acredito. Isso chama muita atenção. Não se trata de não se ter um computador. Trata-se de não se ter uma sala ou uma mesa para os promotores trabalharem. Esperamos que a situação seja revertida com esse trabalho do CNMP.
Os pagamentos indevidos feitos aos procuradores e promotores constatados pela inspeção ainda continuam acontecendo?
A grande maioria dos valores repassados são verbas que foram repassadas em um determinado período como a conversão de licença prêmio em dinheiro. Agora é preciso instaurar o procedimento para que esses valores sejam devolvidos.
O senhor acredita que esse processo todo vai mudar a situação do MP Piauí?
Sim, assim como teve resultado toda a apuração no MP do Amazonas e que determinou sanções ao ex-procurador geral de Justiça neste ano. O processo de correição também deve funcionar no Piauí. Na última sessão do ano, vamos estabelecer um calendário para novas inspeções em outras unidades do Ministério Público.
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