Veja
Compram-se petistas
Diz-se nas ruas de terra do interior do Maranhão que a família Sarney é dona do estado. O clã tem sociedade em tudo. Se algo está no Maranhão, pertence aos Sarney. Eles detêm participações em TVs, rádios, jornais, fazendas, mansões, ilhas, ONGs, fundações, holdings… Nos últimos meses, na esperança de conquistar a única mercadoria que talvez ainda lhe escape, a família expandiu agressivamente os negócios. Passou a investir em petistas. Petistas? Sim, petistas – e no varejo. No mercado eleitoral do Maranhão, petistas aparentemente têm um preço. Os mais caros podem custar 40 000 reais. Na promoção, alguns saem pela metade desse valor: 20 000 reais. Esta, ao menos, é a cotação estabelecida pelos Sarney. Nas últimas semanas, operadores da família procuraram integrantes da direção do PT maranhense para fechar negócio. O produto a ser comerciado, no caso, é apoio político. A governadora Roseana Sarney, do PMDB, candidata à eleição, precisa desesperadamente assegurar a aliança com o PT, que chegou a declarar apoio ao candidato concorrente, do PCdoB.
As negociações começaram em razão do resultado da convenção estadual do PT, ocorrida em março, que deveria ratificar o apoio do partido à candidatura de Roseana Sarney. A lógica política dessa decisão deriva da aliança nacional entre os petistas e o PMDB, na qual o presidente da Câmara, deputado Michel Temer, deverá ser o vice na chapa de Dilma Rousseff. Pela natureza desse acordo, PT e PMDB obrigam-se a resolver diferenças que venham a surgir na formação dos palanques estaduais. E já surgiram muitas, como demonstra o notório salseiro armado em Minas Gerais. No Maranhão, porém, as dificuldades de união entre os dois partidos extrapolam quaisquer conveniências eleitorais. Ali, ambos são inimigos há décadas, desde que Sarney é Sarney e PT é PT – bem, ou eram, nos tempos em que havia distinções mais nítidas no mundo político. Na convenção petista de março, delineou-se alguma. Pela magra vantagem de 87 votos contra 85, os delegados do PT maranhense ignoraram as determinações da direção nacional do partido e resolveram apoiar formalmente a candidatura ao governo do deputado comunista Flávio Dino.
As compras começaram assim que se encerrou a convenção. Para reverter a derrota, o clã articulou um ardil político destinado a forçar a candidatura Roseana de cima para baixo. Petistas amigos prontificaram-se a montar um abaixo-assinado contrário à decisão tomada na convenção estadual e remetê-lo ao diretório nacional do partido. Com a medida, pretendia-se anular o apoio ao comunista e, ato contínuo, selar a aliança com o grupo de Sarney. Para elaborarem o abaixo-assinado, operadores de Roseana saíram à cata de petistas. VEJA localizou quatro que admitiram ter recebido a proposta de suborno para mudar de lado – e, portanto, subscrever o tal documento. Segundo esses depoimentos, o pagamento variava de 20 000 a 40 000 reais. Todos negaram ter aceitado a oferta. Um deles, entretanto, admitiu ter assinado a lista, mesmo depois de votar contra a aliança com o PMDB, o que não faz o menor sentido político.
Golpes na impunidade
O empresário cearense Zé Gerardo tinha tudo para fazer uma carreira política discreta e ser esquecido depois de deixar a vida pública. Eleito deputado três vezes, ele exerceu um único mandato no Executivo: foi prefeito de Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, entre 1997 e 2000. Essa passagem lhe garantiu um lugar na história. Zé Gerardo se tornou o primeiro político a ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde a promulgação da Constituição de 1988. No último dia 13, foi sentenciado a pagar uma multa de 50 salários mínimos e a passar dois anos na cadeia, pena que foi convertida em serviços comunitários. O delito de Zé Gerardo foi usar para outras finalidades 500 000 reais reservados para a construção de um açude. Sete dias depois, o Supremo condenou a três meses de prisão pelo mesmo crime o deputado Cássio Taniguchi (DEM-PR). Ex-prefeito de Curitiba, ele pagou precatórios judiciais com dinheiro de obras viárias. Zé Gerardo e Taniguchi ainda podem recorrer das sentenças e, por isso, também podem se reeleger em outubro. O destino político deles poderia ser outro, caso o Senado tivesse referendado o texto do Projeto Ficha Limpa que a Câmara dos Deputados aprovou há dez dias e que impedia todo e qualquer condenado em segunda instância de concorrer a mandatos. Os senadores preferiram dar um passo atrás. Pela versão enviada para sanção presidencial na semana passada, apenas quem for condenado a partir da aprovação final da lei ficará impedido de pleitear cargos eletivos.
A alteração feita pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) beneficia não só Zé Gerardo e Taniguchi, mas todos aqueles que já receberam alguma condenação. Muitos deles com folhas corridas bem mais longas e escabrosas. Do mesmo partido de Dornelles, o deputado Paulo Maluf (SP) é procurado pela Interpol e pode ser preso se sair do país. Já foi detido por coagir testemunhas e condenado na Justiça paulista por desvio de verba pública. Também responde a processos por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, ocultação de bens, crimes do colarinho-branco e de responsabilidade. Se o texto original do projeto tivesse sido aprovado na íntegra pelo Congresso, Maluf e outros tão enrolados quanto ele não poderiam concorrer em outubro. Na versão de Dornelles, porém, só valerão as condenações futuras proferidas em segunda instância. A alteração ganhou o apelido de “emenda Maluf” (como se fosse possível emendar Maluf).
Assim, vai acabar em CPI
Em outubro de 2007, na Suíça, a Fifa anunciou que o Brasil sediaria a Copa do Mundo de 2014. Era notícia boa, mas previsível. Único candidato a hospedar um dos maiores espetáculos esportivos do planeta, já se sabia pelo menos seis meses antes que o país entraria para a reduzida galeria das cinco nações com o direito de receber pela segunda vez uma Copa. Passada a euforia, foram selecionadas as cidades-sede dos jogos, elaborados os projetos de modernização dos estádios, elencadas as obras de infraestrutura necessárias, mas quase nada se fez para resgatar tudo isso do universo das intenções. Com os prazos cada vez mais exíguos, a única alternativa para evitar o vexame de perder o direito de sediar o campeonato é acelerar o cronograma. Na semana passada, o governo anunciou a liberação de 5 bilhões de reais para realizar obras nos aeroportos. Calcula-se que mais de 500 000 turistas visitarão o país durante a Copa. Construir e ampliar os terminais hoje já saturados, portanto, é imperativo. Ciente de que está numa corrida contra o tempo, o governo também enviou ao Congresso uma lei que agiliza o processo licitatório. As medidas parecem positivas, mas têm cara, jeito e cheiro de problema.
Em tese, eliminar parte da burocracia, espécie de irmã siamesa da corrupção, e dar mais agilidade ao governo para executar as obras são decisões elogiáveis sob o ponto de vista administrativo. A dúvida começa a surgir quando se observam os personagens envolvidos no processo e as experiências recentes. A bolada liberada pelo governo vai ser gerida pela Infraero, a estatal que cuida dos aeroportos brasileiros. Em 2007, a CPI que investigou o setor aéreo descobriu desvios de 500 milhões de reais em contratos da estatal com empreiteiras – as mesmas, aliás, que vão participar desta nova etapa de obras. Ou seja, mesmo com todo o rigor das regras licitatórias em vigor, meio bilhão de reais desapareceu por meio de fraudes em licitações e superfaturamento de preços. Dos treze aeroportos brindados agora com 5 bilhões de reais, quatro ainda estão com as obras paralisadas em razão de irregularidades identificadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Apenas na reforma do Aeroporto de Cumbica, justamente onde a situação é mais precária, foi identificado um superfaturamento de 254 milhões de reais – dinheiro que saiu do bolso dos contribuintes brasileiros e foi parar na conta bancária de larápios. Apesar disso, o governo pretende despejar ali mais 920 milhões de reais nos próximos anos.
Época
Quem tem a ficha suja?
Enquanto manifestava publicamente apoio ao projeto de Lei da Ficha Limpa, a norma que proíbe a candidatura de pessoas condenadas por colegiados de juízes, parte dos parlamentares atuava nos bastidores para desidratar o projeto. Em público, poucos deputados e senadores discordaram dos princípios da lei. Na hora da votação, porém, tentavam reduzir o número de situações que poderiam caracterizar uma “ficha suja”. Resultado: o projeto foi aprovado por unanimidade, mas segue para sanção presidencial cercado de indagações. A lei vai valer para a eleição deste ano? Os políticos já condenados estarão impedidos de se candidatar? O político de ficha suja que recorrer contra a impugnação de sua candidatura poderá disputar a eleição? A Justiça será rápida o suficiente para julgar os casos duvidosos antes da eleição?
A situação piorou na quarta-feira, quando o Senado aprovou o projeto sem discutir uma alteração feita pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ). O texto original dizia que a lei valeria para os políticos que “tenham sido condenados”. Dornelles substituiu esse trecho por “os que forem condenados”. A diferença parece pequena, mas abre margem para a interpretação de que a regra só valerá para quem for condenado após a sanção da lei. A mudança patrocinada por Dornelles poderá livrar um aliado com grandes chances de ser classificado imediatamente como “ficha suja”: Paulo Maluf (PP-SP), condenado por improbidade administrativa em sua gestão como prefeito de São Paulo (1993-1996).
Apesar da confusão, há um importante ponto do texto original que saiu ileso. O projeto veta a candidatura dos prefeitos que assumiram diretamente a responsabilidade pelas finanças municipais, assinando cheques e ordens de pagamento, e tiveram suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Para o juiz Márlon Reis, coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que fez campanha pela Lei da Ficha Limpa, esse será o maior impacto da nova lei. No Maranhão, estima-se que 90% dos prefeitos movimentem diretamente as contas municipais. A cada quatro anos, metade dessas prefeituras tem suas contas rejeitadas. José de Ribamar Furtado, conselheiro do Tribunal de Contas do Maranhão, diz que uma parte dos prefeitos mal-intencionados poderá recorrer a laranjas para movimentar as contas da prefeitura, “mas, se isso ocorrer, será facil detectar”.
De acordo com um levantamento do site Congresso em Foco, 152 deputados e senadores enfrentam hoje processos na Justiça e aguardam julgamento. Se condenados por um colegiado de juízes, ficarão com a ficha suja. A partir da condenação, eles ainda poderão recorrer contra a sentença e apostar na morosidade da Justiça para conseguir uma candidatura. Mas não há dúvidas de que a lei aprovada na semana passada, mesmo com todos os pontos em aberto, tende a tornar a vida mais complicada para eles.
Marina Silva: “O Brasil precisa antecipar o futuro”
Havia apenas duas coisas que Marina Silva desejasse quando era criança. A primeira, diz ela, era andar nos aviões que via sobrevoando a selva acriana onde nasceu. A segunda era ter uma fotografia sua. “Agora o que mais tenho feito é andar de avião e tirar foto”, disse Marina, na tarde da quinta-feira, ao se despedir de um rapaz que posara a seu lado para um retrato feito com celular no corredor do Senado. As viagens e as fotografias são parte do esforço de Marina para viabilizar sua candidatura à Presidência pelo Partido Verde. Ela tem corrido o Brasil tentando convencer os eleitores de que “não há nada mais potente do que uma ideia cujo tempo chegou”, como gosta de repetir, citando o poeta francês Victor Hugo. Marina flerta com o improvável. Na infância sobreviveu a cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose. Agora, com escassos 8% das intenções de voto e o menor tempo de TV entre os três principais candidatos, ela tem pela frente o desafio mais difícil da carreira. Com 52 anos e 51 quilos, se diz preparada. Em seu gabinete, no Senado, Marina falou a ÉPOCA sobre planos para um futuro governo e sobre suas memórias.
A estreita terceira via de Marina
Em agosto do ano passado, quando deixou o PT e se transferiu para o Partido Verde (PV), a senadora Marina Silva (AC) queria transformar-se em uma alternativa eleitoral à anunciada polarização entre a ex-ministra Dilma Rousseff, candidata governista ao Planalto, e o principal nome da oposição, o ex-governador de São Paulo José Serra, do PSDB. Na solenidade de filiação à nova legenda, Marina defendeu uma nova forma de gestão pública, com foco numa economia ambientalmente sustentável , e a revisão do programa do PV para incorporar outras bandeiras, além das ecológicas. Menos de cinco meses antes da eleição presidencial, o discurso da senadora ainda não surtiu efeito. Pelas últimas pesquisas, a disputa pela Presidência continua restrita a Dilma e Serra.
Na semana passada, dois acontecimentos deram nova energia à campanha de Marina. No dia 16 de maio, o PV formalizou em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a candidatura de Marina à Presidência da República. Em clima de festa, mais de 1.000 militantes verdes de todo o país prestigiaram a largada de Marina na corrida rumo ao Planalto. No palco, estava o cantor e compositor Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura de Lula, fundador do partido e um dos maiores entusiastas da candidatura Marina. Na mesma ocasião, os verdes anunciaram a segunda boa notícia. Depois de muitos meses de negociação, o empresário Guilherme Leal aceitou ocupar a vaga de vice na chapa de Marina. Sócio da Natura, empresa do ramo de cosméticos, Leal ficou bilionário adotando práticas mais compatíveis com o meio ambiente. A identificação com as causas ecológicas e, claro, a possibilidade de reforço no caixa fizeram de Leal o nome ideal para acompanhar Marina na busca dos votos dos eleitores.
Marina tem vontade de sobra para enfrentar os dois adversários mais fortes. Ela costuma se comparar à jaguatirica, um tipo de onça muito comum no Brasil, geralmente associada à imagem de ferocidade. O jeito delicado da senadora guarda pouca semelhança com a natureza violenta do felino, mas a referência ao animal dá uma ideia do espírito que ela pretende imprimir na campanha. Filha de uma família pobre do interior do Acre, a mulher que o PV quer levar ao Planalto trabalhou como seringueira e empregada doméstica para ajudar a sustentar os sete irmãos sobreviventes. Marina aprendeu a ler e escrever aos 16 anos pelo antigo Mobral, o programa de alfabetização do governo militar. A militância no PT proporcionou a Marina uma surpreendente trajetória política que a levou ao ministério de Lula, de onde saiu em maio de 2008, descontente com a falta de apoio para suas propostas.
A festa durou pouco, mas a ressaca….
Nos últimos meses, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sustentado a imagem de grande amigo do Irã e de seu líder, Mahmoud Ahmadinejad. Com tal posição, Lula se colocou ao lado de um personagem pouco respeitado na comunidade internacional. Quando fala em encontros internacionais, como a Assembleia-Geral da ONU, Ahmadinejad espanta ouvintes da sala. É um extremista religioso que reúne, entre seus amigos mais próximos, apenas políticos simpáticos às ditaduras: o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o ditador cubano Raúl Castro e o líder norte-coreano, Kim Jong-il. É um antissemita que não reconhece a legitimidade do Estado de Israel e, em vários discursos, questionou fatos históricos a respeito do extermínio de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Sobre os ombros de Ahmadinejad pesa também a sangrenta repressão aos protestos contra sua reeleição, em 2009, que terminaram em dezenas de mortos e centenas de presos políticos. Na ocasião, enquanto a comunidade internacional condenava o desrespeito aos direitos humanos, o presidente Lula classificou a disputa no Irã como “choro de perdedor”. Mais tarde, o próprio governo iraniano reconheceu que houve fraude. O Irã mantém dezenas de jornalistas em cativeiro e, desde os protestos do ano passado, sites como o da rede de notícias inglesa BBC são bloqueados no país.
Em sua visita a Teerã na semana passada, o presidente Lula foi tratado como seu maior aliado por Ahmadinejad. Isolada desde que a teocracia islâmica foi implantada no país, em 1979, Teerã se mobilizou para recebê-lo. Ele recebeu tratamento VIP. Na entrada do luxuoso hotel Steghlal, onde a diplomacia brasileira e as delegações dos países do G15 (que reúne nações em desenvolvimento) estavam hospedadas, havia uma grande faixa em que Lula e Ahmadinejad apareciam lado a lado, com as mãos levantadas e os rostos felizes. Lula diz acreditar nas intenções pacíficas do programa nuclear iraniano e afirma que o acordo que costurou em Teerã entre Brasil, Irã e Turquia ajudará a manter o mundo livre de guerras nucleares. Mais que isso, Lula diz acreditar que se trata de um exemplo de como o Brasil pode ser uma ponte entre os países do Ocidente e os países daquilo que, em outros tempos, costumava ser chamado de mundo em desenvolvimento. “Fomos ao Irã e conseguimos fazer o que o Conselho de Segurança queria que fosse feito há seis meses”, disse Lula. “É muito engraçado que algumas pessoas não gostaram que o Irã aceitasse a proposta, porque tem gente que não sabe fazer política se não tiver o inimigo, e sou daqueles que só sabem fazer política construindo amigos.” A questão central é: dá para confiar em um “amigo” como Ahmadinejad?
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão das Nações Unidas encarregado de coibir a expansão de armamentos nucleares, acusa o Irã de desrespeitar o Tratado de Não Proliferação (TNP), principal acordo internacional que regula a questão. O país mantém um programa para construir reatores nucleares e desenvolver tecnologia capaz de enriquecer urânio a 20%, o ponto de partida para chegar à produção de ogivas. Desde o ano passado, o Brasil sustenta a arriscada posição de defender o Irã no Conselho de Segurança da ONU, onde ocupa uma das dez cadeiras rotativas. Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e Alemanha consideraram o acordo costurado pelo Brasil insuficiente para garantir que o Irã não produzirá armas nucleares.
Istoé
A jogada global de Lula – Parte 1
Em abril de 2009, em Londres, na descontraída sessão de fotos dos presidentes do G-20, o fórum que reúne as 20 maiores economias do planeta, o presidente americano, Barack Obama, abraçou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e falou alto, para os outros líderes que estavam por perto: “Este é o cara.” Pouco mais de um ano depois, Obama viu o presidente brasileiro aparecer realmente como “o cara”, no xadrez das negociações internacionais até então reservadas às grandes potências. Lula era a voz dos emergentes, fazendo-se ouvir na questão mais aguda do momento para a paz mundial. O Brasil não pediu licença para entrar no jogo que está tirando o sono dos poderosos. Depois de quase sete meses de impasse entre o time capitaneado pelos Estados Unidos e o grupo comandado por Mahmoud Ahmadinejad, do Irã, Lula fez a sua mais ousada jogada internacional. Com o apoio da Turquia, desembarcou no Golfo Pérsico para uma inusitada sessão de esforço diplomático. Quando deixou Teerã, na segunda-feira 17, ostentava a condição de mediador de um acordo que pode ser o primeiro passo para romper as hostilidades entre o Irã e a Agência Internacional de Energia Atômica.
A atuação do brasileiro e de seu colega turco – o primeiro-ministro Recep Erdogan – provocou ceticismo e uma ponta de inveja no Ocidente. Afinal, esse protagonismo era tradicionalmente coisa para outra gente. “O cara”, em temas-chave do Conselho de Segurança da ONU, sempre foi o homem que, no momento, ocupava a cadeira presidencial dos EUA. Além das desconfianças generalizadas quanto ao programa nuclear iraniano, incomodou a desenvoltura de Lula e a ameaça de uma guinada na relação de forças entre as novas potências mundiais, como ele próprio tratou de lembrar no dia seguinte, em Madri: “O Brasil quer ser um ator global porque não concordamos com a atual governança mundial. São necessários mais atores, mais negociações e mais disposição para dialogar.”
É a primeira vez que um país emergente intervém de maneira direta em um conflito tão explosivo. “O Brasil já vinha se projetando como ator mundial relevante em temas como a regulação do capital financeiro e a reunião do G-20”, lembra o cientista político Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. “Mas o País jamais tinha participado de forma tão contundente.” A ofensiva diplomática de Lula, na realidade, começou em meados do ano passado, quando ele decidiu ocupar o vácuo existente entre o regime de Ahmadinejad e a comunidade internacional na discussão da crise nuclear iraniana. A estratégia para atuar no cenário internacional, porém, veio sendo construída desde que ele assumiu o Palácio do Planalto. E tem um lastro material – a multinacionalização de empresas brasileiras e a abertura de novos mercados para o País.
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