Carta Capital
O dono do Senado
Depois de um ano e meio, Renan Calheiros voltou a caminhar diariamente nos arredores de sua residência, na chamada Península dos Ministros, à beira do Lago Paranoá. O líder do PMDB no Senado anda como quem estivesse pisando em nuvens, desde que ganhou todas as disputas nas quais entrou neste começo de legislatura, da presidência da Casa (foi essencial à eleição de José Sarney) ao comando das principais comissões. De quase cassado por duas vezes em 2007, o senador alagoano emergiu do ostracismo para se colocar novamente no centro da cena política nacional. E não se trata de figura de retórica: Renan é, atualmente, um dos políticos mais influentes do País.
Nem mesmo as denúncias que pipocaram no Senado nas últimas semanas, cuja responsabilidade foi atribuída unicamente ao parceiro Sarney, foram capazes de atingi-lo, embora os desmandos e distorções sejam na verdade resultado das gestões de ambos a partir de 1995. Foram Renan e Sarney, por exemplo, que colocaram Agaciel Maia na direção-geral do Senado. Maia pediu demissão do posto no início de março, após a revelação de que deixou de registrar em seu nome uma mansão avaliada em 5 milhões de reais. Não é a primeira vez que o nome de Maia veio à baila. O ex-diretor do Senado foi citado, em agosto de 2008, na Operação Mão de Obra, da Polícia Federal, que investigou um esquema de fraudes em licitações no Parlamento. Segundo a PF, o funcionário público tinha conhecimento das fraudes.
Telhado de vidro
O PSDB, com o auxílio inestimável de grande parte da mídia, costuma apresentar-se como a oposição “responsável”. No dia a dia, o partido não deixa, porém, de praticar aquele populismo típico de quem está fora do poder. Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nos brindou com novas análises sobre a degenerência da vida política brasileira, como se os tucanos não fizessem parte do cenário. É como aquela indignação míope da elite brasileira, que se enxerga apenas vítima e não parte do problema. Cabe sempre uma pergunta: a que classe pertencem os juízes, os financiadores de campanha, os amigos dos políticos de profissão?
O risco sempre, no caso dos paladinos da moral e da ética, é uma pedra atingir o telhado de vidro. Eis o caso do senador Tasso Jereissati para corroborar essa tese. Na quinta-feira 2, a Folha de S.Paulo informou que Jereissati tem utilizado parte de sua verba oficial de passagens aéreas para fretar jatinhos. À tarde, o senador cearense ocupou a tribuna para rebater as acusações, afirmando ter feito uma operação legal. O diretor-geral do Senado, Alexandre Gazineo, também divulgou nota em defesa de Jereissati, atestando não haver irregularidades no procedimento.
Trata-se de mais um episódio da troca de acusações que teve início com a vitória de José Sarney à presidência da Casa. Desde então, começaram a aparecer na imprensa denúncias de irregularidades administrativas no Senado, atribuídas ao grupo derrotado, formado pela inédita aliança entre o PSDB e o PT para eleger Tião Viana. Logo viria o revide. Viana optou pelo silêncio depois de vir à tona o fato de ele ter emprestado um celular do Senado à filha, em viagem ao México.
Côrrea à luz do dia
A Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados iniciou um processo de investigação, por meio de sua assessoria jurídica, para apurar a responsabilidade do delegado Luiz Fernando Corrêa, diretor-geral da Polícia Federal, na tortura da doméstica Ivone da Cruz, 46 anos, em 21 de março de 2001.
É uma reação à reportagem da edição 538 de CartaCapital que relata os abusos cometidos contra Ivone. A doméstica acusa Corrêa de ter comandado uma sessão de tortura na sede da Superintendência Regional da PF, no Rio Grande do Sul. À época, o delegado federal atropelou a competência da Polícia Civil gaúcha e interrogou ilegalmente a empregada. Corrêa suspeitava da participação dela em um assalto realizado na casa da avó de sua mulher, Rejane Bergonsi. As pancadas e os choques elétricos recebidos na PF, alega Ivone, acabaram por deixá-la cega.
Na quarta-feira 8, a comissão vai votar um requerimento do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) de convocação do diretor-geral da PF. Também deverão ser ouvidos Ivone e o delegado Fernando Rosa Pontes. Ao depor na sindicância interna da PF, Pontes afirmou jamais ter solicitado a Corrêa tomar depoimentos no lugar da Polícia Civil do Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa também decidiu analisar o caso. Uma comissão de deputados estaduais deverá ir a Alvorada, na periferia da capital gaúcha, onde vive a doméstica, que, além de cega, está incapacitada de trabalhar por causa de uma depressão crônica, para tomar-lhe o depoimento.
O rival de Mendes é cassado
Na terça-feira 31, o prefeito de Diamantino (MT), o notário Erival Capistrano, do PDT, foi cassado pelo juiz Luiz Fernando Kirche, da 7ª Vara Eleitoral de Mato Grosso. Em outubro de 2008, Capistrano havia vencido um pleito disputadíssimo. Por pouco mais de 400 votos, bateu o candidato do PPS, Juviano Lincoln, e pôs fim a uma hegemonia política de quase duas décadas na região da família do ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal.
A primeira medida de Capistrano à frente do poder municipal foi realizar uma auditoria nas contas das gestões do prefeito anterior, Chico Mendes (PR), irmão mais novo de Gilmar. O relatório das irregularidades, recheado de compras superfaturadas e desvios de verbas, foi enviado, no início de março, ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Ao cassar Capistrano, o juiz eleitoral de Diamantino acatou uma representação da coligação de Lincoln, na qual o prefeito é acusado de aceitar uma doação de campanha de 20 mil reais feita a partir de um recibo com assinatura falsificada. O documento está em nome do agricultor Arduíno dos Santos. Em novembro de 2008, Santos depôs no Ministério Público e confirmou a doação. Dois meses depois, decidiu mudar o depoimento e negou ter dado o dinheiro para a campanha do PDT. “Ele foi coagido pelos capangas do candidato derrotado”, acusa Capistrano.
Veja
Maluf, um clássico
Nos anos 50, costumava-se dizer que ninguém sabia vestir um terno como Cary Grant. O ator americano era a própria tradução da elegância. Um modelo para o resto dos homens. Enfim, um clássico. O brasileiro Paulo Maluf bem que tentou, a exemplo de Grant, marcar época pelas roupas bem cortadas – como se vê na foto que ilustra esta página, de 1979 –, mas foi imortalizado por outra razão: Maluf tornou-se, aos olhos dos promotores, o maior clássico da corrupção no Brasil. As investigações sobre ele mostram um estilo todo próprio de desviar dinheiro público, escondê-lo em paraísos fiscais e repatriá-lo. Nesse ramo, Maluf não tem concorrente. No máximo, seguidores. Na semana passada, VEJA teve acesso às peças finais do quebra-cabeça do desvio de verbas promovido por ele na prefeitura de São Paulo nos anos 90. É uma pequena obra-prima da gatunagem. O esquema foi esquadrinhado pelo promotor Silvio Marques, do Ministério Público paulista, que nos últimos oito anos analisou 272.000 documentos bancários do Brasil, Estados Unidos, Suíça, Inglaterra, França e Ilha de Jersey para rastrear o dinheiro sumido. E conseguiu.
“Hoje, posso afirmar que ao menos 93 milhões de dólares foram furtados da prefeitura de São Paulo por Paulo Maluf. O dinheiro deu a volta ao mundo para ser lavado, mas descobrimos seu paradeiro: voltou ao Brasil, como se fosse um investimento feito a partir do Deutsche Bank da Ilha de Jersey em debêntures da Eucatex, a empresa de Maluf”, explica o promotor. Impressionada com as provas levantadas por Silvio Marques, a Justiça de Jersey decidiu bloquear outros 22 milhões de dólares que continuam depositados por lá, em contas controladas pelos filhos de Maluf, e que também foram roubados da prefeitura. O promotor conquistou, ainda, outra vitória: o Deutsche Bank aceitou pagar 5 milhões de dólares à prefeitura paulistana apenas para não figurar em um processo criminal ao lado de Maluf. O Ministério Público tentará agora repatriar os 22 milhões de dólares que estão em Jersey e retomar os 93 milhões de dólares da Eucatex. Maluf, claro, permanece fiel ao seu estilo. Ele nega tudo. E nunca foi condenado. É mais um clássico que nunca envelhece.
Efeito colateral
Tem base real o relativo otimismo do governo quanto à dimensão dos danos que a crise econômica ainda deve – e provavelmente vai – provocar na vida dos brasileiros. A expectativa oficial é que a diminuição das receitas públicas, o freio na produção, déficits e demissões continuem até o fim do ano, mas sem adquirir proporções catastróficas. Se pelo lado econômico o diagnóstico oficial da crise é que ela será menos assustadora do que em outros lugares do mundo, no campo político há uma intensa preocupação do governo com suas consequências, tanto as imediatas quanto as de longo prazo. As pesquisas de opinião já revelam os primeiros reflexos. Na mais recente, do instituto Sensus, a avaliação positiva do governo sofreu uma queda de 10 pontos porcentuais de janeiro a março, passando de 72,5% para 62,4%. O apoio ao presidente Lula ainda é muito expressivo e seus índices de aceitação são os maiores dos últimos vinte anos. Em democracias consolidadas, porém, já está mais que demonstrado que a popularidade do governante está relacionada ao sucesso da economia – e isso assusta o governo.
Lula já confidenciou a assessores que teme perder nos próximos meses o que construiu em seis anos na Presidência. “A ciência política mostra que há uma relação direta entre o apoio ao governo e o bom desempenho da economia”, afirma o cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise. “O bolso é o primeiro fator que o cidadão leva em consideração ao avaliar um governo.” Em países de governo presidencialista, como o Brasil, essa relação é ainda mais direta, pois os eleitores associam a figura do presidente da República ao bem-estar dos cidadãos. As estatísticas confirmam essa relação. Desde José Sarney e seu Plano Cruzado, todos os presidentes foram bem avaliados nas pesquisas em épocas de bonança econômica e, da mesma forma, mergulharam na impopularidade quando confrontados com inflação, desemprego e recessão (veja o quadro). Um trabalho realizado pelos professores Gustavo Lana, da UFMG, e Renata Santana, da UnB, mostra que a oscilação de 1 ponto porcentual no PIB provoca uma variação de 5 pontos porcentuais na popularidade do governante. Ou seja: mantidas as previsões econômicas, o presidente Lula pode fechar o ano com índices de aceitação na casa dos 40% – patamar que ele tinha quando assumiu o governo, em 2003, em meio a uma séria crise de confiança.
Nos trilhos do avanço
O crescimento econômico não traz automaticamente o avanço no bem-estar de uma sociedade. O desenvolvimento de fato só ocorre quando há melhoria também em fatores de qualidade de vida, tais como a educação, a saúde e a segurança. Indicadores econômicos isolados, portanto, não são suficientes para aferir o estágio de avanço social. Pois foi com o intuito de avaliar de maneira mais precisa o grau de desenvolvimento dos estados brasileiros que um grupo da FGV Projetos, unidade de negócios da Fundação Getulio Vargas, acaba de elaborar o Indicador de Desenvolvimento Socioeconômico (IDSE). Trata-se de um índice feito a partir de 36 variáveis sociais e econômicas, capaz de cotejar com apuro o nível de bem-estar nas 27 unidades da federação. O retrato exibido pelo estudo é alentador: praticamente todos os estados conseguiram progredir nos últimos anos, beneficiando-se da retomada no crescimento e do aprimoramento das políticas sociais. Mas os indicadores mostram que os avanços ainda são tímidos em algumas regiões.
O IDSE é bem mais completo e preciso que o famoso IDH (índice de desenvolvimento humano), divulgado pela Organização das Nações Unidas, que pondera apenas três fatores: renda, expectativa de vida e educação. Pela metodologia usada agora pela FGV, o estado mais avançado do país é São Paulo, que levou nota máxima (IDSE igual a 100). Quer dizer, então, que os paulistas teriam a sensação de morar na Escandinávia? Não é bem assim. Na verdade, essa nota indica apenas que, numa escala de zero a 100, São Paulo está no topo do ranking de desenvolvimento socioeconômico brasileiro. Os números de São Paulo servem de referência para analisar os demais estados. Na lanterninha aparece o Piauí, que teve avanço modesto nos sete anos abrangidos pelo estudo – de 2001 a 2007, período para o qual existem todos os dados necessários à análise.
Por que as empreiteiras doam tanto
Há uma tremenda movimentação em curso para atacar a mais recente operação de fôlego da Polícia Federal, a Castelo de Areia, que apurou o envio ilegal de dinheiro ao exterior feito por diretores da Camargo Corrêa, uma das maiores empreiteiras do país. A gritaria se dá porque, no decorrer da investigação, a PF encontrou indícios arrepiantes de doações ilegais da empresa a partidos políticos. Como todas as legendas recebem doações “por fora”, mas nenhuma admite, houve uma rara aglutinação entre governo e oposição para acusar a PF de agir com motivação política nesse caso e, claro, tentar trancar as investigações. Basicamente, três críticas foram levantadas: 1) não havia a necessidade de a Justiça decretar a prisão de seis funcionários da empreiteira, já que a investigação ainda não terminara; 2) não deveria haver menção a doações políticas nos relatórios, já que a investigação tratava de crimes financeiros; e 3) a polícia violou a Constituição ao revistar, com mandado, o departamento jurídico da empreiteira. VEJA ouviu o jurista Célio Borja, ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal, sobre o caso. Diz ele: “A prisão preventiva pode ser decretada se o juiz entender que ajudará na instrução criminal. Nesse caso, a Justiça não exorbitou. Sobre os indícios de fraude eleitoral, a PF é obrigada a relatar tudo o que descobrir no curso da investigação à Justiça. Estaria errada se fizesse o contrário, ou seja, se silenciasse a respeito. O único erro grave, a meu ver, é a invasão do departamento jurídico. A inviolabilidade do advogado é garantida por lei”.
Ainda que um excesso – grave, repita-se – tenha sido cometido, colocar sob suspeita toda a investigação só beneficia os políticos e os empreiteiros, que vivem uma íntima simbiose financeira. O esquema é manjado: as empresas ganham polpudos contratos para realizar obras públicas e retribuem a gentileza doando milhões e milhões de reais aos partidos – a todos eles, “por dentro” (legalmente) e “por fora” (no caixa dois). As empreiteiras doam somas tão grandes que só há uma explicação razoável para a origem do dinheiro: ele está embutido na margem de lucro que elas aplicam a seus contratos com o estado. Ou seja, quem paga a festança é o contribuinte. Um levantamento feito por VEJA com base nas doações eleitorais de 2002 a 2008 e em repasses feitos aos diretórios nacionais dos partidos em 2006 e 2007 revela que as cinco maiores empreiteiras do país doaram, nos conformes, pelo menos 114 milhões de reais a políticos no período. Muito mais, por exemplo, que bancos ou montadoras (estas, aliás, restringem ao máximo suas contribuições). Em troca da generosidade, as mesmas cinco empreiteiras assinaram dezenas de contratos públicos. Só em obras do PAC, desde 2007, levaram 1,4 bilhão de reais. Os empreiteiros são os melhores amigos dos políticos, e vice-versa.
Os primeiros tijolos
Como palco para a promoção pessoal, a cúpula do G-20 em Londres foi um espetáculo de arte. Barack Obama esbanjou seu poder estelar e não descuidou de espalhar o sucesso de sua intervenção numa disputa entre França e China sobre paraísos fiscais. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, que antes ameaçara deixar a cúpula, nem esperou o anúncio oficial do resultado. Correu para os repórteres franceses para reivindicar um crédito pessoal nos “avanços imensos” para superar os equívocos do capitalismo anglo-saxão. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva circulou com desembaraço entre os dezenove líderes – ainda que oito sejam inequivocamente brancos e três tenham olhos decididamente azuis – e levou para casa o elogio de que é “o político mais popular da Terra”. Por fim, o anfitrião, o primeiro-ministro Gordon Brown, ávido por colher em casa um sucesso que vitaminasse sua chance de manter o cargo na próxima eleição, não deixou por menos. Anunciou a aurora de uma “nova ordem mundial”.
Como fórum de decisões econômicas, de onde se poderia erguer uma muralha contra a recessão mundial, a cúpula do G-20 colocou apenas os primeiros tijolos. Timidamente. Decidiu injetar 1,1 trilhão de dólares para reanimar a economia mundial e ajudar os encrencados, apertar a fiscalização sobre as zonas mais obscuras do mercado financeiro e baixar o torniquete nos paraísos fiscais. O resultado equilibra as pretensões dos EUA e da Inglaterra, que queriam generosos pacotes de estímulo fiscal mundo afora, e as de França e Alemanha, que defendiam a fiscalização rígida sobre o mercado. Há consenso sobre a correção das medidas, mas falta muito a fazer. A começar por um ataque frontal à raiz da crise: os ativos tóxicos que contaminam os bancos e derrubaram ícones de Wall Street. Como eliminá-los sem uma quebradeira bancária mundial? “Os ricos estão negando o problema e reagindo como se bastasse ajudar os emergentes”, diz o professor Kenneth Rogoff, de Harvard, para quem ainda poderá surgir outro problema: o aumento do protecionismo.
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