Veja
Ordem para espionar
Não houve os tradicionais embates entre representantes do governo e da oposição, não houve tentativas de desqualificar a testemunha nem a criação de teorias conspiratórias extravagantes. O delegado aposentado da Polícia Federal Onézimo Sousa compareceu na semana passada ao Senado, onde prestou depoimento sereno à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional. Ele contou aos parlamentares detalhes da reunião com integrantes da pré-campanha presidencial da ex-ministra Dilma Rousseff na qual ele foi convidado a participar de um grupo que tinha o objetivo de espionar o candidato tucano José Serra, como revelou VEJA no início do mês. Deputados petistas que estavam no plenário elogiaram o delegado, principalmente depois que ele confirmou que no encontro não havia ninguém filiado ao PT. Além disso, ao tomar conhecimento do caso, a própria candidata do partido já havia dito que desconhecia e desautorizava investidas desse nível contra adversários. O jornalista Luiz Lanzetta, que era o responsável pela área de comunicação da campanha e articulou a reunião com o grupo de arapongas, foi afastado de suas funções. No final, os petistas consideraram o caso encerrado – reduzindo tudo a uma atrapalhada tentativa de espionagem patrocinada por pessoas contratadas pelo partido, mas sem ligações oficiais com o PT. Caso liquidado?
Não fosse por alguns buracos surgidos no campo de força da versão petista que preserva a cúpula da campanha, seria mesmo um caso para arquivo. Um desses buracos se deve à reportagem do jornal Folha de S.Paulo segundo a qual a campanha do PT reuniu clandestinamente dados protegidos por sigilo fiscal e bancário do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira. Ex-secretário-geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge sempre esteve na mira dos petistas. A reportagem narra que a “equipe de inteligência” da campanha de Dilma Rousseff tem em seu poder cópias de depósitos bancários e das últimas declarações de imposto de renda do ex-secretário. VEJA apurou que as declarações em questão cobrem de 2005 a 2009, inclusive uma retificação feita na última delas, por causa de um erro de digitação na declaração do ano anterior. A suspeita é que os documentos teriam sido obtidos dentro da própria Receita Federal. Há ainda guardado no comitê petista, de acordo com o jornal, um conjunto de papéis sobre as investigações do caso Banestado – um gigantesco esquema de lavagem de dinheiro que foi investigado por uma CPI do Congresso, em 2003, e que envolveria partidos políticos.
Os inquéritos do caso Banestado morreram de desidratação, mas existe a suspeita de que os petistas queiram ressuscitá-lo, como uma forma de criar um clima de desconfiança em relação ao principal adversário de Dilma Rousseff – na crença de que não basta a um político ser honesto, ele também tem de parecer honesto. VEJA apurou que, em março passado, o delegado da Polícia Federal José Castilho Neto procurou o senador Alvaro Dias (PSDB-PR) para lhe contar que havia sido sondado por colegas do Ministério da Justiça sobre a possibilidade de ele voltar a Brasília e retomar as investigações do caso Banestado. “Recebi um telefonema perguntando se eu tinha disponibilidade para retomar essa investigação”, conta o policial. “Quando me sondaram, eu não falei nem que sim nem que não. Fiquei aguardando um convite formal da Polícia Federal, mas não houve retorno”, conta. No início do mês, logo depois de VEJA ter revelado a existência do grupo de espionagem, o delegado voltou a ligar para o senador: “Lembra quando eu te procurei?… Era isso que eles estavam querendo que eu fizesse!”, disse, referindo-se ao conteúdo da reportagem que mostrava a tentativa do comitê petista de formar um grupo para espionar o candidato José Serra. O delegado, que até dias atrás ocupava o cargo de assessor de segurança do governo do Paraná, não quis revelar a identidade de quem fez a sondagem, mas confirmou que é uma pessoa “bem colocada no Ministério da Justiça”.
Quanto valem 54 reais?
Na terça-feira passada, dia da estreia do Brasil na Copa, o presidente Lula deu uma boa notícia a 8,3 milhões de aposentados. Sancionou o reajuste de 7,72% para os beneficiários do INSS que recebem mais de um salário mínimo por mês. O índice é o dobro da inflação acumulada desde o aumento anterior e ficou acima do recomendado pela equipe econômica. Esse grupo recebe hoje, em média, 1 273 reais. Se o valor fosse reajustado pela inflação, como prevê a lei, essas pessoas passariam a receber 44 reais a mais por mês. Com o novo índice, os aposentados e pensionistas ganharão um aumento médio de 98 reais – ou 54 reais a mais do que teriam direito de fato. Os aposentados certamente farão troça quando receberem o “presentão” de 54 reais, quantia com a qual não se compra muito mais que uma pizza. Para as contas da Previdência, no entanto, o afago de Lula a esses eleitores representará um custo adicional de 4,5 bilhões de reais apenas neste ano. “Esse é um compromisso que impactará as contas públicas de maneira permanente, sem que o governo apresente uma fonte de receita adicional para financiar essa despesa”, afirma o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas.
Antes da sanção de Lula, os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) diziam que o índice de 7,72% era uma “afronta” à Lei de Responsabilidade Fiscal. O acordo que o governo havia fechado com as centrais sindicais no início do ano previa reajuste de 6,14% nos benefícios, índice já bem superior à inflação. Quando o projeto chegou ao Congresso, o valor subiu. Oposição e situação, em rara harmonia, alinharam-se em defesa dos 7,72%. De início, Lula reagiu e foi contra. Chegou a falar em vetar esse índice. O presidente, no fim das contas, só fez fita. Não iria se indispor com 8,3 milhões de eleitores (6% do total nacional). Especialista em tirar proveito para si dos projetos de terceiros, Lula deixou para sancionar o reajuste no fim do prazo legal. Buscou, assim, assumir sozinho a paternidade da bondade, aprovada semanas antes pelos congressistas. Provoca o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha: “É bom para eles aprenderem. Qualquer coisa que a oposição quiser capitalizar, no fim quem vai ganhar seremos nós do governo”.
O presidente, ao menos, teve o bom senso de vetar o fim do fator previdenciário, medida que também havia sido aprovada pelo Congresso. Sem esse mecanismo, essencial para evitar o aprofundamento no déficit do INSS, haveria um gasto adicional de outros 4 bilhões de reais apenas neste ano. De qualquer maneira, o governo precisará agora enxugar gastos para compensar a despesa extra que recairá sobre o Orçamento por causa do aumento das aposentadorias. Como invariavelmente ocorre em situações semelhantes, os investimentos públicos deverão ser a vítima. Bilhões valiosos, que poderiam ser usados na reforma de estradas e aeroportos, ampliando o potencial de crescimento do país, serão transformados em 54 reais a mais no bolso dos aposentados.
Cala boca Galvão: um fenômeno planetário
Ferir com palavras, pondo para circular histórias falsas com o objetivo de irritar ou destruir alguém, é uma prática tão antiga quanto a história humana. A humanidade viajava ainda à velocidade de 16 quilômetros por hora das carroças, mas as notícias ruins e fofocas já pareciam ter asas. As línguas de trapo mal esperavam o conquistador romano Júlio César, talvez o mais celebrado general e estadista de todos os tempos, sair de Roma para começar seu trabalho de intriga e destruição. Conforme registrou o historiador Gaius Suetonius Tranquillus, morto por volta do ano 122 da era cristã, o patriciado “punha para circular histórias” dando conta de que César arrancava todos os pelos do corpo com pinças e era chamado de “marido de todas as esposas e esposa de todos os maridos”. Foi assim antes com gregos, macedônios e egípcios. As maledicências continuaram viajando mais rápido na Idade Média, durante e depois da Revolução Industrial. O que há de novo nesse campo? A internet. Se já voavam de ouvido em ouvido, as fofocas e falsidades ganharam o dom da instantaneidade com os milhões de computadores, celulares e tablets de todo o planeta interconectados por uma rede em que, pela primeira vez na história, todas as máquinas se comunicam na mesma linguagem, sem incompatibilidades nem fronteiras.
A fofoca digital pode criar verdadeiros tsunamis que chicoteiam o globo jogando as opiniões de milhões de pessoas de um lado para o outro. Antes que alguém possa verificar a verdade de um fato, sua versão ou versões já se tornaram o fenômeno. O caso que engolfou o locutor Galvão Bueno, a voz oficial das Copas do Mundo e das Olimpíadas nas transmissões da Rede Globo, é uma amostra do poder dessas novas correntes de pensamento criadas na internet. “Cala a boca, Galvão” era uma tirada que já circulava por aí fazia anos. Há pouco mais de uma semana, contudo, ela ganhou o mundo. Postada por usuários no Twitter, a rede social de troca de mensagens de até 140 caracteres, a frase CALA BOCA GALVAO – assim mesmo, em letras maiúsculas, sem vírgula e sem acento – virou hit e se manteve entre os dez assuntos mais comentados do serviço da internet durante toda a semana. Os brasileiros aumentaram a fervura, atribuindo sentidos absurdos à frase: segundo uma das versões, em português, cala boca significaria salve, e galvão, o nome de um pássaro em extinção. Alguns dos maiores sites e jornais do mundo, como o The New York Times, tentaram decifrar a brincadeira, e assim a difundiram ainda mais.
Época
Proteger menos para preservar mais
Olir Schiavenin cresceu rodeado por parreirais. Neto de imigrantes italianos, aprendeu ainda menino como cultivar uma boa uva para fazer vinho de qualidade. A propriedade da família fica em Flores da Cunha, na Serra Gaúcha. Ali, é tradição os colonos tirarem o sustento da terra. Para Schiavenin não é diferente. Aos 56 anos, ele mantém a família com o dinheiro da venda do que é colhido no campo. Junto com o irmão, tem uma pequena fazenda de 42 hectares herdada dos avós. As videiras ocupam 7 hectares. Estão nas encostas dos morros, áreas acidentadas e frias de onde saem as melhores safras. A cada ano, suas parreiras produzem vinho suficiente para colocar mais de 170 mil garrafas nas prateleiras dos supermercados. A economia da região depende dessa cultura. Só no Rio Grande do Sul são mais de 15 mil pequenos lavradores sobrevivendo principalmente do comércio da uva. Só tem um problema: a grande maioria está ilegal.
Não lhes falta permissão para produzir o vinho ou comprovação de títulos da terra. Seus plantios transgridem a lei porque estão em áreas de proteção permanente, as chamadas APPs. São vegetação na margem dos rios (matas ciliares) ou topos e encostas de morros. Esses últimos, exatamente o local com geografia e clima dos mais apreciados pela uva. Muitos agricultores não cumprem tampouco a obrigação de manter parte das florestas da propriedade intocada, as reservas legais. Apesar de irregulares hoje, Schiavenin e seus parceiros do campo estão ali muito antes de a legislação existir. “Coloco a cabeça no travesseiro e durmo tranquilo”, diz ele.
O conflito com a lei atual não é um problema apenas para os produtores de uva gaúchos. Ele preocupa todo o setor agrícola do país. O Brasil necessita produzir mais grãos, legumes, frutas e hortaliças. Mesmo com o aumento da produtividade no campo, o crescimento vai exigir mais terras destinadas à agricultura. E não pode mais prosseguir com a situação de insegurança no campo. Argumentos ambientais são cada vez mais invocados para justificar barreiras comerciais entre países. Com a onda verde globalizada, é preciso rigor para entrar no exigente mercado internacional. A Europa deixou de comprar soja do Brasil anos atrás porque ONGs ambientalistas associaram o grão à devastação da Amazônia.
Raça, aqui, não
Ao final da sessão na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, na semana passada, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e o ministro da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Eloi Ferreira, trocaram um aperto de mãos. Os dois estavam satisfeitos. Ferreira, pelo fato de exercer o cargo no momento em que uma questão simbólica para sua pasta se concretizava. Demóstenes estava satisfeito pelo que havia conseguido retirar do texto. Os dois tratavam do Estatuto da Igualdade Racial, aprovado após mais de uma década de tramitação.
Entre outras coisas, o estatuto estabelece a adoção de ações afirmativas para reduzir as desigualdades entre as etnias, obriga o ensino de história da África e da população negra no Brasil, garante direitos de saúde e moradia a negros e reconhece os direitos de populações que vivem em terras de quilombos. Seu principal objetivo, no entanto, era estabelecer o sistema de cotas raciais para aumentar o acesso de negros a universidades, empresas e até partidos políticos. Era o principal desejo de ONGs e militantes do movimento negro. Mas ficou pelo caminho.
Para conseguir a aprovação no Congresso, o projeto sofreu muitas mudanças. Em acordo com o autor, senador Paulo Paim (PT-RS), o relator Demóstenes Torres substituiu no texto a palavra “raça” por “etnia”. Torres também suprimiu o artigo que estabelecia o sistema de cotas. A questão das cotas será tratada em um projeto separado, da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), que já tramita no Senado. “O Congresso se recusou a criar uma lei que distribuiria direitos com base em critérios de raça e exterminaria o princípio de igualdade no Brasil”, diz o geógrafo Demétrio Magnoli, autor do livro Uma gota de sangue e contrário à adoção das cotas. “Foi uma derrota do projeto racialista, apesar de suas pressões.”
“Tudo tem limite, companheiro”
A estratégia montada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para tentar fazer a ex-ministra Dilma Rousseff sua sucessora prevê uma série de sacrifícios para o PT. Em troca do apoio a Dilma, o PMDB indicou o vice na chapa nacional e ainda tem preferência nas candidaturas a governador. Em vários Estados, nomes importantes do PT desistiram de concorrer ao governo para fortalecer aliados peemedebistas.
As pressões feitas pelo comando nacional do PT para fazer valer a vontade de Lula tiveram êxito em quase todos os Estados. No Maranhão, no entanto, o projeto eleitoral do Planalto se transformou em um enorme constrangimento para o presidente. No dia 11, o líder de trabalhadores rurais Manoel da Conceição entrou em greve de fome no plenário da Câmara para protestar contra a imposição do apoio à reeleição da governadora Roseana Sarney, do PMDB, filha do presidente do Senado, José Sarney. Ao lado dele, também em greve de fome, estava o deputado Domingos Dutra (PT-MA).
O game eleitoral de Serra
Há um mês, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, enfrenta problemas. Começou com uma tosse, que virou uma irritação na garganta e, depois, um pequeno problema respiratório. Serra tem tomado medicamentos desde então, mas não consegue superar completamente as adversidades. A rotina de poucas horas de sono e de viagens constantes, que o colocam dentro de aviões com ar-condicionado e o obrigam a trocar o calor do Piauí pelo frio do Rio Grande do Sul em menos de 24 horas, não ajuda. O incômodo coincide também com o momento da campanha de Serra, que busca fechar as últimas alianças e afinar um discurso equilibrado entre os ataques à candidata do PT, Dilma Rousseff, e a fuga do confronto direto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dono de alta popularidade. Falta também escolher um candidato a vice para compor a chapa e aparar arestas internas.
Diante dos desafios, o PSDB, um partido pouco orgânico e nada disciplinado, logo deu início ao festival de cornetadas que assombrou suas campanhas presidenciais em 2002 e 2006. Ou seja, foi criado mais um problema.
Somente quando superar esse labirinto, repleto de obstáculos até sua saída (leia o quadro) , Serra poderá entrar de vez na disputa pelo Planalto, avaliam os tucanos com poder de decisão na campanha.
O corneteiro do Planalto
O presidente Lula concedeu, na semana passada, duas grandes bondades com o dinheiro dos contribuintes. Primeiro, Lula sancionou o aumento de 7,72%, aprovado pelo Congresso, para os cerca de 8 milhões de aposentados que ganham mais de um salário mínimo. Depois, Lula autorizou reajustes e gratificações para funcionários da Câmara dos Deputados. A medida relativa à Previdência substituirá o aumento de 6,14% concedido em janeiro e representará um gasto anual de mais de R$ 1,6 bilhão acima do previsto. O aumento nos benefícios da Previdência veio, mesmo depois que os ministros da área econômica recomendaram o veto do reajuste de 7,7% devido ao impacto nos gastos públicos.
O rombo da Previdência, que passa de R$ 50 bilhões por ano, deverá aumentar. O contingente de trabalhadores do setor privado que contribui para o INSS é insuficiente para dar conta das aposentadorias. Com o aumento, o governo piora essa relação e joga para o próximo governante a responsabilidade de tomar medidas urgentes – e amargas – para arrumar a casa. “O Brasil passou bem pela crise internacional, mas precisa melhorar seus indicadores de solvência. Um deles é a qualidade do gasto público, quase todo comprometido com folha de pagamentos e Previdência”, diz o economista Robert Wood, analista para a América Latina da Economist Intelligence Unit, braço de pesquisas e análises da revista britânica The Economist. “O nível de investimento público é muito baixo. Na região, México e Chile investem muito mais.”
Enquanto os ministros da área econômica criavam a expectativa de um veto, Lula usava todo o prazo legal de que dispunha para decidir sobre a medida provisória. No última dia, em vez de tomar uma medida racional, mas impopular, optou pelo caminho mais fácil e concedeu o aumento, que poderá ajudar a levar mais votos para a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff. Pelas manchetes dos jornais populares (leia ao lado), Lula tem todos os motivos para acreditar que vai faturar politicamente com o episódio. “Foi jogo de cena, e a equipe econômica, ao pedir o veto, fez sua parte na encenação”, diz o cientista político David Fleischer, da UnB. “Eu esperava por isso. O Lula adora fazer cortesia com o chapéu alheio”, disse o líder do PSDB na Câmara, João Almeida (BA).
IstoÉ
Tudo nas mãos de Lula
Em ano de eleições, é comum os parlamentares aprovarem projetos que possam lhes granjear popularidade. O que importa é garantir benesses, favorecer corporações que rendam voto, privilegiar regiões e currais eleitorais e agradar a grandes financiadores de campanha. Se os projetos não têm racionalidade, se as contas de seus custos não fecham, se vão sangrar os cofres públicos, pouco importa. O velho e bom Tesouro Federal que pague a conta. Este ano, o já batido vício dos políticos brasileiros ganhou, porém, uma força especial. Valendo-se dos altos índices de aprovação do presidente Lula e contando também com os interesses do governo na campanha eleitoral, o Congresso tem se sentido ainda mais à vontade para repassar batatas quentes ao Poder Executivo. Tudo cai no colo de Lula.
Os casos são variados – e potencialmente explosivos para o contribuinte. Coube ao Planalto, por exemplo, vetar o fim do fator previdenciário, evitando mais uma vez a sonhada antecipação de aposentadorias de milhões de brasileiros. Lula também terá de arcar com o ônus de podar artigos do marco regulatório do pré-sal que prejudicam os Estados produtores de petróleo. Vai parar em suas mãos ainda o novo Código Florestal, que anistia desmatadores, aumenta drasticamente a poluição atmosférica e transforma em pó compromissos internacionais do Brasil na defesa do meio ambiente. É um verdadeiro festival de bondades no Congresso. “Os parlamentares estão votando de olho nas urnas”, reconhece o presidente nacional do PT, José Eduardo Dutra. “Em época de eleição, o Congresso delibera com um olho no painel de votações e outro nas bases.”
Candidato ficha imunda
O ex-governador de Alagoas Ronaldo Lessa (PDT) pretende ocupar pela terceira vez o Palácio dos Palmares. Nas últimas pesquisas, ele está em segundo lugar, atrás do ex-presidente Fernando Collor e pouco à frente do atual governador, Teotônio Vilela Filho (PSDB). Mas o que pode comprometer o projeto de Lessa é seu passado recente. No momento em que o País debate a questão dos candidatos ficha-suja, o ex-governador é réu em mais de 30 processos e está com seus bens bloqueados pela Justiça Federal e pelo Tribunal de Justiça de Alagoas. Com um patrimônio pessoal declarado de R$ 500 mil, o Ministério Público quer que ele devolva R$ 240 milhões desviados em convênios e negócios já julgados ilegais. “São dois desvios de verbas, um do dinheiro que o governo federal mandou para a educação e outro de recursos da merenda escolar”, afirma a promotora Cecília Carnaúba, autora de uma das ações de improbidade contra Lessa. “As irregularidades do governo Lessa estão todas comprovadas com documentos”, completa a promotora.
Com base na ação do Ministério Público Estadual, o juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto determinou a indisponibilidade dos bens de Lessa e do ex-secretário de Educação José Márcio Malta Lessa (tio de Lessa) e do deputado federal Maurício Quintella Lessa (PR), primo do ex-governador. A ação foi movida depois de constatado o desvio de R$ 52 milhões de convênios firmados com a União, em 2004 e 2005. Destinada exclusivamente à capacitação de professores, reforma de escolas e transporte escolar, a verba foi repassada ao Estado, mas sumiu da conta e teria ido parar no caixa único de Alagoas. Segundo a promotoria, não se comprovou se o dinheiro foi gasto nem como foi aplicado. Por causa da fraude, o ministro da Educação, Fernando Haddad, chamou os membros da promotoria em Brasília e a partir dali a União passou a mantê-los informados sobre cada parcela do repasse feito ao governo de Alagoas. Do total de R$ 52 milhões, somente R$ 11 milhões foram aplicados na educação estadual.
Outro processo que ameaça o futuro político de Lessa é uma ação por improbidade administrativa que corre sob segredo de Justiça. O processo trata sobre desvios de recursos federais superiores a R$ 200 milhões, repassados para a Secretaria de Educação entre 2003 e 2005, que deveriam ser usados para a compra de merenda escolar. A quadrilha, como define a Polícia Federal, fez contratações irregulares de transporte escolar e aquisições superfaturadas de livros didáticos. Em setembro de 2008, a juíza substituta da 3ª Vara da Justiça Federal, Cíntia Brunetta, determinou o primeiro bloqueio de bens de Lessa. Durante a investigação, a Controladoria Geral da União identificou superfaturamento de 180% na compra de livros didáticos. A empresa J.F. Santos vendeu ao governo uma remessa de livros por R$ 20,50 cada um. Na editora, o preço unitário era de R$ 7. Somente com a compra desses livros, o governo de Alagoas teve um prejuízo de R$ 1,35 milhão. Outra fornecedora do Estado, a S.A. Oliveira Comércio, é uma “empresa fantasma”, ainda segundo o Ministério Público.
A sombra do mensalão na capital
A novela sobre quem deve administrar Brasília parece não ter fim. Na última semana, a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, reforçou o pedido de intervenção no Distrito Federal, por conta do Mensalão do DEM. Em documento entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), Deborah diz que a extensão do esquema de corrupção é bem maior do que se pensava. “As investigações apontam o envolvimento de mais de 26 deputados, entre titulares e suplentes”, sustenta. O parecer da procuradora vem exatamente no momento em que as forças políticas da capital pareciam estar juntando seus próprios cacos. A vice-procuradora vai além e critica a eleição do governador Rogério Rosso (PMDB), ex-integrante dos governos de Joaquim Roriz e de José Roberto Arruda. “Coincidentemente, dos 13 votos que asseguraram sua vitória, oito são de deputados citados na investigação do suposto esquema de pagamento de propina no DF”, diz Deborah. “É ululante, portanto, que enquanto a Câmara exalta a soberania popular, promove ardis de proteção mútua dos parlamentares envolvidos.”
O parecer de Deborah pode atrapalhar as composições que já vinham sendo costuradas. O PT, do ex-ministro do Esporte Agnelo Queiroz, já formalizou uma coligação com o PMDB do deputado Tadeu Filipelli. O candidato é Agnelo. Ambos vão apoiar no plano nacional a ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff. O PSC de Joaquim Roriz acertou aliança com o PSDB, que vai apoiar o ex-governador de São Paulo José Serra para a Presidência da República. Tudo pode ser atropelado, caso a intervenção seja aprovada no STF. Até o sonho do governador Rogério Rosso, do PMDB, que ensaia uma carreira solo e ameaça apoiar o PSDB de Serra se o PMDB não deixá-lo fazer parte da composição da chapa, pode ruir. “Não tenho nada contra a chapa Agnelo e Filipelli. Eu só acho que é uma chapa que perde as eleições”, disse Rosso.
O que pesa a favor dos políticos brasilienses é que a Procuradoria-Geral da República já recebeu vários sinais do STF de que a intervenção na capital dificilmente será aprovada, apesar da insistência do procurador-geral Roberto Gurgel. “Para nós a intervenção ainda é necessária”, comentou Gurgel com assessores. Para o constitucionalista José Afonso da Silva, dificilmente o STF tomará uma decisão mais drástica. “A intervenção é um processo traumático. É sempre complicado porque afasta a autonomia de uma unidade da federação para nomear um interventor”, diz ele.
Deixe um comentário