Vinicius Carrasco *
Ainda é cedo para tirar conclusões. O que estamos observando nos últimos eventos de mobilização popular nas ruas do Brasil ou mídias sociais é fenômeno que precisa ser analisado com cautela.
A grande herança dos protestos de 2013 foi ter criado ou (re)acendido no brasileiro o que chamo de cultura de protesto, uma atitude reativa da população que passou a acreditar, em termos, na mobilização popular, na articulação de ações políticas através de atos de protesto e na utilização das redes sociais e mídias digitais como forma de ativismo como forma de participação e de exercício da cidadania. Tal cultura reflete a indignação da população com relação às questões sociais, um levante contra a apatia política, sobretudo da juventude, que até então não tinha experimentado participações mais democráticas e concentrou, em si, toda uma esperança de mudança e transformação social diante de uma crise de representação e das instituições políticas somadas a anseios urgentes que ganharam projeção e emergiram nos episódios de 2013 e nos anos seguintes.
Vimos, que de 2013 para cá, poucos avanços foram observados em várias esferas da política nacional, nas representações partidárias, na tentativa das instituições de voltar os interesses para governar pelo e para o povo, e isso parece uma chaga generalizada independentemente de partido ou legenda. Há exemplos gritantes em todo o país, quer seja de governos X ou Y.
Leia também
A discussão de temas de interesse público e a participação política e social é salutar e precisa ser instigada. Contudo, em 2015 e 2016, observa-se uma apropriação desta cultura de protesto e, mais ainda, deste anseio de transformação das diversas esferas da sociedade brasileira. Grupos políticos se apropriam dessas esperanças e anseios para continuar um jogo que nem sempre refletem os interesses coletivos, mas sim, muito específicos.
Sem dúvida nenhuma, há mensagens sendo comunicadas que precisam ser lidas, interpretadas e gerar mudanças, o que não necessariamente depende de um movimento ou grupo que se mobilizou e sim de quem a mobilização ou causa pretende atingir. Essas manifestações são uma espécie de catarse individual ou coletiva que traduzem a necessidade de ser ouvido e visto dos indivíduos ou grupos e um descontentamento que merece ser observado pelas esferas competentes.
Tanto as redes sociais quanto as ruas se tornaram espaços públicos de reivindicação e mobilização política coerente com o exercício legítimo da cidadania. As vozes dos brasileiros clamavam por mais atenção a questões sociais e aos serviços básicos como educação, saúde, segurança, que o Estado teoricamente teria o dever de garantir aos cidadãos. Os protestos brasileiros desde junho de 2013 e os movimentos sociais envolvidos neles são manifestações legítimas de um descontentamento comunicado, mas que exigirá amadurecimento da sociedade no tocante à resolução das questões por eles comunicadas. Tal descontentamento suscita das autoridades um posicionamento ainda maior e revisão do seu papel ou repensar o modelo de democracia com a legitimação de espaços dialógicos e interativos que permitam ampliar os graus de participação e decisão dos cidadãos.
Nos casos específicos de 2015 e 2016, não se trata, portanto, de atos contra Dilma ou PT, que são apenas um viés da moeda multifacetada da política brasileira que ano após anos, mandato após mandato ou alternância de grupo no alto escalão. São atos contra o descaso político generalizado que inclui todas as legendas, quer tucanos ou petistas que fazem no exercício de funções da representatividade democrática, um desserviço ao país e aos cidadãos brasileiros. O foco não é este ou aquele personagem que pode vir ou não a ser o bode expiatório, mas algo muito maior, que infelizmente faz parte da cultura política brasileira.
São milhões e milhões de pessoas que se indignam com os desvios assombrosos de dinheiro e com a corrupção que faz do país, um dos campeões dentre os pagadores de impostos e com o baixo retorno social, um retrato da vergonha e falta da responsabilidade de inúmeros governantes de qualquer esfera ou partido.
Tais manifestações, apesar de sua apropriação por este ou aquele grupo, representam um empenho de múltiplas camadas sociais em exercitar a participação política em um contexto no qual o processo democrático ainda se encontra permeado por graves lacunas e por vigorosas críticas não só ao Estado, mas a todos os agrupamentos políticos. Acrescenta-se a isso algo que ainda tem sido pouco explorado pelos estudiosos do evento aqui analisado: as desconfianças em relação às instituições oficiais incitaram a constituição de novos grupos pautados mais pela confluência de interesses e expectativas do que por um alinhamento ideológico mais evidente. Pensa-se também que se constituiu numa etapa sociocultural na qual os sujeitos da pós-modernidade buscavam novas formas de pertencimento, associativismo e colaboração. Representam esperança de mudança e transformação social diante da representatividade que a eleição direta fornece. Entretanto, a população ficou esperando mudanças que não ocorreram em nenhuma das demandas levantadas desde 2013.
Se tais experiências participativas vivenciadas durante esses protestos devem ou não ser o embrião de uma nova sociedade e de mudanças profundas nos modelos que hoje observamos ainda é cedo para dizer. Espera-se que os reflexos transformadores desse fenômeno aqui observado sejam conhecidos a médio e longo prazo. Que as análises de tais vivências contribuam para suscitar novas discussões e questionamentos para a construção de uma sociedade mais transparente, mais dialógica e consequentemente mais cidadã, democrática, igualitária e humana. Observemos…
* Jornalista, professor universitário, doutorando e mestre pelo Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Bauru-SP.
Deixe um comentário