O vice-líder do PPS na Câmara, deputado Arnaldo Jordy (PA), pediu nesta quarta-feira (17) ao Ministério Público Federal (MPF) a abertura de inquérito contra a construção do “parlashopping”, no anexo 5 da Câmara dos Deputados. A construção de um centro comercial no Parlamento, segundo Jordy, representa uma agressão ao tombamento de Brasília como patrimônio cultural da humanidade.
A Mesa Diretora da Câmara é autora do projeto, que tem o apoio do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Para o deputado do PPS, a edificação pode afetar o conjunto arquitetônico da capital. “A existência de prédio comercial alteraria o tráfego na região, podendo agravar a questão da falta de estacionamentos”, disse Jordy no pedido endereçado ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O parlamentar quer que um inquérito civil público seja movido contra a Mesa.
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Jordy afirma que o estudo do projeto apresenta algumas inconsistências, como a ausência de altura máxima do shopping, além da falta da delimitação dos espaços destinados à Câmara e às áreas destinadas a atividades comerciais. Orçado em R$ 1 bilhão, o novo complexo, que abrigará o shopping, inclui uma reforma no Anexo IV e a construção de outros três prédios.
O Senado aprovou no mês passado a Medida Provisória (MP) 668/2015, que integra o pacote do ajuste fiscal e autoriza o Legislativo a firmar uma parceria público-privada para a construção do “parlashopping”. Na discussão no Senado, alguns senadores se mostraram contrários à medida. “Só vai faltar qualquer dia desses nós recebermos aqui uma medida provisória que acrescenta a construção de um motel!”, protestou Jader Barbalho (PMDB-PA), acrescentando que devolveria a medida para Eduardo Cunha se fosse presidente do Senado.
Cunha nega
O presidente da Câmara nega ter a intenção de construir um shopping na Câmara. Segundo ele, a ideia é reformar o Anexo IV, que hoje abriga a maior parte dos gabinetes dos deputados, e ampliar as opções de restaurantes na Casa.
“Ninguém disse que vai ter shopping na Câmara. Eu acabei de ir a um restaurante aqui, no anexo IV. Ninguém vai fazer loja de Louis Vuitton. É maldade quem diz isso”, disse.
“Ninguém vai fazer shopping de absolutamente nada. O que está se discutindo é que temos o anexo IV que precisa de reforma de manutenção e tem gabinetes que precisam de novos plenários, no anexo III. Se a gente puder fazer essa obra de graça, melhor. E a fórmula que se pensou é que uma outra área possa ser concedida. Ninguém vai fazer shopping aqui. Isso é uma palhaçada”, acrescentou.
Confira a íntegra da representação de Arnaldo Jordy contrária ao “parlashopping”:
Excelentíssimo Senhor Procurador Geral da República, Doutor Rodrigo Janot Monteiro de Barros
ARNALDO JORDY, brasileiro, separado, CPF 210.628.622-87, Deputado Federal (PPS/PA), com endereço funcional no Gabinete 506, Anexo IV,vem, mui respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 5º, inciso XXXIV, “a”, da Constituição Federal e, também, com supedâneo no art. 6º da Lei nº 7.347/85, formular a presente
REPRESENTAÇÃO
com pedido de Instauração de Inquérito Civil Público e Propositura de Medidas Judiciais Cabíveis, no intuito de acompanhar e fiscalizar as medidas adotadas pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados para a construção de novos edifícios na área destinada ao Congresso Nacional, hoje considerada Patrimônio Cultural Mundial pela UNESCO.
I – EXPOSIÇÃO DOS MOTIVOS:
I.1. – Preservação do patrimônio cultural mundial
Em 1987, Brasília foi incluída no rol das cidades que integram o patrimônio cultural mundial pela UNESCO por ser considerada um marco na história do planejamento urbano. O arquiteto Oscar Niemeyer e o urbanista Lúcio Costa pretendiam que cada elemento – da arquitetura das áreas residenciais e administrativas (frequentemente comparadas à forma de um pássaro durante o voo) à simetria dos próprios edifícios – estivesse em harmonia com o design geral da cidade. Os edifícios oficiais são especialmente inovadores e criativos, sobretudo aqueles situados na denominada “Praça dos Três Poderes”, onde está o complexo de prédios destinados ao funcionamento da Câmara dos Deputados.
Nesse sentido, a UNESCO trabalha impulsionada pela Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural (1972), que reconhece que alguns lugares na Terra são de “valor universal excepcional”, e devem fazer parte do patrimônio comum da humanidade.
Enfatizando fortemente o papel das comunidades locais, a Convenção funciona como uma ferramenta eficaz para o monitoramento da mudança climática, da urbanização acelerada, do turismo em massa, do desenvolvimento socioeconômico e dos desastres naturais, além de outros desafios contemporâneos. A Convenção explica ainda como se deverá utilizar o Fundo do Patrimônio Mundial, como se deve administrá-lo e em que condições se pode prover assistência financeira internacional.
Para serem incluídos na Lista do Patrimônio Mundial, os sítios devem satisfazer alguns critérios de seleção, quais sejam:
– representar uma obra-prima do gênio criativo humano, ou
– ser a manifestação de um intercâmbio considerável de valores humanos durante um determinado período ou em uma área cultural específica, no desenvolvimento da arquitetura, das artes monumentais, de planejamento urbano ou de paisagismo, ou
– aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural ou de uma civilização ainda viva ou que tenha desaparecido, ou
– ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto arquitetônico ou tecnológico, ou de paisagem que ilustre uma ou várias etapas significativas da história da humanidade, ou
– constituir um exemplo excepcional de habitat ou estabelecimento humano tradicional ou do uso da terra, que seja representativo de uma cultura ou de culturas, especialmente as que tenham se tornado vulneráveis por efeitos de mudanças irreversíveis, ou 
 

– estar associados diretamente ou tangivelmente a acontecimentos ou tradições vivas, com idéias ou crenças, ou com obras artísticas ou literárias de significado universal excepcional (o Comitê considera que este critério não deve justificar a inscrição na Lista, salvo em circunstâncias excepcionais e na aplicação conjunta com outros critérios culturais ou naturais).
É igualmente importante o critério da autenticidade do sítio e a forma pela qual ele esteja protegido e administrado.
A conservação do Patrimônio Mundial é um processo contínuo. Incluir um sítio na Lista serve de pouco, se posteriormente o sítio se degrada ou se algum projeto de desenvolvimento destrói as qualidades que inicialmente o tornaram apto a ser incluído na relação dos bens do Patrimônio Mundial.
Na prática, os países tomam essa responsabilidade muito seriamente. Pessoas, organizações não-governamentais e outros grupos comunicam ao Comitê do Patrimônio Mundial possíveis perigos para os sítios. Se o alerta se justifica e o problema é suficientemente grave, o sitio será incluído na Lista do Patrimônio Mundial em Perigo.
I.2. O caso de Brasília – construção de edifícios no complexo do Congresso Nacional
Brasília possui a maior área urbana considerada patrimônio da Humanidade. São 112,25 mil km² que compreendem o Plano Piloto, da região do Palácio da Alvorada até o traçado da EPIA.
De acordo com o ex-diplomata brasileiro José Osvaldo Meira Penna, autor do livro “Quando Mudam as Capitais”, editado pelo Senado Federal, a criação de uma capital artificial situada em posição mediana e independente da configuração territorial do conjunto do país é condição fundamental para o funcionamento normal de uma Federação”.
Ainda conforme Meira Penna, “como símbolo, a nova capital deve ser necessariamente uma cidade bela, digna e de magnificência arquitetônica”. Qualidades que Brasília possui e que a levaram a tornar-se patrimônio cultural da Humanidade.
No caso em questão, existe estudo preliminar elaborado pelo Departamento Técnico da Casa para nova construção de edifícios no Complexo da Câmara dos Deputados. Hoje, a proposta avança no sentido de colher projetos correlatos oriundos da iniciativa privada, a fim de traçar a proposta vencedora para a execução do projeto.
Alegando o aumento do número de deputados entre a inauguração da cidade e de hoje (de 326 para 513), bem como o aumento do fluxo de pessoas que circulam pelas imediações da Casa, em 26 de março deste ano a Mesa Diretora lançou mão do PMI nº 001/2015-CD – Procedimento de Manifestação de Interesse para a realização de estudos de viabilidade técnica, operacional, econômico-financeira e jurídica, visando à estruturação de parceria público-privada, na modalidade concessão administrativa, para a construção, reforma, operação e manutenção de prédios destinados a gabinetes parlamentares e a outras estruturas da Câmara dos Deputados.
O Projeto Preliminar prevê a construção de mais 3 prédios (denominados IV-B, IV-C e IV-D), ao lado do atual Anexo IV, além de uma Praça de Serviços.
O novo complexo de prédios, uma das promessas de campanha do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), será construído na área H da Praça dos Três Poderes e tem área estimada em 36 mil m². Segundo informações da Câmara, o projeto de arquitetura já está pronto e este ano serão gastos pelo menos R$ 5 milhões para a contratação de projetos complementares, como os de fundação, instalações gerais e engenharia.
No total, entretanto, a previsão é de que sejam gastos até R$ 1 bilhão com a construção do Anexo V e na ampliação projetada para o Anexo IV, outra grande obra prevista pelo Legislativo. Tudo pode ficar pronto em 2017.
O mais polêmico dos edifícios é o Anexo 4-D, que será voltado para a exploração comercial, o que se assemelha a um shopping. Apesar de o texto não mencionar este termo, as instalações devem ter três pavimentos de superfície e oito em subsolo, sendo do 2º ao 8º subsolos destinados a garagem e áreas técnicas, e as demais áreas, para aluguel. Entre os blocos C e D, ainda haverá uma Praça de Serviços, “com restaurantes, cafés e áreas de convivência, entre outras”.
Consultado informalmente pela imprensa a respeito da iniciativa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), órgão do Ministério da Cultura que tem a missão de preservar o patrimônio cultural brasileiro, já identificou que a área não é destinada a shoppings e, além de ameaçar intervir na questão, pode, com amparo no tombamento de Brasília, sustar a construção.
Segundo o Iphan, o tombamento mundial de Brasília estará ameaçado porque para permanecer na lista de patrimônios da Humanidade, uma cidade precisa preservar as características que a levaram a figurar nessa seleta lista.
Para o superintendente do Iphan no DF, o arquiteto Carlos Madson Reis, a instalação de um centro comercial no novo Anexo, como quer o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), “é uma necessidade criada que altera o funcionamento da cidade naquela região”. E acrescentou:
“Sabemos que as cidades são dinâmicas e mudam constantemente. Há necessidades reais como a modificação urbana que permitiu a ligação viária entre a W3 Sul e a W3 Norte, que não existia até os anos 80. Mas esse é um caso diferente da alteração dos propósitos naquela área do Congresso. O que se prevê é muito significativo com o surgimento de um shopping ou de um centro comercial e teria enorme impacto na cidade. Além disso, a área é destinada apenas ao funcionalismo público federal e para obter licença de funcionamento seria preciso mudar as leis que ordenam Brasília.”
Até hoje, apenas dois lugares foram excluídos da lista de Patrimônio Mundial da Unesco. Em caso mais similar ao nosso, podemos citar o Vale do Rio Elba, em Dresden (Alemanha), que em 2009 perdeu o título durante a reunião do Comitê. A exclusão deveu-se à construção de uma ponte com quatro faixas de rolamento. Para a Unesco, a obra afetou de forma irreparável a paisagem cultural em um ponto especialmente sensível.
Em 2004, a Unesco havia agraciado 18 quilômetros do Vale do Elba com o título de Patrimônio Mundial da Humanidade. Além de se estender por vastos campos, o rio Elba cortava o centro da cidade de Dresden e, a partir dele, poder-se-ia ver a Ópera Semper, a igreja Frauenkirche e as construções barrocas do Museu Zwinger. O título havia sido concedido devido a esses e outros edifícios, às coleções de arte que abrigam, ao trabalho paisagístico e de jardinagem da região, que, em sua maioria, remontavam aos séculos 18 e 19.
Para a cidade, a perda do título teve sérias consequências financeiras. Além de eventualmente receber menos turistas, a cidade deixou de receber a verba relativa ao programa de apoio aos Patrimônios Mundiais alemães, dotado de150 milhões de euros.
Faz-se necessário, portanto, gerenciar o impacto do conjunto edificado da Câmara, no âmbito do planejamento urbano e da mobilidade urbana, enquanto centro de serviços e polo gerador de tráfego.
I.3 – Fragilidades do Procedimento de Manifestação de Interesse nº1/2015-CD (texto em anexo):
À primeira vista, embora justifique a necessidade de construção responsável para abarcar o aumento do fluxo nas dependências da Câmara, algumas omissões e incongruências são facilmente notadas no texto que encaminha as diretrizes:
1. Ausência de altura máxima dos prédios a serem construídos nos Lotes 1 e 2, com base na NGB 103/2009 e NGB 41/2000, respectivamente (Pags. 29 e 30 da PMI);
2. Falta de clareza e delimitação quanto aos espaços destinados à Câmara dos Deputados e às áreas destinadas à exploração comercial em todos os prédios do Anexo IV (pags. 40, 41, 43 e 45):
“Uso Proposto no Plano de Ocupação: Ocupação exclusiva por órgãos da Câmara dos Deputados, ressalvadas as áreas passíveis de exploração comercial que poderão ser consideradas para fins de fontes de receitas acessórias ou complementares, tal como previstas no item 4.3 deste documento, com exceção dos subsolos destinados à garagem.”
Da forma como está redigido, as áreas destinadas às concessões e serviços não têm limite claro em nenhum dos edifícios.
3. Além disso, o Anexo IV-D seria praticamente destinado a tais concessões, ou seja, seria de fato, apenas um prédio comercial de 3 andares, com área de 36.431 m² de destinação comercial, fora os 8 subsolos de garagem, que também poderiam ser explorados comercialmente, pois não estão destinados ao uso da Câmara, como nos casos dos Anexos IV-B e IV-C.
Vemos aí dois problemas: a) além de não resolver a grave questão da falta de estacionamentos para servidores e visitantes (pois os edifícios serão construídos sobre o atual estacionamento), b) a existência de prédio comercial alteraria o tráfego na região, podendo inclusive agravar a questão da falta de estacionamentos.
Para se ter uma idéia, centros comerciais de grande porte, como, por exemplo, o Iguatemi do Lago Norte, têm área construída de 31.822 m² e 2673 vagas de garagem. O prédio IV-D teria área ainda maior destinada a concessões, com apenas 500 vagas a mais, sem contar o prédio IV-C, que seria destinado a lojas de alimentação, podendo ser polo atrativo de fluxo ainda maior.
II – DOS REQUERIMENTOS:
Amparados pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, prevê o ajuizamento de ações cautelares para evitar dano irreparável ao patrimônio público, requeremos:
I – O regular processamento do feito com a manifestação do Parquet Federal sobre a questão apresentada, inclusive com a abertura de inquérito civil público para apurar a suposta ofensa aos interesses difusos violados pelo descumprimento do artigo 17, da Lei 7.374, de 24 de julho de 1985;
II – Caso considere procedente, seja ajuizada ação cautelar, nos termos do Art. 4º do referido dispositivo legal, objetivando evitar dano ao patrimônio público e social, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico em eventual processo licitatório de PPP para execução dos projetos baseados na PMI;
III – Caso sejam confirmados os fatos, que seja promovida a competente ação civil pública contra a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 17 de junho de 2015.
ARNALDO JORDY
DEPUTADO FEDERAL
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