Semy Ferraz *
Causou-me apreensão a declaração da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que, como próxima presidente da mais alta corte, pretende defender a língua portuguesa. Essa declaração foi resposta a uma consulta do ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente, de como ela prefere ser chamada, de “presidente” ou “presidenta”.
Tenho o maior respeito pela Ministra Cármen Lúcia, não apenas pela liturgia no exercício do cargo, mas, sobretudo, pela trajetória de dignidade com que chegou à mais importante corte do país. Por isso é que me dirijo a ela para, humildemente, como brasileiro que lutou pela implantação do Estado Democrático de Direito e pela elaboração da Constituição Federal de 1988, pedir-lhe que defenda, acima de tudo, nossa Constituição Cidadã.
Num dramático momento da história do Brasil, em que muitos fora de lei esnobam acintosamente, em tom de deboche, os brasileiros cumpridores de seus deveres, cabe ao STF o papel de guardião da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito. Embora existam precedentes deploráveis de que a Suprema Corte se curvou em abril de 1964, em dezembro de 1968 e em abril de 1977, sem dúvida, depois de outubro de 1988, reconquistou seu papel histórico com a maior altivez.
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Essa apreensão não decorre tão somente do ambiente golpista que ronda o Palácio do Planalto a partir do final de 2015 e culminou em 12 de maio de 2016, quando do afastamento da presidenta Dilma Rousseff do cargo conquistado legitimamente nas urnas. Os mesmos personagens saídos dos obscuros labirintos do poder paralelo que diversas quadrilhas foram construindo à revelia da lei e da ordem têm tido suas ações investigadas há pelo menos uma década pelo Ministério Público da União e pela Polícia Federal.
São os mesmos conspiradores do Estado de Direito e da soberania popular que estão na iminência de pagar por crimes denunciados pela Operação Lama Asfáltica. Esses expoentes da política estadual respondem, inclusive com prisão provisória pela iminente ameaça que representam estando em liberdade. Pois, muitos deles foram indiciados na Operação Vintém, que elucidou a farsa eleitoral montada para inviabilizar minha reeleição, há quase uma década. Quase dez anos em que espero, como a maioria dos brasileiros, que seja feita justiça com tão eloquentes provas do crime que foi cometido contra minha honra, imagem pública e vida política interrompida.
E foi, aliás, a própria ministra Cármen Lúcia que, como relatora da Operação Vintém no STF, remeteu à Justiça Federal o processo contra o então deputado federal Edson Girotto, por entender que não tinha foro privilegiado ao ter-se licenciado para assumir o cargo de secretário de Obras no governo de seu chefe André Puccinelli. A decisão da ministra foi questionada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que reuniu a jurisprudência em seu argumento, mas a demora para se manifestar e a extinção do mandato de Girotto levaram o processo para a Justiça Federal. Ao final, o juiz Dalton Igor Kita Conrado, da 5ª Vara Federal de Campo Grande, o inocentou no início deste ano, junto com André Puccinelli Jr., Micherd Jafar Jr. e Edmilson Rosa.
Os operadores do Direito costumam dizer que não há nada pior que uma Justiça demorada. Mas se isso acontece com um homem público como eu, que tenho percorrido todas as instâncias do Poder Judiciário à procura de justiça, imaginem, então, como ficarão os cidadãos anônimos, destituídos de condições econômicas para constituir um advogado para a sua causa?
Por isso, Ministra Cármen Lúcia, reitero: defenda sobretudo a Constituição Federal, legado de toda a geração das Diretas-Já, da luta pela implantação do Estado Democrático de Direito, que está na iminência de virar letra morta pela ação das poderosas quadrilhas que se encastelaram sob a batuta de grupos políticos golpistas e antidemocráticos à caça de poder e de privilégios.
* Semy Alves Ferraz é engenheiro civil, ex-deputado estadual e ex-secretário de Infraestrutura, Transportes e Habitação de Campo Grande (MS).
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