Antonio Vital*
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar, na próxima semana, a legalidade das pesquisas com células-tronco de embriões. A ação foi proposta pelo então procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, inconformado com o dispositivo da Lei de Biossegurança que autoriza as pesquisas. O argumento de Fonteles é de que os embriões, mesmo congelados e fora do útero materno, são seres humanos e, como tais, têm tanto direito à vida quanto qualquer pessoa.
Os ministros do Supremo estão se preparando, portanto, para tomar uma decisão que vai ter muito mais impactos do que se pensa. Ao definir quando começa a vida, eles vão tomar uma posição definitiva também sobre uma eventual descriminalização do aborto e até sobre as atividades das clínicas de reprodução assistida, que congelam embriões e depois os descartam.
Fonteles participou, na noite de terça-feira (26), de um debate sobre a Lei de Biossegurança no programa Expressão Nacional, da TV Câmara. A lei completa três anos agora em março e, além de autorizar as pesquisas com os embriões, também abriu as portas para a produção e comercialização de produtos transgênicos no país.
Além do ex-procurador geral da República, debateram o tema o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), que é médico e foi o relator da Lei de Biossegurança na Câmara; o deputado Fernando Ferro (PT-PE), secretário de Meio Ambiente do PT; e Jairon Nascimento, coordenador-geral da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o órgão encarregado de aprovar ou não os produtos geneticamente modificados.
Além dos aspectos éticos e morais, a Lei de Biossegurança provoca impacto direto na economia brasileira. O Brasil já é o terceiro maior produtor de transgênicos do mundo e a liberação do plantio dessas sementes ainda divide os ambientalistas.
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Segundo a organização não-governamental ISAAA (Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas), o Brasil registrou uma expansão de 3,5 milhões de hectares nas lavouras transgênicas em 2007, crescimento maior que o do líder mundial nesse tipo de cultivo, os Estados Unidos – que foi de 3,1 milhões de hectares. O Brasil, já na safra 2008/2009, também deve superar o segundo colocado, a Argentina.
E o uso de células-tronco em pesquisas genéticas já provocou a reação da Igreja Católica. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se posicionou contra ao uso na Campanha da Fraternidade 2008. A campanha “Fraternidade e Defesa da Vida” é contra a legalização do aborto, a prática da eutanásia, o uso de células-tronco e as práticas de reprodução assistida, entre outros.
Mas, de acordo com especialistas, as pesquisas com células-tronco podem ter impacto na vida de 5 milhões de brasileiros que estão com lesões físicas ainda irreversíveis ou que são portadores de doenças genéticas.
Este dilema dominou boa parte do debate na TV Câmara, polarizado pelos argumentos de Perondi, favorável às pesquisas, e de Fonteles, contrário. “Eu não estou propondo o fim das pesquisas e nem pedi isso na ação. Afinal, existem alternativas que não são a destruição do embrião. Podem ser usadas células da pele, por exemplo, como demonstrado recentemente”, argumentou Fonteles.
“A lei foi aprovada com poucos votos contra no Congresso. Célula-tronco não é religião, é laboratório”, contra-argumentou Perondi. Os dois resumiram, assim, o grande debate travado sobre o assunto.
E os dois lados têm fortes argumentos. Segundo a ONG Movitae, de 3 a 5% dos brasileiros têm doenças genéticas e surgem a cada ano 10 mil novas vítimas de lesão medular, casos para os quais as pesquisas com embriões trazem esperanças reais de cura em um futuro próximo.
Cientistas pesquisam as aplicações dessa tecnologia em doenças neuromusculares, diabetes, mal de Parkinson e até na reprodução de órgãos para transplante. E as células-tronco embrionárias são as únicas – pelo que se sabe até o momento – capazes de reproduzir todos os 216 tecidos do corpo humano.
O debate relativo aos transgênicos é quase tão apaixonado quanto o que cerca os embriões. Recentemente, a decisão da CTNBio de liberar o plantio e a comercialização de duas variedades de milho geneticamente modificado provocou reações iradas de outros dois órgãos do governo, o Ibama e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Até a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, é contra os transgênicos, produtos que no mundo todo envolvem negócios de mais de US$ 7 bilhões.
Os ambientalistas argumentam que não se sabem os reais impactos desses produtos no meio ambiente e no corpo humano. Existe, por exemplo, a possibilidade concreta de produtos transgênicos se misturarem geneticamente com espécimes naturais, reduzindo assim a diversidade genética das plantas. E o fato de poucas mega-empresas, como a Bunge, a Monsanto, a Bayern e outras, dominarem a tecnologia e o mercado lança dúvidas quanto ao impacto econômico desse negócio, principalmente nos países pobres.
Mas, por serem resistentes a pragas e ameaças naturais, os transgênicos tendem a ser mais baratos, o que acrescenta outro ingrediente à discussão em um mundo cada vez mais povoado e com menos recursos naturais.
“A literatura científica não registra qualquer notícia fundamentada que levante dúvidas sobre esse tipo de alimento”, disse Nascimento, da CTNBio. Fernando Ferro, o representante dos ambientalistas na discussão, foi categórico: “Nesta área há interesses de grandes corporações, que dominam e influenciam as pesquisas. Os transgênicos podem causar impacto na fauna e na flora”, concluiu.
O programa sobre as células-tronco e os transgênicos será reprisado sexta (29), às 4h e às 11h30; sábado (1), às 12h; domingo (2), às 9h30; e segunda (3), às 6h e às 10h.
Na próxima terça-feira (4), àss 22h, o Expressão Nacional vai debater ao vivo o futuro de Cuba sem Fidel Castro na presidência. Participam do programa o ex-embaixador do Brasil em Havana Tilden Santiago; o deputado José Aníbal (SP), líder do PSDB na Câmara; e o médico cubano radicado no Brasil Carlos Rafael Gimenez. Sugestões e perguntas podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.br ou pelo telefone gratuito 0800-619619.
*Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional.
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