Fábio Flora*
Quem nunca ouviu falar que notícia boa é notícia ruim? Que notícia ruim é que vende jornal? Que tragédia é que faz o ibope subir? Basta a gente acessar os principais portais da internet ou ligar a tevê diariamente para constatar que o público tem sido assombrado (só para ficar no campo econômico) com uma crise de proporções tsunâmicas – ainda que índices como inflação e desemprego mal tenham superado a condição de marola.
Por isso, não me surpreende nem um pouco que um exercício de utopia feito Tomorrowland, escrito e dirigido por Brad Bird, esteja fracassando nas bilheterias. No Brasil, por exemplo, o filme estrelado por George Clooney foi soterrado em sua estreia por um espécime genérico do cinema-catástrofe (Terremoto – a falha de San Andreas), já em cartaz havia uma semana.
Uma pena. Num mundo que parece ter abraçado todas as distopias imagináveis – do apocalipse zumbi ao planeta dos macacos, passando pela rebelião das máquinas e da natureza –, o novo trabalho de Bird merece ser apreciado justamente por recuperar uma visão otimista do futuro, por ousar acreditar que ainda é possível o que muitos julgam impossível: salvar a humanidade.
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Para isso, a trama conta com uma protagonista – a jovem Casey Newton (Britt Robertson) – não só determinada a evitar que uma plataforma de lançamento de foguetes seja desmontada, mas também inconformada com o olhar pessimista (realista?) de seus professores em relação ao destino do planeta. É especialmente divertida a sequência em que eles a ignoram enquanto falam de aquecimento global e afins.
Justamente por jamais desistir do futuro, Casey é escolhida por Athena (vivida com extrema sensibilidade por Raffey Cassidy) para impedir a destruição do mundo paralelo que dá nome ao filme e, consequentemente, da própria Terra. A elas se junta o inventor Frank Walker (Clooney), um homem desiludido que já estivera em Tomorrowland nos anos sessenta, quando ainda era um garoto.
Se não bastasse ser um deslumbre visual – seja pela recriação da Feira Mundial de 1964, seja pelos gadgets da casa onde Walker se exila por anos, seja pelo design da tal Terra do Amanhã, com suas piscinas que desafiam a gravidade –, o longa ainda oferece um roteiro que escapa da mediocridade como se usasse um propulsor a jato; a um só tempo, ele encanta o espectador com as possibilidades do futuro e o alerta para os paradoxos do presente, como o fato de vivermos simultaneamente epidemias de obesidade e fome.
Além disso, os roteiristas adotam uma estratégia invariavelmente elegante: a de espalhar aqui e ali – com discrição – pistas sobre o que vai acontecer nas cenas seguintes. Exemplo disso ocorre quando, instantes antes de Walker atravessar a passagem secreta (ou cair na toca) que o levará pela primeira vez a Tomorrowland, vemos de relance um conhecido personagem de Alice no País das Maravilhas.
Falando em personagens conhecidos, outra ótima sacada é a “participação” de Júlio Verne, Thomas Edison, Nikola Tesla e Gustave Eiffel (imagineers, diria Walt Disney) num momento-chave do filme, no qual um famoso cartão-postal se mostra muito mais do que uma simples escultura de ferro. A reação das pessoas nas ruas, registrando o espetáculo inusitado com seus celulares, só ajuda a conferir verossimilhança à situação.
O maior espetáculo, no entanto, fica para os minutos finais. Capaz de arrepiar os que deixaram o cinismo do lado de fora do cinema, a sequência que encerra a projeção estabelece uma rima temática que não deve passar despercebida aos corações mais atentos (spoiler! spoiler!): os escolhidos da vez para habitar Tomorrowland – gente de todas as partes do mundo – ecoam e de certa forma realizam aquelas marionetes multiétnicas vistas no início do longa, numa das principais atrações da Feira Mundial, chamada It’s a Small World.
Cumprem a esperança quase ingênua de que, apesar de a cada manchete nos ser vendido um futuro à Mad Max, há um outro bem melhor – todo feito para quem nele acredita.
*Cronista residente no Rio de Janeiro, Fábio Flora mantém o blog Pasmatório e perfil no Twitter.
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