A notícia da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro veio reforçar a pertinência de uma reflexão sobre o papel do cidadão no controle das instituições democráticas brasileiras.
Penso nisso desde que ouvi um programa de rádio. No “Assim é Brasília”, da CBN, Rodrigo Chia, membro do Observatório Social, chamou a atenção para o fato de que o desabamento do viaduto do Eixão, no dia 6 de fevereiro, poderia ter sido evitado, já que um relatório feito pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal em 2012, a pedido do Ministério Público de Contas, já apontava problemas na conservação daquele trecho viário, entre outros da região.
Porém, para surpresa do observador e minha também, o processo aberto naquele momento… não chegou à conclusão alguma! A Lei de Responsabilidade Fiscal determina que o Executivo não inicie novas obras antes de destinar recursos para a conservação da estrutura já existente, como explicou Chia.
O governo Agnelo Queiroz fez, inclusive, uma reforma milionária num estádio, sem que o Tribunal de Contas (cujos membros são politicamente indicados) lhe aplicasse qualquer sanção. Ou que a Câmara Distrital, que compõe o Legislativo do DF com o Tribunal de Contas, exercesse seu papel de fiscalização.
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O atual governador, Rodrigo Rollemberg, também vinha negligenciando os cuidados com a infraestrutura viária, como bem lembraram os blocos de Carnaval de rua de Brasília. Mas a responsabilidade está longe de ser só dele. E o papel fiscalizatório do cidadão? Diante desse arcabouço institucional que todos nós sabemos que é cheio de vícios, será que basta eleger os representantes?
Em sua obra-prima A Democracia na América, o teórico francês Alexis de Tocqueville descreveu, encantado, o sistema político que via nascer nas 13 colônias americanas no século XIX, já várias décadas após sua independência da Inglaterra. Chamou sua atenção, especialmente, a forma orgânica como a ideia de “pátria” estava assimilada à rotina daqueles cidadãos.
“Nos Estados Unidos, pensa-se, com razão, que o amor à pátria é uma espécie de culto ao qual os homens se prendem pelas práticas. Dessa forma, a vida comunal, de certo modo, faz-se sentir a cada instante; manifesta-se a cada dia pelo cumprimento de um dever ou pelo exercício de um direito. Essa existência política imprime à sociedade um movimento contínuo, mas ao mesmo tempo pacífico, que a agita sem a perturbar.” 1
Na jovem América, de acordo com Tocqueville, os funcionários públicos não buscavam vantagens pessoais. Eles tinham consciência de suas obrigações para com os cidadãos. Por isso, eram respeitados por estes, que acompanhavam de perto seu trabalho e lhes cobravam eficiência, quando era necessário.
Ok, não somos norte-americanos. Temos uma história – e, por consequência, uma psique – completamente diferente da deles, como souberam muito bem descrever os nossos “fundadores” Sérgio Buarque de Hollanda, Gilberto Freire, Raymundo Faoro, Celso Furtado. Só pra citar uma diferença, enquanto os colonos britânicos migraram para a “Nova Inglaterra” em busca de um novo lar, os portugueses vieram para o Brasil para explorar a colônia.
No entanto, importamos deles o modelo de funcionamento, suas instituições. O resultado disso é que, como bem marcou o membro do Observatório Social na CBN, no papel, tudo funciona perfeitamente bem. Mas, na prática, quase sempre por interesses políticos/pessoais (não nos esqueçamos do “homem cordial”…), o que vemos são sucessivas crônicas de uma morte anunciada, como a que aconteceu em Brasília no dia 6.
Pode ser que o que estejamos assistindo no Brasil, nesse momento – com o fortalecimento da participação política e do controle social pelos cidadãos, por um lado, impulsionados pelo desenvolvimento tecnológico; e o endurecimento dos discursos autoritários, por outro – seja uma apropriação da democracia pelos brasileiros. Já sabemos há tempos que somos muitos brasis. Que democracia é a nossa?
Essa tal democracia brasileira, jovem, instável e peculiar, completa 30 anos em 2018. Muitos de nós crescemos com ela, ouvindo as histórias tenebrosas de um tempo em que não se podia discordar da opinião vigente. Será que vamos ter que viver mais uma crise para aprender a valorizar a participação política? Para entender que nossas instituições são um reflexo do que nós somos e que, portanto, cada um de nós é responsável pelo que acontece na comunidade, na cidade, no país?
Minha esperança é que novos desabamentos não sejam necessários.
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