André Vital * e Samuel Salgado **
O presente trabalho trata da crise de representatividade dos usuários no âmbito dos serviços públicos prestados por meio dos contratos de concessão no Brasil, buscando demonstrar a necessidade de participação social para garantir a eficiência.
Nos termos do art. 6º, § 1º, da Lei 8.987/1995, adequado é o serviço que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. O art. 7º desse diploma prevê como direitos e obrigação do usuário, entre outros, o de receber do Estado e da concessionária as informações para a defesa de seus interesses, podendo comunicar os atos ilícitos.
Assim, sob a égide da Lei de Concessões, encontra-se o ideal de eficiência e de proteção aos usuários, o que está consoante à Constituição Federal. O eventual afastamento do Estado desse objetivo mostra-se incompatível com a legislação pátria e com os objetivos da política de desestatização, como se verá adiante.
Cabe lembrar que o cenário político-social existente na década de 90 permitiu a emergência de argumentos em prol de uma reforma estatal, contexto em que foi instituído um novo modelo de concessão de serviços públicos.
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O regime jurídico definiu-se na Lei 8.987/1995, que, em seu art. 29, inciso XII, estabelece como obrigação do poder concedente o estímulo à criação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço.
No campo teórico, apontava-se para a atuação ativa da sociedade civil como forma de fiscalização. O controle social seria um dos mecanismos mais democráticos e difusos. A reforma seria voltada para o cidadão. Ela não seria indiferente ou superior à sociedade. Pelo contrário, institucionalizaria a participação, permitiria uma democracia cada vez mais direta (Pereira, 1997, páginas 36 e 53).
Ainda há ausência de normatização no campo da defesa dos usuários, uma vez que o Congresso Nacional não elaborou a lei de defesa do usuário de serviços públicos, prevista pelo art. 27 da Emenda Constitucional n.º 19/1998 (SACRAMENTO, 2001, pg. 42), mas esse não é o maior problema.
É notório que, mesmo existindo normas, elas representam, unicamente, a expectativa de um ordenamento, cuja concretização está condicionada à intervenção humana.
Vontade essa que, tudo indica, não se concretizou. Há várias evidências de que o usuário de serviço público está alienado do processo decisório e do acompanhamento dos contratos de concessão.
Embora a legislação brasileira preveja a convocação de audiência pública para licitações e contratos administrativos de concessão, a análise do resultado prático dessas audiências demonstra a inexpressiva participação dos futuros usuários. O mero caráter formal desses eventos evidencia-se após a consolidação das informações, pois poucas melhorias são efetivamente agregadas aos editais de licitação.
Fato é que, quase vinte anos após a edição da Lei de Concessões, praticamente inexistem associações organizadas para discutir, em condições de igualdade com as agências estatais e com as concessionárias, questões técnicas relacionadas ao desequilíbrio contratual.
O alheamento social inicia-se antes de ser elaborado o respectivo edital de licitação, tendo em vista a ausência de debate, no âmbito da sociedade, quanto às propostas de desestatização da prestação de serviços públicos. Definem-se concessões de serviços públicos por disposições políticas, nas quais os usuários ficam desprovidos de qualquer manifestação volitiva.
A falta de controle social se mostra ainda mais evidente durante o longo período de execução contratual. Nessa fase, sequer são realizadas audiências, ou qualquer outro meio de participação social, mesmo quando feitas alterações significativas do contrato de concessão.
Os canais para o recebimento de reclamações, na própria concessionária, e as ouvidorias das agências de regulação não permitem a superação das barreiras relativas à condição de vulnerabilidade dos usuários.
O art. 4º, inciso VII, da Lei 8.078/1990, permite ao usuário evocar a defesa do consumir, para os casos de prestação de serviços inadequados. Todavia, a busca pela tutela do Estado de forma individualizada mostra-se inviabilizada em decorrência da vulnerabilidade e hipossuficiência que geralmente alça os usuários.
O indivíduo que supera a primeira grande barreira de alheamento e adquire uma noção, mesmo vaga, de que está sendo submetido a condições excessivamente onerosas para a obtenção de um serviço público vive o dilema de querer buscar a garantia dos seus direitos – seja de ter tarifas módicas ou de exigir serviços de maior qualidade – e ter que enfrentar judicialmente um grupo econômico poderoso e articulado.
O grau de isolamento dos usuários pode ser vislumbrado, bastando imaginar as barreiras a serem enfrentadas por um indivíduo. Primeiro, as de ordem técnica, para, por exemplo, obter os dados necessários para a verificação das inadimplências da concessionária ou para elucidar o valor da tarifa paga. Segundo, as de ordem jurídica, pela falta de conhecimentos específicos.
Assim, o usuário individual fica à mercê da boa-fé da outra parte e das decisões técnicas das agências de regulação, bem distantes da realidade por ele vivenciada.
O poder das concessionárias, o isolamento das decisões técnicas adotadas no âmbito das agências de regulação, as dificuldades enfrentadas pelos usuários para fazer valer os seus direitos e a insuficiência de recursos de entidades e de órgãos públicos resultam em uma conjuntura adversa aos preceitos constitucionais e aos próprios ideais basilares do plano de reforma do Estado.
Se o Estado, por meio das agências de regulação, cria obrigações a terceiros e os deixa desamparados, descumpre o direito fundamental estampado no art. 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal.
Na prática, criou-se uma estrutura que acaba por contrariar o princípio da igualdade na relação entre prestadores e destinatários de serviços públicos. Enquanto os lucros das concessionárias superam as expectativas dos acionistas, os usuários não têm chance de defesa quando lesados.
Resta a esperança. De um lado, o cenário de proscrição dos usuários dos contratos de concessão de serviços públicos. De outro, o paulatino processo de conscientização quanto à necessidade de atitudes concretas por parte do Estado e da sociedade.
O crescente interesse pelo tema, não só na área de concessões de rodovias, mas também de energia, telefonia, etc., e a entrada de novos agentes no estudo dos contratos de concessão apresentam o potencial de, gradualmente, trazer o aclaramento dos modelos, estudos e contratos, permitindo o aprimoramento da gestão e possibilitando a evolução jurisprudencial.
A dinâmica social hodierna também serve de alento aos otimistas. É crescente o movimento de organização da sociedade para a superação da vulnerabilidade política ou legislativa de grupos sociais mais fracos economicamente. Tais vetores poderão, em breve, apontar para a direção da eficiência pública, entendida em sentido amplo.
* André Luiz Francisco da Silva Vital é servidor do Tribunal de Contas da União, graduado em Engenharia Civil (UnB) e Direito (IESB), especializado em Matemática pela UnB.
** Samuel de Resende Salgado é servidor do Tribunal de Contas da União, graduado em Contabilidade (UDF), Especialista em Contabilidade Pública pela Universidade de Brasília (UnB).
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