Renata Camargo
A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) terminou nesta quinta-feira (17) com a sinalização de um possível aumento do controle da sociedade civil e do Estado sobre as mídias no Brasil. Sob protesto de representantes do setor empresarial, entidades da sociedade civil conseguiram aprovar propostas como a criação do Conselho Nacional de Comunicação e o Tribunal de Mídia, que sugerem maior controle público sobre concessões de radiodifusão e os conteúdos da mídia.
Apesar dos embates iniciais, no entanto, o clima ao final da conferência era de confraternização entre movimentos sociais, empresários – os que participaram, uma vez que entidades como a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) – e representantes do governo. Após três dias de trabalho intenso e caótico, os quase 1,6 mil participantes conseguiram chegar a consenso em boa parte das propostas. Um dos motivos de consenso foi o caráter generalista de muitas das propostas. Outra questão é o fato de a conferência não ser deliberativa, ou seja, o que foi aprovado servirá de sugestão para futuras políticas públicas e leis.
“As propostas todas são indicativas. O que é do Executivo vamos olhar tudo e ver o que se pode encaminhar via norma e decreto e depois vamos encaminhar as coisas que são de responsabilidade do Congresso. As propostas são indicativas, mas é bom lembrar que o SUS nasceu de uma Conferência Nacional de Saúde. Tem muitas coisas aqui que podem ser construídas”, garantiu o secretário-executivo da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Ottoni Fernandes Júnior.
Na avaliação do vice-presidente da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), um das entidades que representou o setor empresarial, Walter Ceneviva, a média das propostas aprovadas “favorece a melhoria da comunicação no Brasil”, apesar de que várias propostas aprovadas tenham sido consideradas “absurdas” e “graves ameaças à liberdade de expressão”.
“A verdade é que, na média, as propostas favorecem a melhoria da comunicação no Brasil no que diz respeito à multiprogramação, distribuição de audivisual, fomento de produção de conteúdo e ao regime de convivência entre todos os atores da mídia (…) No entanto, a gente lamenta que algumas poucas propostas de censura e cerceamento de liberdade de expressão tenham sido aprovadas. Mas a gente confia que, em um estado de direito como o que o Brasil vive, essas propostas isoladas não prevalecerão”, considerou Ceneviva.
Controle
Uma das maiores resistência do grupo empresarial foi em relação à proposta de criação do Conselho Nacional de Comunicação e de conselhos regionais. Os empresários entendem essa proposta como um controle público que pode levar à censura a liberdade de expressão. Eles afirmam que esse novo órgão poderá interferir no conteúdo da programação dos canais de rádio e TV, assim como tem ocorrido em países como a Venezuela e a Bolívia.
“Nos assusta e nos incomoda essa proposta de um conselho nacional. (…) Houve, por exemplo, uma proposta que, felizmente, foi rejeitada. Ela proibia que programas policiais fossem transmitido. Não são cinco a dez burocratas em Brasilia, organizados em um conselho, que devem dizer o que a gente pode ver e não pode ver. Isso quem escolhe somos nós”, protesta Ceneviva.
A criação do Conselho Nacional de Comunicação é apoiada pelo governo, que, no entanto, discorda dos movimentos sociais quanto ao poder deliberativo desse novo órgão. Segundo o secretário-executivo da Secretaria de Comunicação o órgão deverá ter caráter “fiscalizador e indicador” para incentivar a “melhoria da qualidade das mídias”.
“O Conselho Nacional é uma reivindicação importante. Não vemos qualquer papel nele que possa violar a liberdade de expressão. (…) Os movimentos sociais falam em controle social da mídia. O governo diz não a isso, porque o controle social pode parecer censura. Nós temos que usar o termo ‘regulamentar e fiscalizar’ a partir de dispositivos legais e órgãos constituídos por lei”, defende Ottoni.
Os movimentos sociais conseguiram aprovar também a criação do Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos. Conhecida como Tribunal de Mídia, a proposta prevê que esse observatório tenha um departamento jurídico para resolver “casos gritantes de desrespeito aos direitos humanos”.
“O controle público é uma forma de democratizar a informação. Os que dizem hoje que o controle público é censura são os mesmos que na ditadura militar cooperaram com o regime militar e censuraram os meios de comunicação. Os movimentos sociais, que hoje defendem o controle público, lutaram contra a censura na ditadura militar. Defendemos uma liberdade ampla . A gente não confunde liberdade de expressão com a liberdade de expressão do dono da televisão”, afirma Pedro Ekman, um dos representantes da organização Intervozes.
Sem consenso
O documento final com todas as propostas aprovadas na Conferência Nacional de Comunicação só deve ficar pronto da próxima semana. Entre as propostas que foram rejeitadas está a proposta que cria o Plano Nacinal de Banda Larga, com adesão do setor privado. A proposta, que segue na linha de uma política já apresentanda pelo governo, era uma reivindicação da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil).
A seu favor, os empresários conseguiram derrubar várias propostas que estabeleciam cotas de programação e de espectro de comunicação. Foi rejeitado o item que garantia a restribuição das concessões de rádio e TV em participação de 1/3 para o setor público, 1/3 para o setor privado e 1/3 para canais do setor estatal. Também não foi aprovada a proposta que previa a criação de uma lei para determinar cotas crescentes nas emissoras de TV aberta e fechada para a veiculação de animação produzidas por produtores independentes.
Foi rejeitada também uma proposta que previa a obrigação de que emissoras veiculassem inserções de ONGs e movimentos sociais em horários das programações, como é feito com partidos políticos.
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