Edson Sardinha
Depois de 20 dias de campanha maciça no rádio e na TV, 122.042.825 de eleitores brasileiros vão às urnas neste domingo decidir se concordam ou não com o mais polêmico dos 37 artigos da lei que regula o registro, a posse e a comercialização de armas de fogo e munição no país, o chamado Estatuto do Desarmamento.
Qualquer que seja o resultado das urnas, a nova legislação – aliada, é claro, a outras ações governamentais e da sociedade civil – produziu resultados positivos em sua ainda recente existência. O recolhimento de armas entregues voluntariamente contribuiu para algo inédito nos últimos 13 anos: a queda, em 8,2%, do número de óbitos por arma de fogo no país. Preservou-se, assim, a vida de 3.234 brasileiros, segundo o Ministério da Saúde.
A realização do referendo faz parte de um acordo feito pelos líderes partidários no Congresso para que a proposta fosse aprovada em 2003, em meio à pressão da bancada que se posicionou contrariamente ao estatuto. Sancionada em dezembro de 2003 pelo Executivo, a lei começou a valer com a condição de que o artigo 35 só entraria em vigência após ser submetido a consulta popular.
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É a terceira vez que o país recorre a essa prática, mais comum em países pequenos e desenvolvidos. Em 1963, os brasileiros decidiram restabelecer o presidencialismo, após breve experiência parlamentarista. O sistema e o regime de governo foram a voto novamente em 1993.
Agora o eleitor vai responder à seguinte pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?” Caso a resposta afirmativa saia vencedora, entrará em vigor o seguinte dispositivo do Estatuto do Desarmamento:
“Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta lei.”
As exceções ficam por conta de integrantes das Forças Armadas, agentes de serviços de inteligência, policiais, funcionários de empresas de segurança privada ou de transporte de valores, atiradores esportivos, moradores da zona rural que comprovem que dependem da arma para promover a subsistência (caçadores), juízes, promotores e vítimas de ameaças de morte.
Porte proibido
Essas mesmas categorias já são, desde a sanção do estatuto, as únicas que podem circular legalmente com arma de fogo pelas ruas no país hoje. E continuarão sendo, mesmo que o voto “não” saia vencedor das urnas.
A possibilidade de mudança nas regras levou a um aumento expressivo da comercialização de armas no país nos últimos meses. Apenas em agosto, segundo a Polícia Federal, foram vendidas 12.600 armas, 306% a mais que as 3.100 vendidas
Prazo final para entrega
Domingo também é, aliás, o último dia para quem tem uma arma ilegal em casa entregá-la, com direito a indenização, à polícia. De segunda-feira em diante, será crime manter uma arma sem registro (documento). Armas com registro ainda poderão ser entregues a qualquer momento, com direito a indenização. Desde julho do ano passado, mais de 440 mil armas de fogo foram repassadas espontaneamente à polícia.
Quem registrou sua arma até dezembro de 2003 deve renovar o documento até dezembro de 2006. E assim deverá ser feito a cada três anos após pagamento de uma taxa de R$ 300. Desde que o estatuto entrou em vigor o registro passou a ser feito pela Polícia Federal e não mais pelo Exército. Caso não sejam cumpridas as exigências previstas na lei, o registro poderá ser cancelado. O prazo para se registrar uma arma ilegal acabou no dia 23 de junho 2005.
Restrições continuam
Se a maioria dos eleitores decidir que o artigo 35 não deve entrar em vigor, o comércio de armas de fogo e munição continuará permitido no Brasil e submetido às mesmas restrições impostas pelo estatuto há quase dois anos.
Ou seja: ser maior de 25 anos de idade, declarar efetiva necessidade, comprovar idoneidade, não estar respondendo a inquérito policial ou processo criminal, apresentar documentos que provem ocupação lícita e residência fixa, além de demonstrar capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio da arma.
Apenas após a apresentação de todos esses requisitos e o pagamento de uma taxa de R$ 1.000, o interessado em comprar uma arma de fogo receberá da Polícia Federal uma autorização para a compra.
Só em casa ou no trabalho
Nesse caso, a arma só poderá ser mantida em casa ou no trabalho. Mesmo quem preencher todos os requisitos acima não poderá circular com ela pelas ruas. O porte de armas continuará proibido no Brasil. A pena para quem é flagrado portando arma pode chegar a seis anos de prisão. O crime é inafiançável nos casos em que o cidadão não tenha registro da arma.
Outro ponto da lei que independe do referendo: mesmo quem hoje tem – e continuará a ter – direito ao porte de arma poderá perdê-lo a qualquer momento. Além de ter prazo de validade específico, ele poderá ser cassado se o portador for abordado com sua arma em estado de embriaguez ou sob efeito de drogas ou alucinógenos.
Venda de munição
Como o referendo não diz respeito apenas à proibição da venda de armas, o Congresso Nacional terá de entrar em ação caso o voto “sim” prevaleça. Objetivo: definir as regras para o comércio de munição. Desde que o estatuto entrou em vigor, quem tem porte ou posse de arma pode comprar até 50 projéteis por ano. A possibilidade de as regras mudarem levou muita gente às lojas para garantir o estoque doméstico.
Com a eventual proibição desse tipo de venda, só as empresas de segurança e os policiais terão acesso à munição, a se manter o atual texto da lei do desarmamento. Como o próprio estatuto faculta a pessoas seriamente ameaçadas de morte a possibilidade de possuir arma, os parlamentares vão ter de votar um projeto de lei para regulamentar esse tipo de comércio.
Para mais informações sobre o Estatuto e o referendo, acesse os sites do Ministério da Justiça e das campanhas Voto Não e Referendo Sim, ligados às frentes parlamentares envolvidas na consulta popular.
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