A Câmara absolveu ontem à noite o deputado José Mentor (PT-SP), apontado como beneficiário do mensalão por ter recebido R$ 120 mil das contas do empresário Marcos Valério de Souza. Os deputados derrubaram, por 241 votos a 175, o relatório do Conselho de Ética que sugeriu a cassação do petista. Houve ainda seis votos brancos, dois nulos e oito abstenções. Faltaram apenas 16 votos para atingir o mínimo necessário, de 257, para a cassação do mandato.
Apenas 432 dos 513 deputados votaram. O quórum só não foi mais baixo que o da sessão que absolveu o deputado João Magno (PT-MG), quando 426 parlamentares registraram voto. “A votação pela cassação foi alta, mas com um quórum baixo desses nem Satanás seria cassado. Fiz o possível e o impossível para adiar”, lamentou o vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL).
“Não é problema de quórum baixo. Na votação do João Paulo o quórum foi alto, de 485, mesmo assim ele foi absolvido”, rebateu Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que negou, na abertura dos trabalhos, pedido da oposição para que a votação fosse adiada. No fim da noite, Aldo anunciou o corte do ponto e do salário dos 81 deputados que não compareceram ao julgamento do petista.
A absolvição de Mentor intensifica a crise dentro do Conselho de Ética. Na semana passada, integrantes do colegiado ameaçaram fazer uma renúncia coletiva em protesto contra as derrotas em plenário. Atendendo a um apelo do presidente do colegiado, Ricardo Izar (PTB-SP), a maioria decidiu permanecer no órgão até a conclusão dos processos pendentes. Dos 19 deputados acusados de envolvimento com o escândalo, ainda faltam três para serem julgados pelo plenário: Josias Gomes (PT-BA), Vadão Gomes (PP-SP) e José Janene, ex-líder do PP (PR).
Até agora, em 12 julgamentos, apenas três deputados foram cassados (Roberto Jefferson, José Dirceu e Pedro Corrêa) pelo Plenário, embora o Conselho tenha recomendado a absolvição de apenas dois. Outros quatro renunciaram ao mandato.
“Ele não é um deputado boa-praça, como é o João Paulo. Nesse sentido, novamente o plenário foi coerente, favorecendo simpatias pessoais em detrimento das provas”, avaliou Chico Alencar (Psol-RJ), um dos integrantes do grupo de deputados que, durante a votação, se reuniu no meio do plenário e abriu suas cédulas para mostrar o voto.
Cassação moral
Até o vice-líder do PT Fernando Ferro admitiu que o quórum baixo favoreceu o colega. “Vale moralmente como uma cassação. É uma punição. Expressa que o quórum baixo favoreceu Mentor e que não há acordo como alguns especulam”. O partido com maior número de faltosos foi o PMDB, com 15 ausentes (18% da bancada), seguido por três legendas com dez ausentes cada: PTB (23% da bancada), PP (20%) e PT (12%). Proporcionalmente, a legenda com maior número de faltosos foi o PL, com 25% de ausência (9 faltantes em 35).
A atitude foi um protesto contra a prerrogativa do voto secreto, bastante questionada por conta das absolvições de deputados acusados de terem recebido recursos do valerioduto. Para amenizar a crise, Aldo deve incluir na pauta uma proposta de emenda constitucional que acaba com o voto secreto nas sessões da Câmara e do Senado.
Certeza da absolvição
Pouco antes de os deputados pegarem as cédulas, o deputado José Mentor já estava confiante na absolvição. “Tenho a certeza que o relatório (de Trad) terá o mesmo destino do original: o arquivamento”, afirmou em seu discurso de defesa.
Mentor foi incluído na lista dos beneficiários do valerioduto depois que as CPIs dos Correios e do Mensalão encontraram dois cheques nominais de R$ 60 mil pagos ao petista, em 2004, por um dos sócios de Valério, o advogado Rogério Tolentino.
O deputado alegou ter recebido o recurso em troca de uma consultoria advocatícia e disse que não tinha como desconfiar que a fonte era escusa. “Quem aqui conhecia Banco Rural ou Marcos Valério naquela época”, disse hoje em plenário, durante sua defesa.
O relator do caso no Conselho, Nelson Trad (PMDB-MS), ressaltou que, embora não tenha sido denunciado pelo Ministério Público Federal no inquérito que apura o mensalão, o petista feriu a ética ao receber dinheiro de Valério. “Criminalmente, o deputado José Mentor não praticou ato (ilegal), mas eticamente, dentro do decoro, ele descuidou-se”, afirmou.
Relatório morno
Trad não leu seu texto em plenário. Ao discursar em defesa da cassação de Mentor, fez referências à denúncia do MP, divulgada na semana passada, e afirmou que indícios levam a crer que o petista recebeu recursos do valerioduto para livrar o Banco Rural das investigações da CPI do Banestado. “Como relator da CPI, ele aceitou patrocínio de Valério para beneficiar o Banco Rural”, afirmou.
Mentor rebateu a acusação. Argumentou que a CPI da qual foi relator nunca investigou o Banco Rural, Valério ou as empresas dele. Em seguida, provocou Trad afirmando que o relatório aprovado no Conselho era a prova de sua inocência. “Não foi tarefa fácil para o Trad sustentar a tese de que eu recebi mensalão. Senão, ele teria trazido fatos para provar isso, em vez de fazer ilações”, afirmou o deputado.
O relator original do caso, Edmar Moreira (PFL-MG), sugeriu a absolvição de Mentor no Conselho. O texto foi derrubado por oito votos a seis e coube a Trad fazer um relatório sugerindo a cassação. “Ele teve de reunir fundamentos para provar o que o Conselho já havia decidido”, afirmou o petista.
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