Fábio Flora *
Vejam só o prejuízo que levei com o caos no trânsito carioca: dos nove indicados ao Oscar de melhor filme, só cinco chegaram ao meu tapete vermelho. Certamente os outros ficaram presos em algum engarrafamento entre a finada Perimetral e a Avenida Rio Branco. Paciência. O negócio é fazer a festa com os convidados que conseguiram vencer a gincana do Seu Eduardo Paes.
Gravidade foi o primeiro, ainda no ano passado. A ficção científica dirigida por Alfonso Cuarón é matematicamente precisa – dos efeitos especiais sempre a serviço da narrativa ao roteiro sem delongas, passando por uma Sandra Bullock que vive um náufrago ainda mais náufrago do que o de Tom Hanks, no bom filme de Robert Zemeckis. Porque sem direito a água de coco e terra firme.
Depois veio a ingênua Philomena, pacata senhorinha que estrela o filme homônimo de Stephen Frears. A saga da mulher em busca do filho que lhe foi tirado por freiras malvadas é contada de modo inglesmente contido, balanceia com delicadeza drama e humor, mas não faz o espectador sacudir na cadeira tanto quanto poderia ou deveria, especialmente diante de uma história – real – cheia daqueles detalhes sórdidos da Igreja Católica.
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Sacudir, aliás, é o que Trapaça faz com os neurônios. O enredo levemente intrincado cansa um pouquinho, mas nada que impeça a compreensão da história. Destaque para a reconstituição dos anos setenta, os figurinos – que brilham mesmo quando ofuscados pelos decotes de Sydney (Amy Adams) – e a trilha sonora, sedutora coadjuvante que por pouco não contracena com os personagens em determinadas sequências.
Só não é tão sedutora quanto Samantha, por quem se apaixona o agridoce Theodore (Joaquin Phoenix) em Ela, sci-fi retrô de Spike Jonze. Ok que Samantha é apenas a voz de um aplicativo – mas de um aplicativo capaz de evoluir em um único dia muito mais que a maioria dos homo sapiens a vida inteira. Não bastasse ser boa de papo, ela tem as cordas vocais de Scarlett Johansson. Precisa mostrar mais?
Mostrar – principalmente as crueldades sofridas por negros nos Estados Unidos pré-abolicionistas – é o que 12 anos de escravidão não tem o menor pudor de. O diretor Steve McQueen põe o público no tronco ao partir da biografia de Solomon Northup (o possesso Chiwetel Ejiofor) para restaurar as tramas, muitas vezes contraditórias, de uma história cujo maior protagonista é a sobrevivência.
A propósito, de repente me ocorreu que nosso querido prefeito bem que merecia curtir umas férias eternas na fazenda de Edwin Epps, o senhor de escravos vivido por Michael Fassbender. Ou, quem sabe, ganhar uma passagem só de ida para um passeiozinho pela órbita da Terra. Maldade? Pode ser. Mas é que o que o Dudu anda fazendo com os cariocas não tem Philomena que perdoe.
* Cronista, residente no Rio de Janeiro, Fábio Flora mantém o blog Pasmatório e perfil no Twitter.
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