Os projetos de lei que definem o crime de terrorismo no Brasil foram impulsionados pela promoção de grandes eventos, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Iniciativas do gênero têm preocupado movimentos sociais nos últimos anos, porque, como observou o parlamentar, há um risco real de que manifestantes sejam indiciados de acordo com a interpretação dos agentes legais.
Algo semelhante vem acontecendo. Depois das manifestações de junho de 2013, a Polícia Civil de São Paulo passou a investigar danos cometidos a bens públicos e privados. Em vez de investigar os delitos individualmente, como crimes de vandalismo, tentou enquadrar os suspeitos como associação criminosa no inquérito 01/2013, o “inquérito Black Bloc”. Até fevereiro do ano passado, cerca de 300 pessoas tinham sido ouvidas. Advogados criticaram o teor político dos questionamentos da polícia.
Outro manifestante, Igor Mendes, foi detido no Rio em 12 de julho de 2014, na véspera da final da Copa do Mundo, e é considerado um preso político pela ONG Tortura Nunca Mais e outras organizações de defesa dos direitos humanos. Ele foi denunciado pelo Ministério Público por “associação criminosa agravada pelo uso de arma e a participação de adolescentes” e era, até maio, o único dos 23 processados pela Justiça fluminense na prisão. Igor foi solto por uma liminar concedida pelo STJ em junho do ano passado. A tipificação do crime de terrorismo pode dar margem para que casos com esses sejam caracterizados dessa forma.
As penas previstas no projeto em discussão na Câmara, que foi enviado pelo Executivo, são bem rigorosas. A maior punição era de 20 anos de prisão, mas o relator, o deputado Arthur Oliveira Maia (SD-BA), aumentou o tempo para 30 anos. O parlamentar fez ainda uma série de modificações no texto original, alegando que o projeto precisava definir o que são “atos de terrorismo” para ser efetivo.
A nova redação qualifica as seguintes ações como terroristas: “I – Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa; II – Incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado; III – Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou banco de dados; IV – Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa, ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares e instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás.”
Embora o parágrafo 2º do artigo 2º diga que nada disso pode ser aplicado a participantes de manifestações e movimentos sociais, abre-se margem para interpretação e punição, como ocorreu no inquérito “Black Bloc” e na prisão de Igor Mendes. Até mesmo jovens que invadirem sistemas poderão ser qualificados como terroristas, se for aprovado o projeto com o texto de Arthur Maia.
Outras iniciativas, também bastante duras, tramitavam no Senado e foram criticadas por movimentos sociais. “Tipificar o crime de terrorismo foi percebido pela sociedade como um retrocesso democrático muito grande, especialmente agora que estamos rememorando os 50 anos da ditadura militar”, disse Gabriel Elias, cientista político e membro do Comitê Pela Desmilitarização da Polícia e da Política, em entrevista à Agência Pública no ano passado.
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