Rodolfo Torres
A Comissão de Direitos da Câmara recebe nesta terça-feira (6), a partir das 15h, representantes de diversas entidades para debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 471/05, a chamada PEC dos Cartórios, que efetiva titulares de cartórios sem concurso público.
No meio do polêmica, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Luiz Couto (PT-PB), admite que há mais dúvidas do que certezas em relação à matéria. “Nada está definido”, afirma o petista, complementando que a bancada do PT está dividida em relação à proposta. O deputado José Genoino (PT-SP) adiantou que apresentará um voto em separado contrário à PEC.
O texto, aprovado por uma comissão especial, concede a titularidade aos que assumiram os cartórios até 20 de novembro de 1994 e que estejam à frente do serviço há, no mínimo, cinco anos ininterruptos antes da promulgação da futura emenda.
Sem concurso
Os defensores da proposta sustentam que ela corrige uma injustiça com os responsáveis por cartórios e que os titulares dos cartórios só não passaram por concurso público por culpa do próprio Judiciário, hoje adversário da PEC, que protelou a realização da seleção.
O assessor jurídico da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), Israel Guerra Filho, diz estranhar o fato de a proposta ser objeto agora de um debate na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara depois de ter passado por uma comissão especial e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“Nós estranhamos que esse debate só tenha sido colocado agora. Parece uma tentativa de protelar a votação”, afirma Israel.
O advogado lembra que o Congresso efetivou mais de 115 mil agentes de saúde comunitários sem concurso público por meio da Emenda Constitucional 51/06. “Nem sempre o concurso público será a saída para a situação de fato”, avalia Israel. “A PEC não é nenhuma proposta leviana. Tem base jurídica”, afirma, destacando o parecer favorável à proposição elaborado pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Sepúlveda Pertence.
Agora, porém, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, e o próprio Conselho Nacional de Justiça – encarregado de fiscalizar as atividades do Judiciário e também presidido por Gilmar – já se manifestaram contra a PEC dos Cartórios, por considerá-la inconstitucional.
Concurso obrigatório
O presidente da Associação Nacional de Defesa de Concursos para Cartórios (Andecc), Naurican Lacerda, tabelião e oficial registrador do Cartório do 2º Ofício de Notas, Protesto e Registro Civil do DF, defende o instituto do concurso público como única forma de ingressar nos cartórios.
Ele ressalta que o concurso para ingressar no serviço público é obrigatório desde a Constituição de 1988, e que “centenas de decisões” do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçam esse entendimento.
Para ele, a PEC é patrocinada por grandes cartórios e sua aprovação vai impedir que 7.879 candidatos aprovados em todo país tomem posse. “Essa PEC é lobby de peixe grande”, declara Naurican.
A proposta está na pauta do plenário da Casa e pode ser analisada ainda nesta semana. A PEC permite que cerca de 5 mil responsáveis por cartórios sejam efetivados como donos vitalícios de um negócio que chega a ter faturamento de mais de R$ 2 milhões por mês (leia mais).
Atrativos financeiros
O assessor jurídico da Anoreg, Israel Guerra Filho, nega que o setor seja tão lucrativo. De acordo com ele, cerca de dois terços dos cartórios do país possuem uma renda bruta mensal que não chega a R$ 10 mil, o que não traria “atrativos financeiros para nenhum concurseiro”.
Para Israel, a PEC remediará uma recente resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determinou a vacância de todos os cargos ocupados em cartórios sem concurso público. “Um terço dos cartórios será extinto. Nos municípios pequenos e distantes, as pessoas terão de viajar até 100 km para fazer registros.”
O presidente da Associação Nacional de Defesa de Concursos para Cartórios rebate o argumento da Anoreg. Segundo Naurican, o interesse pelo controle dos cartórios é grande. Ele cita como exemplo o preenchimento de todas as vagas no último concurso público realizado no Rio Grande do Sul. “Dos 165 cartórios, 111 tinham faturamento inferior a R$ 10 mil e 24 cartórios receita inferior a R$ 1 mil mensais. Todos ocupados por concursados.”
A PEC também é criticada por entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Para ela, a medida cria um “trem da alegria” dos cartórios, favorecendo indicações políticas mesmo sob a previsão constitucional de concursos público para o cargo.
“Vácuo legislativo”
Israel explica que até 1994 havia um “vácuo legislativo” porque não existia lei específica para determinar como se daria o ingresso nos cartórios. Somente com a Lei 8.935/94 é que a “delegação para o exercício da atividade notarial” passou a depender dos concursos públicos. “A incidência da PEC está nesse período.”
De acordo com o Artigo 15 da referida lei, “os concursos serão realizados pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador”.
O presidente da Andecc afirma, no entanto, que a lei apenas repetiu o parágrafo 3º do Artigo 236 do texto constitucional, que afirma: “o ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.
Para ele, antes da sanção dessa lei houve “verdadeiros trens da alegria” em aproximadamente 3 mil cartórios. Segundo Naurican, os maiores cartórios são os responsáveis pela demora na realização dos concursos públicos.
A audiência pública sobre a PEC está marcada para as 15h no plenário 11 da Câmara. Entre os que já confirmaram presença para expor seus posicionamentos aos deputados estão: o corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp; o juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Ricardo Chimmenti; o presidente da Associação Nacional em Defesa dos Concursos para Cartório (Andecc), Humberto Monteiro da Costa; e o presidente da Associação de Titulares de Cartórios, Robson Alvarenga. O ministro da Justiça, Tarso Genro, e o presidente da Anoreg, Rogério Bacellar, ainda não confirmaram presença na audiência pública.
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