Edson Sardinha
“Sonhada no século XVIII (Inconfidentes)
Pensada no século XIX (Cruls)
Construída no século XX (JK)
Demolida no século XXI
Reconstruída no século XXII
E novamente demolida no século XXIII”
Brasília não respira só política. Da concretude de seus eixos monumentais também brota poesia. E da boa, como a de Nicolas Behr. O autor dos versos acima, publicados com exclusividade pelo Congresso em Foco, tem na cidade que o adotou há 34 anos sua grande fonte de inspiração e de inquietude.
Aos 49 anos, esse mato-grossense de Cuiabá se dedica a duas paixões: a produção de plantas nativas do Cerrado, em seu viveiro, e a tradução da mais incompreendida das cidades brasileiras, por meio de suas publicações.
Em Braxília Revisitada (assim mesmo, com um X no meio), livro publicado em 2004, Nicolas brinca com mitos e verdades de uma Brasília feita de políticos e burocratas, mas também de muito trabalho, sonho, alegria e solidão.
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Neste domingo de Carnaval, o Congresso em Foco brinda o leitor com alguns dos pensamentos de Nicolas Behr sobre a capital de todos os brasileiros.
“Ilha da fantasia?
Não!
Arquipélago
Da imaginação!”
“No princípio era a lama
a lama virou cama
a cama virou Câmara
onde eles legislam
deitam e rolam”
“Logo após o dia 11 de setembro,
assustados com a possibilidade de atentado a todas as torres gêmeas
do mundo, os senadores e deputados
aprovaram rapidamente uma lei que tornava
o edifício do Congresso Nacional
invisível aos aviões”
“Brasília nasceu
de um gesto primário,
dois eixos se cruzando,
ou seja, o próprio sinal da cruz
como quem pede benção
ou perdão”
“Brasília só para convidados
sem crachá não entra
sem carimbo não entra
sem puxar o saco não entra
sem este poema não entra”
“O céu
é nosso mar
mar sem sal”
“Não ficará carimbo
sobre carimbo
e carimbo sobre carimbo
reconstruiremos a cidade
sem carimbos”
“Ilha cercada de Goiás
por todos os lados
nós, goianos do quadradinho”
“Cidade inventada?
inventa outra”
“Brasília é a incapacidade
do contato afetivo
entre a laje
e o concreto”
“Brasília é maquete
modelo reduzido
do nosso fracasso”
“Você ri né JK
vai rindo vai rindo
até você ver
o que fizeram
com a sua cidade”
“O psicólogo o sociólogo
o antropólogo explicam
Brasília
eu não entendo
eu gosto”
“Salvador (1549-1763) – 214 anos
Rio de Janeiro (1763-1960) – 197 anos
Brasília (1960 – 2166) – 206 anos”
“Respeitosamente
Encaminho a Vossa
Senhoria, em anexo,
A planta do anexo do
Anexo do anexo do
Ministério sem sexo”
“Aqui não havia nada
só um grande vazio
um deserto
aí inauguraram a capital,
e o Cerrado apareceu logo depois”
“A superquadra nada mais é
do que a solidão
dividida em blocos”
“Brasília
não envelheceu
abrasileirou-se”
“Ipês protestam
contra os atropelamentos no eixão
oferecendo flores às vítimas”
“Mordo Brasília e não ladro mais
enquanto passam
os comboios presidenciais”
“Ninguém comeu Brasília.
Como eu
Brasília nua e crua.
Como assim?”
“Nossos balões têm mais flores
nossos gramados são mais verdes
nossos burocratas muito mais dóceis
nossos carimbos mais reluzentes
nossos poetas
bem comportados
demais”
“O nível do mar baixou
e o esqueleto da cidade surgiu.
Quem foram os construtores
Desta fantástica cidade?
Teriam sido felizes
Os seus habitantes?”
“A última coisa
que quero fazer
em Brasília é morrer”
Para saber mais sobre a obra e a vida de Nicolas Behr, clique aqui.
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