Rudolfo Lago
O presidente Lula é “o cara”. O Brasil ganhou reconhecimento internacional, livrou-se sem maiores problemas da crise financeira e tem no pré-sal uma incomensurável reserva de petróleo como garantia para seu futuro. Tudo certo para entrar com o pé direito na segunda década do século XXI não fosse a sua precaríssima produção intelectual. Numa era em que pesa cada vez mais a propriedade do conhecimento, o Brasil ainda é mais mero produtor de matéria-prima, não é competitivo na inovação científica e tecnológica.
De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, em 2008, o Brasil ocupava apenas o 24º lugar no ranking de registro de patentes, com 451 pedidos. Todos os demais países emergentes que formam com o Brasil os chamados “BRICs” (Brasil, Rússia, Índia e China) estão na nossa frente. A China tem nada menos que 6.089 registros de patentes. A Rússia tem 666, e a Índia, 766.
Para tentar mudar essa situação, o Movimento Coalizão de Inovação, um grupo de empresários liderado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) planeja tomar o Congresso Nacional este ano para alterar a percepção dos deputados e senadores sobre a importância de incentivar a pesquisa em inovação tecnológica como caminho para o desenvolvimento do país.
Uma pesquisa que o movimento encomendou ao Instituto Ibope no ano passado mostra um quadro preocupante: a maioria dos parlamentares não vê ainda a questão da propriedade intelectual como um fator fundamental para o desenvolvimento. O Movimento Coalizão de Inovação foi criado em 2008. Naquele ano, realizou uma primeira edição da pesquisa com o Congresso. O que preocupa é que os números relativos à percepção da importância da propriedade intelectual em 2009, em vez de melhorar, pioraram.
Apenas 26% dos deputados e senadores entrevistados citaram “inovação tecnológica” como uma “janela de oportunidade” para o desenvolvimento do Brasil. No caso, para os parlamentares, estão na frente ações na área de educação e investimentos em infraestrutura. Com relação à pesquisa de 2008, caiu de 30% para 19% o número de congressistas que apontam o “investimento em pesquisa científica” como “janela de oportunidade” para o desenvolvimento.
Apenas 15% dos entrevistados disseram conhecer bem a legislação brasileira que trata de propriedade intelectual.
A pesquisa ainda demonstra que os parlamentares têm pouco conhecimento sobre o tema. Apenas 3% citaram a Lei de Inovação Tecnológica, de 2004, que cria incentivos para as empresas investirem em pesquisa e novas tecnologias, como um dispositivo importante para o desenvolvimento. E nada menos que 41% admitiram não conhecer nenhuma legislação sobre o tema. Noventa por cento reconhecem que o tema é pouco debatido no Congresso. E caiu de 54% para 44% o número de parlamentares que declaram ter interesse sobre o tema.
E 90% dos deputados e senadores entrevistados admitem que o tema é pouco discutido no Congresso
“O desconhecimento e inconsistência nas opiniões e percepções sobre o tema da propriedade intelectual aparecem como o principal resultado da pesquisa, repetindo o cenário indicado em 2008”, conclui a pesquisa do Ibope. “Mesmo entre os parlamentares que declaram ter interesse e conhecimento sobre o tema, observam-se às vezes percepções e opiniões incoerentes sobre o assunto”, prossegue.
Números preocupantes
“Esses números são, de fato, muito preocupantes”, avalia a ex-presidente da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI) Juliana Viegas. “A pesquisa em inovação tecnológica é muito cara. Ninguém investirá em inovação se não tiver a garantia de que lucrará com os resultados que obtiver. Isso é um pilar do desenvolvimento em qualquer parte do mundo”, considera ela.
De acordo com Juliana, a falta de interesse dos parlamentares no tema faz com que o país não aprimore seus mecanismos de proteção intelectual. Pelo contrário, segundo ela, tramitam inclusive no Congresso projetos que buscam mesmo afrouxar mecanismos de controle. Tramita um projeto, por exemplo, que não permite o patenteamento de quem descobrir um segundo uso para um medicamento.
“Ao contrário desse caminho, buscar novos usos para produtos que já existem poderia ser um filão de desenvolvimento tecnológico para um país como o Brasil”, considera Juliana. O caso mais emblemático no mundo de descoberta de um segundo uso para um medicamento é o Viagra: desenvolvido como remédio para doenças cardíacas, seu principal chamariz hoje é sua função no combate à disfunção erétil.
Direito do consumidor
A tendência de querer afrouxar os mecanismos de propriedade intelectual está ligada a alguns movimentos de direito do consumidor. Uma tendência em julgar que o excessivo controle da patente pode gerar monopólios que encarecem o produto e dificultam o acesso. “Mas, para isso, a nossa legislação já tem o mecanismo do licenciamento compulsório, que é mais comumente chamado de quebra de patente”, lembra Juliana.
Quando ministro da Saúde, o hoje governador de São Paulo, José Serra, conseguiu obter vantagens na comercialização de medicamentos apenas ameaçando quebrar as patentes. E, já no governo Lula, houve a quebra da patente do medicamento Efavirenz, usada no tratamento da Aids. “Não precisa deixar a legislação frouxa. É preciso proteger a propriedade intelectual de forma inteligente”, prega Juliana.
Apesar dos números da pesquisa, o movimento dos empresários sobre os parlamentares já parece começar a ter resultados. “Tais aspectos reforçam a necessidade da Coalizão Brasil Intelectual persistir e intensificar as atividades de divulgação, debate e mobilização parlamentar em torno dos temas da propriedade intelectual”, reforça, nesse sentido, a pesquisa do Ibope. O deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP) anunciou que vai criar este ano uma Frente Parlamentar de Inovação e Propriedade Intelectual.
Leia a íntegra da pesquisa do Ibope
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