Bezerra Couto |
Genial. Sob a coordenação do ministro da Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, o governo elabora um plano estratégico com o objetivo de preparar o Brasil para o ano de 2022, data em que o país completará dois séculos de história supostamente independente. Sabe lá Deus que planos estarão na cabeça do titular da pasta de nome mais pomposo da Esplanada dos Ministérios. Também se desconhece a razão do baixo entusiasmo que a idéia provocou até agora na imprensa. Quase nada se publicou a respeito, o que me traz à cabeça duas hipóteses. Ou o Gushiken é um ás da comunicação e costura uma imensa surpresa para nos encantar a todos, ou então é um brilhante estrategista e tem como lema o pensamento de que o segredo – e não, digamos, a propaganda – é a alma do negócio. Leia também Curioso, ainda, que um governo incapaz de prever como será o dia seguinte no Congresso de Severino e Renan se lance em tão ousado empreendimento. Mas, confesso, simpatizei com a idéia. E me antecipo, oferecendo três singelas sugestões para a nação verde-amarela construir nos próximos 17 anos uma rota segura rumo à concretização de suas melhores e mais legítimas aspirações. Primeira sugestão – Ação enérgica contra a corrupção na administração pública e as irregularidades fiscais, financeiras e cambiais. Quem tem dúvidas de que pagamos altíssimo preço pelo desvio de recursos públicos e pelas fraudes tributárias, cambiais ou financeiras? Estima-se, por exemplo, que é sonegado um real no Brasil para cada real arrecadado. Moral da história: quem paga imposto é onerado pela necessidade de recolher ao erário aquilo que outros não recolhem. E a corrupção, gente! Há evidências (os mais curiosos podem encontrar material interessante em www.transparencia.org.br) de que ela aumenta violentamente os custos dos investimentos públicos e privados, além de reduzir a produtividade e dificultar o crescimento econômico. Pior é o seu efeito sociocultural. Como tantas vezes fica impune, a bandalheira premia os desonestos, estimulando os maus exemplos. “Se o Fulano se deu bem assim e continua metendo a mão, vou fazer o mesmo pra sair da lama”, acabam concluindo muitos. Enfrentar a questão, tanto ao nível das práticas diárias das pessoas e empresas como dos padrões de comportamento dos agentes públicos, deve ser prioridade zero do Plano Brasil 2022. Para liderar esse programa fundamental, o governo está muito bem servido. Sugiro, porém, dois nomes acima de qualquer suspeita: o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, e o ministro da Previdência, Romero Jucá. Segunda sugestão – Desburocratização e simplificação das leis e normas administrativas. Chamam de risco Brasil a variação de pontos associada à cotação dos títulos brasileiros no exterior. A gringada acha que o Palocci está apertando o cinto direitinho e não vai faltar dinheiro para saldar os compromissos internacionais, o “risco Brasil” cai. Há temor de que as coisas podem se complicar, e ficará mais difícil juntar reais para honrar a monstruosa dívida pública, ele sobe. Para mortais comuns, claro, o risco Brasil é outra história. É o risco de você pirar com a lista infindável de exigências absurdas que o poder público federal, estadual e municipal faz a cada segundo. Quer abrir uma empresa? Abre pra você ver o que é bom pra tosse. Quer fechar? Pior ainda. Quer enterrar um parente? Liberar um inventário? Tome fila, espera, mau humor e desinformação de funcionários, certidão pra cá, atestado pra lá, nada consta aqui, “vou-estar-transferindo-sua-ligação-para-o-setor-competente” acolá. Neste assunto, recomendo tolerância zero. Solução proposta: as principais autoridades, dos três entes da Federação, irão penar como anônimos cidadãos para atender, em sistema de rodízio, a determinadas formalidades burocráticas. Sem direito a “jeitinhos”. Assim, um ministro pode ser incumbido de regularizar a situação de um terreno de marinha (sim, isso existe e nem queiram imaginar a encrenca que representa!); um prefeito será encarregado de providenciar o recálculo do IPTU; para governadores, a tarefa poderá ser encarar quatro horas em um Detran da vida para corrigir o IPVA que veio errado; e assim por diante. O presidente Lula vai ficar feliz. Cada autoridade – ele próprio, inclusive – deverá rebolar o seu traseiro para cumprir pelo menos três desafios desses por mês. Vai ser uma beleza ver senadores, deputados, desembargadores, secretários estaduais e congêneres lidando com a selva burocrática que inferniza o dia-a-dia daqueles que não andam em carro oficial. Rapidinho, vão aparecer formas de facilitar a vida de quem carrega a nação nas costas. Terceira sugestão – Declarar guerra ao fisiologismo e à troca de favores A república da “ordem e progresso” está ancorada em uma engrenagem institucional perversa. Se o mais preparado e bem-intencionado dos brasileiros tomar posse como presidente da República, enfrentará um dilema. Ou fica em minoria no Congresso ou faz concessões intermináveis para garantir maioria. Essa lógica governa a distribuição de cargos, a liberação de verbas, o apoio a medidas legais de duvidoso interesse público, e por aí vai. O problema se repete nos estados (governador e Assembléia Legislativa) e municípios (prefeito e Câmara Municipal). Foi assim com Fernando Henrique, tem sido assim no atual governo. Que tal, Gushiken, o Lula quebrar a corrente nos quase 20 meses de mandato que lhe restam? Dizendo não ao fisiologismo e à troca de favores. Denunciando as propostas indecorosas de que toma conhecimento. Parando, veja que maravilha, de pensar em reeleição, e tendo em mente a esperança que ele já encarnou e que a cada dia simboliza menos. Instrumentos de comunicação não faltam ao Palácio do Planalto para dar os recados necessários à população. E, olha: se a mensagem for boa e bem transmitida, é enorme a chance de ela ser compreendida. Trata-se, em síntese, de trocar o som e a fúria em torno de batalhas imediatas – um pouco mais de imposto, a nomeação para uma agência reguladora… – pela suave música de uma guerra de longo prazo: a de mostrar o caminho para o Brasil se tornar outro país. Comprada a idéia, os fisiológicos certamente se assanhariam. Imagino-os, ensandecidos, tocando seus tambores no Congresso entoando a letrinha que segue (ela deve ser cantada ao som dessa preciosidade contemporânea que é Festa no apê): Não tem cargo, nada de MP. E o governo de novo vai perder. Não tem verba, e vocês vão ver. Ferro Lula, ferro até você. Vou pedir, vou falar, farei tudo pra argumentar. Que sem mim o governo tá na lama. Já estou armando a cama. Não tem cargo, nada de MP. E o governo de novo vai perder… Em outras palavras: eles, os fisiológicos, estariam condenados ao desmascaramento. Para eles, sobraria o consolo de vitórias de Pirro. Sendo boa a causa do governo, derrotá-la significaria derrotar a própria sociedade. O que você acha, Gushiken? |
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