Após pressão do governo brasileiro, a Bolívia decidiu "congelar" a decisão de confiscar as instalações e o fluxo de caixa das refinarias da Petrobrás no país, transformando a estatal brasileira em mera prestadora de serviços. Com isso, a resolução deixará de ser aplicada agora e será discutida apenas depois das eleições, no âmbito das negociações que os dois países mantêm em torno do fornecimento de gás natural ao Brasil. O recuo do presidente Evo Morales amenizou o estrago político e econômico que a medida traria ao governo Lula, a 15 dias das eleições.
A decisão de Morales, que já se declarou favorável à reeleição do petista, de assumir a rede produtiva de hidrocarbonetos e a venda de gás e derivados de petróleo na Bolívia virou munição para os adversários de Lula na corrida à sucessão presidencial. Ao longo de todo o dia, os candidatos disseram, em eventos distintos, que Lula foi "omisso" e "incompetente" para negociar a questão do gás com o país vizinho.
À noite, depois de muitas negociações, o presidente ganhou uma trégua do colega boliviano e anunciou, durante entrevista ao Jornal da Band, que a resolução de Morales estava "congelada". Mais do que isso, pela primeira vez, elevou o tom ao se referir às posições nacionalistas adotada nos últimos meses pela Bolívia.
Leia também
"Obviamente que, se a Bolívia teimar em tomar essas atitudes unilaterais, o Brasil vai ter de pensar em como fazer uma coisa mais dura com a Bolívia. Mas confesso a vocês que vou trabalhar para que a gente resolva essa situação de uma forma tranqüila", disse o presidente durante a entrevista aos jornalistas Fernando Mitre e Franklin Martins.
Morales já havia pego o governo brasileiro desprevenido em maio, quando nacionalizou as reservas de gás de seu país e colocou tropas do exército na porta das refinarias. Agora, ao tomar as refinarias, rompeu uma espécie de acordo pré-eleitoral que havia feito com Lula. Como o presidente boliviano estava em Cuba, as negociações foram feitas ontem com o seu vice, Álvaro Garcia Linera. "Estamos suspendendo temporariamente uma resolução ministerial como um sinal para avançar no diálogo com a Petrobras", afirmou Linera, durante entrevista coletiva em La Paz à noite.
Nacionalização continua
Segundo o presidente em exercício, a suspensão da ordem não significa um retrocesso na nacionalização dos hidrocarbonetos. "A nacionalização vai adiante. O que estamos analisando são os prazos para a aplicação de acordo com as empresas", ressaltou. O recuo boliviano alivia, pelo menos até as eleições, o impacto que o confisco das refinarias brasileiras na Bolívia poderia causar no preço do gás no Brasil. E, por conseqüência, o desgaste político para a candidatura à reeleição de Lula.
Uma reunião entre o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, e o seu colega boliviano, Andrés Solíz Rada, está marcada para o próximo dia 9. Rondeau, aliás, cancelou a viagem que faria hoje a La Paz para discutir com o governo local a venda de gás natural para o Brasil.
Aviso pelos jornais
A suspensão da viagem foi o primeiro gesto de "retaliação" do governo brasileiro, que, dizendo-se "surpreso" com a decisão boliviana, elevou o tom das ameaças ao governo Evo Morales, classificando o seqüestro de receitas das refinarias como um ato "inaceitável". O governo Lula só ficou sabendo da resolução pelos jornais bolivianos. "Nós tínhamos combinado que não haveria negociação pela imprensa, e nós tomamos conhecimento pela imprensa, inclusive de dados, e valores", disse Rondeau. "Havia um processo em andamento e não esperávamos (a decisão da Bolívia), mas o governo vai se posicionar", disse a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.
A resolução do governo da Bolívia determinou a transferência do controle acionário das refinarias para a YPFB, estatal boliviana de petróleo e gás. Com a decisão, toda a receita obtida com a venda dos recursos minerais extraídos com a estrutura montada pela Petrobras seria depositada diretamente na conta da YPFB. Dessa forma, a estatal brasileira atuaria somente como uma prestadora de serviços, com direito a uma parte dos lucros, definida pelo governo da Bolívia. O texto prevê ainda a revisão de todos os contratos já firmados entre as concessionárias e seus clientes internacionais.
Reação da Petrobras
A Petrobras avisou que não tem interesse em investir no país vizinho nessas condições. A empresa é a maior parceira dos bolivianos no setor de minérios e o maior importador de gás. É responsável pela produção de praticamente toda a gasolina consumida na Bolívia e responde por 22% de todos os impostos.
Em nota, a estatal disse que estava "inconformada" com a decisão do governo de Evo Morales. "A Petrobras manifesta seu desacordo com a medida do ponto de vista legal, operacional e financeiro, já que isso inviabiliza totalmente os negócios de refino da companhia no país", diz o comunicado.
A nacionalização ocorreu sem nenhuma compensação financeira. Segundo o governo da Bolívia, a Petrobras já teria obtido lucros de US$ 320 milhões acima do permitido pela lei com as refinarias, adquiridas em 1999 por US$ 100 milhões (US$ 180 milhões se fosse hoje), o que dispensaria qualquer indenização.
A estatal brasileira negou as acusações, disse que a margem de lucro foi regulamentada por decreto de maio de 2005 e que o ganho médio anual das unidades foi de apenas US$ 14 milhões.
Oposição critica
Na época da nacionalização das refinarias de gás natural, o governo brasileiro agiu de forma diplomática. Sustentou que a Bolívia era um país pobre e, por isso, procuraria resolver o impasse por meio do diálogo, sem recorrer a sanções internacionais. A postura do Planalto, porém, não foi bem recebida.
"A posição do Lula foi submissa, foi omissa, foi fraca, e agora nós temos, culminando esse processo, o governo da Bolívia dizendo que sequer vai pagar", afirmou o tucano Geraldo Alckmin no aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O tucano disse que, caso seja eleito, recorrerá a tribunais internacionais para reverter as decisões do governo boliviano e exigir o cumprimento dos contratos. "Mas é óbvio que já deveria ter sido recorrido. Essa é a postura mínima que se espera", disparou o tucano.
De acordo com Heloísa Helena, Lula foi "incompetente". "Infelizmente, todo esse processo que vive hoje a Petrobras, é resultado da incompetência e irresponsabilidade do governo Lula, que na semana que deveria ter ido à Bolívia para discutir a situação dos bens e serviços da Petrobras, não foi", disse a candidata.
Heloísa Helena ainda afirmou que a "Petrobras é dinheiro do povo brasileiro, que lá está investido". "O governo não foi lá discutir as compensações para a indústria nacional pelo possível aumento para a tarifa do gás para proteger trabalhar brasileiros, especialmente os paulistas", ressaltou.
O candidato do PDT ao Planalto, Cristovam Buarque, também criticou a atuação do governo brasileiro. "Eu teria agido desde a eleição do Morales, porque ele avisou que faria isso, na própria campanha", afirmou o candidato.
Sem citar nomes, Lula rebateu, na entrevista ao Jornal da Band, as críticas de seus adversários. "Precisamos saber que o Brasil será este ponto de equilíbrio; se eu não briguei com o Bush (George W. Bush, presidente dos EUA), por que eu vou brigar com o (Evo) Morales?"
Deixe um comentário