Claudio Sales e Eduardo Monteiro*
O chamado “blocão” de deputados federais que recentemente se rebelou contra o governo federal mostrou estar disposto a usar toda e qualquer ferramenta para obter sucesso em suas demandas políticas, mesmo que isso implique em perdas para o país.
Num jogo sem escrúpulos, a chamada “frente independente” encurralou o governo ao aprovar o requerimento de apreciação com urgência do Projeto de Decreto Legislativo PDC 10/ 2011, que ressuscitava um tema sepultado em 2012 e que, se fosse adiante, implicaria em golpe mortal aos ritos legais, regulatórios e contratuais do setor elétrico.O PDC, que antes passaria por várias comissões da Câmara (CCJC, CDC, CFT e CME), seguiria diretamente para o plenário, sem controle nenhum, e com resultados imprevisíveis.
Ao longo de meses o PDC 10/2011 foi uma vitrine político-populista que buscou sustentar uma equivocada tese de revisão retroativa de tarifas devido a suposto erro metodológico tarifário. A tese não sobreviveu a posicionamentos recentes do próprio Tribunal de Contas da União (TCU), segundo o qual “uma revisão retroativa pode ser encarada como quebra de contrato a afetar a confiabilidade de todo o programa de concessões brasileiro, incluindo o efeito reverso de provocar o aumento das futuras tarifas ante ao potencial aumento dos riscos do negócio” (voto do revisor – acórdão 0658/2013).
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Além disso, o TCU afirmou que os cálculos que suportaram os reajustes tarifários nos anos de 2002 e 2007 foram realizados de acordo com a metodologia em vigor, conforme as regras de reajuste estabelecidas pela Aneel, e em respeito aos contratos de concessão (acórdão 3.438/2012).
Mas o mais assustador é que a chantagem política poderia ter aprofundado a seríssima situação das 63 distribuidoras de eletricidade nacionais. Estas empresas, que se constituem na base de sustentação econômico-financeira dos contratos regulados de todos os elos do setor elétrico, atualmente estão combalidas com o descasamento entre receitas tarifárias e custos bilionários adicionais gerados pelo funcionamento intenso de todo o parque termelétrico em função dos baixos níveis dos reservatórios hidrelétricos.
Soma-se ao despacho termelétrico o custo da chamada “exposição involuntária” das distribuidoras porque, por força da lei 10.848, de 2004, as mesmas só podem adquirir a energia para suprir seus mercados consumidores por meio de leilões regulados pelo governo, leilões estes que, desde a edição da medida provisória 579 de 2012, não têm sido suficientes para suprir toda a oferta necessária de eletricidade, o que tem obrigado as concessionárias a contratar parte de sua energia no mercado de curto prazo, a preços altíssimos.
Aproveitando-se da fragilidade financeira das empresas e da vulnerabilidade política do governo que concebeu o modelo elétrico vigente, os deputados insatisfeitos com o não atendimento de suas demandas passaram a usar o PDC 10/2011 como instrumento de pressão: ou o governo nos dá o que queremos ou vamos bagunçar de vez o setor elétrico.
Mas, como num passe de mágica, as pressões dos deputados diminuíram após o governo liberar R$ 200 milhões para emendas parlamentares e anunciar novos cargos de ministros para candidatos aceitos pela base aliada. Ficaram, assim, escancarados os artifícios e motivações de uma parcela significativa de nossa classe política.
Esse ciclo tóxico precisa ser interrompido. Precisam unir força os políticos que se dedicam a pensar como estadistas e a construir um ambiente institucional capaz de atrair e manter investimentos de longo prazo no setor elétrico.
E nós, cidadãos, precisamos ajudar a bloquear os “blocões vale-tudo”, pressionando o Congresso a acabar com esse jogo de conquista de poder político a qualquer preço e dando ampla divulgação a histórias vergonhosas como a relatada acima para que tenhamos decisões melhores nas próximas eleições.
*presidente e diretor-executivo do instituto Acende Brasil
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