As recentes discussões no Brasil sobre a crise política no norte da América do Sul correm o risco de se transformar em uma espécie de sucursal avançada dos intermináveis debates da política interna, entre a turma que defende intransigentemente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a que se opõe intransigentemente ao seu governo. Os primeiros estão do lado do presidente venezuelano Hugo Chávez e de seus protegidos. Os últimos tendem a se alinhar com o colombiano Álvaro Uribe, em sua luta contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Verdade seja dita que Lula vem defendendo desde o início uma solução negociada para o conflito. Mas integrantes e simpatizantes de seu governo não deixam de demonstrar uma simpatia quase amor pelas Farc. Ao comentar o episódio do ataque a guerrilheiros colombianos que se encontravam em território equatoriano, Lula disse que houve um fato: a violação do espaço aéreo do Equador por um avião da Colômbia. Fato grave, como reiterou ainda a ele o presidente equatoriano Rafael Correa poucos dias depois, no Palácio do Planalto.
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A oposição brasileira, por sua vez, não perde tempo em condenar a forte reação de Chávez ao ataque do avião colombiano. O presidente venezuelano, dizem representantes oposicionistas, exagerou na dose ao tomar as dores de seu colega equatoriano. Também teria ido longe demais ao exibir todo seu recém-adquirido poder bélico, em movimentações de tropas praticamente inéditas no continente, para uma suposta defesa contra possível ameaça dos Estados Unidos – aliados de Uribe.
Para quem gosta de arranjar um time para torcer, perfeito. Mas ficam duas perguntas no ar. Em primeiro lugar, interessa ao Brasil ter um barril de pólvora prestes a explodir em sua fronteira Norte? Além disso, interessa a toda a América do Sul, que depois de décadas obteve certa estabilidade democrática, a escalada de tensão promovida pelos dois principais países envolvidos, Venezuela e Colômbia?
Somente o bom senso será capaz de reduzir a temperatura da guerra verbal que já começou. A Organização dos Estados Americanos (OEA) será fundamental nesse processo. Para começar, Uribe daria uma grande contribuição se mantivesse a porta aberta ao diálogo com o governo do Equador. O estrago já foi feito, mas ao assumir a responsabilidade pelo erro da invasão do espaço aéreo do país vizinho ajudaria pelo menos a reduzir o alcance futuro da crise.
O Equador foi mesmo agredido, como disse Correa. Mas poderia igualmente dar sua contribuição se aceitasse uma iniciativa de paz proveniente da Colômbia. Nenhum dos dois países parece disposto a levar adiante um conflito que pode levar a uma guerra de verdade entre os vizinhos. E Chávez? Ele parece convencido da ameaça de um ataque a seu país por parte da Colômbia e dos Estados Unidos. Vai demorar a reduzir o nível de tensão na região, mas contribuiria também se não levasse muito adiante a sua demonstração de força militar.
Manter a paz na região exigirá muito esforço político. Tanto dos envolvidos diretamente no conflito como do Brasil, que tem a responsabilidade da liderança regional e enormes fronteiras com Venezuela e Colômbia. Fronteiras na selva, dessas em que muitas vezes não se sabe ao certo de que lado se está. Fronteiras permeáveis ao narcotráfico e aos próprios movimentos guerrilheiros.
Por tudo isso, os torcedores de Uribe no Brasil poderiam lembrar que o primeiro gesto em direção à paz, neste momento, deve ser da Colômbia. E os torcedores de Chávez não deveriam esquecer que as Farc há muito tempo deixaram de ser aquele tipo de movimento guerrilheiro idealista comum no continente até os anos 60. As Farc têm o seqüestro como método de luta. Seqüestro de pessoas como a senadora Ingrid Betancourt, que se encontra há seis anos detida na mata. Até hoje, provavelmente nenhum integrante ou simpatizante do governo brasileiro condenou essa prática das Farc. Ou tampouco respondeu às críticas de que os guerrilheiros colombianos estariam ligados ao narcotráfico.
Escolher um lado nessa história pode parecer tentador. Alguma coisa do tipo: Chávez e as Farc têm seus defeitos, mas a Colômbia seria pior, por causa de sua aliança com os Estados Unidos. Para o futuro do Brasil e da América do Sul, esta pode ser uma armadilha. Primeiro porque a falta de investimentos na área militar deixou o Brasil bastante vulnerável – e a Amazônia é uma região de difícil acesso e difícil defesa. E segundo porque o governo brasileiro precisa da manutenção da paz na América do Sul para aprofundar o seu projeto de desenvolvimento regional. Não faltarão argumentos aos que quiserem criticar os dois lados envolvidos no conflito. Mas o momento é de reconstruir as pontes quebradas e de evitar que outras ainda venham a ser dinamitadas.
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