Recordistas no troca-troca partidário que anima as discussões sobre a reforma política no país, os parlamentares brasileiros são mais recatados que seus colegas europeus quando o assunto é a exposição de sua intimidade.
Num país conservador, em que o estigma de homossexual é visto como uma ameaça à carreira política, “alguns não são homens suficientes para assumir” suas preferências sexuais ou afetivas, diz um deputado que pede para não ser identificado.
Palco de manifestações públicas que levam cada vez maior número de pessoas às ruas em defesa dos direitos dos homossexuais, o Brasil nunca viu um parlamentar “sair do armário”. A expressão, utilizada pelos ativistas para estimular os homossexuais a assumirem sua orientação sexual publicamente, ainda causa estranheza entre os congressistas. “Talvez porque não haja nenhum deles entre nós”, diz o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Adelor Vieira (PMDB-SC).
No início do ano, um parlamentar da Bélgica, Richard Fournaux, convocou a imprensa para anunciar que trocaria o partido conservador pelo liberal e aproveitou a presença dos jornalistas para revelar a sua homossexualidade. No Brasil, apenas em 2003, mais de 60 deputados e senadores trocaram de partido. Nenhum, porém, chegou a escandalizar o seu eleitorado.
Não faltam, porém, comentários maliciosos sobre as preferências sexuais de alguns congressistas. Eles recaem, sobretudo, sobre os integrantes da Frente Parlamentar da Livre Expressão Sexual. “Como boa parte dos parlamentares está preocupada em defender os próprios interesses, tem dificuldade em aceitar que alguém defenda o direito do outro”, constata o deputado Fernando Gabeira (sem partido-RJ).
O autor de O Crepúsculo do Macho, livro que trata de militância política e sexualidade, considera equivocada a política dos movimentos homossexuais de pressionar as pessoas a revelarem sua orientação sexual. Para ele, a estratégia de pressão contraria a bandeira do movimento de respeito à individualidade.
O deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG) faz coro ao ex-petista. “A vida íntima do homem público tem de ser preservada. Na medida em que se dá margem para esse tipo de exploração, há o risco inclusive de matar as idéias do parlamentar, porque pode ser uma forma de se criar uma militância de contraposição ao outro”, avalia o deputado, um dos coordenadores da Frente Parlamentar da Saúde.
Para o antropólogo Luiz Mott, secretário de direitos humanos do Grupo Gay da Bahia, os parlamentares que escondem a sua homossexualidade também revelam o preconceito que sofrem. “É a homofobia (aversão aos homossexuais) que faz com que políticos pratiquem clandestinamente seu amor e não exponham publicamente sua identidade sexual, como fazem hoje os afrodescendentes”, diz.
Acabou em festa
Enrustidos ou não, são muitos os parlamentares que enriquecem o variado acervo das histórias – ou estórias – envolvendo deputados e senadores supostamente homossexuais ou bissexuais. Fala-se, por exemplo, de conhecida deputada que viveria há mais de dez anos com uma companheira, sem jamais ter assumido a condição de lésbica.
O caso mais conhecido, no entanto, invadiu os gabinetes, embora o nome do protagonista do episódio seja quase sempre preservado, e rendeu até uma badalada festa em Brasília. A cena, presenciada por uma dezena de testemunhas, envolveu o ex-governador de um dos estados mais ricos do país, membro de uma das maiores bancadas do Congresso. Ainda na legislatura passada, ele teria se surpreendido com o porte físico de um jornalista durante uma entrevista coletiva. Ao encarar o profissional de imprensa, o deputado teria dito: “Hum, tem peru novo no pedaço”.
Após o comentário mais do que espontâneo, o autor da frase se recolheu ao mais profundo dos constrangimentos. De nada adiantou. Semanas depois um grupo de jornalistas da capital federal promovia com estardalhaço a festa “Tem peru novo no pedaço”. Casado e pai de três filhos, o deputado não conseguiu se livrar da pecha até hoje.
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